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Para além dos safáris: fenômeno de articulação política e jovem, Quênia tem mais que belas paisagens

© AP Photo / Brian IngangaValerie Akoko, criadora de conteúdo digital, grava um vídeo para TikTok em sua casa em Tatu City, uma cidade startup que busca resolver os problemas de urbanização da África, em Nairóbi, Quênia, sexta-feira, 25 de outubro de 2024.
Valerie Akoko, criadora de conteúdo digital, grava um vídeo para TikTok em sua casa em Tatu City, uma cidade startup que busca resolver os problemas de urbanização da África, em Nairóbi, Quênia, sexta-feira, 25 de outubro de 2024.  - Sputnik Brasil, 1920, 14.05.2025
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Elefantes, leões e safáris são as primeiras imagens que aparecem na ferramenta de busca na Internet quando se digita "Quênia", com suas savanas douradas e riquezas naturais que abrigam flora e fauna deslumbrantes, como o Parque Nacional de Amboseli.
O que demandará uma pesquisa mais aprofundada sobre a ex-colônia britânica é o fato de essa nação africana ser também um hub tecnológico no continente, com uma Constituição robusta e com democracia estável, além de uma juventude inovadora que impulsiona startups e ativismo digital.
A historiadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em relações internacionais Magide Vieira esteve no Quênia recentemente e contou, em entrevista ao podcast da Sputnik Brasil, Mundioka, a respeito das principais tensões políticas, os desafios sociais e as curiosidades dessa nação em rápida transformação, cuja independência completou pouco mais de seis décadas.
#617 Mundioka - Sputnik Brasil, 1920, 14.05.2025
Mundioka
Quênia: uma potência jovem e discreta
Os expressivos protestos — ao longo de 2024, sobretudo nas redes sociais — mostraram o poder de articulação de uma juventude 2.0, que denunciou com criatividade e altivez o aumento de impostos de itens básicos com o projeto de lei de finanças, que acabou sendo derrubado por pressão popular.
Segundo ela, a geração Z foi crucial para fortalecer os protestos, porque esclareceu os impactos da nova lei para a população mais humilde, cujo principal idioma é o suaíli, sobretudo nas regiões mais afastadas das principais cidades.

"A juventude pegou o finance bill [projeto de lei de finanças] e começou a traduzir no TikTok em suaíli. Começou a fazer vários vídeos em suaíli, e não só em suaíli. Foram fazendo no dialeto kikuyu, no dialeto que a região Mau Mau compreende, e foram adaptando assim e popularizando", disse, ao acrescentar que houve ainda uso de inteligência artificial para explicar o impacto daqui a dez anos.

A princípio, a reação do governo foi violenta, causou mortes, prisões e sequestros por todo o país. Mas a força das ruas e das redes foi tão grande, argumentou a analista, que o governo voltou atrás, não sancionou a lei, taxou importações e cortou salários governamentais e de políticos.
O parlamento também se movimentou ao criar espaços de participação popular, comentou ela, que esteve presente em uma dessas audiências públicas com observadores internacionais, sindicatos, estudantes e entidades estudantis sobre direitos da juventude.

"Esses processos tiveram um profundo impacto de como a política vai se reorganizar daqui para frente no país", comentou ela, que também é militante no Núcleo do BRICS e no Coletivo de Relações Internacionais da Juventude do Partido dos Trabalhadores (PT).

De acordo com Vieira, o parlamento, que chegou a ser invadido por uma multidão no ano passado, está deslegitimado, principalmente devido à votação majoritária para aprovar a lei de finanças.
"[O parlamento] faz alguns esforços de audiências públicas, de tentar aumentar a participação popular. Mas a categoria políticos está em crise. Os parlamentares também estão em crise […]. Esses jovens que foram pras ruas não têm partido, não têm liderança, não têm compromisso também. A imprensa nem é especializada em política. Eles querem contar a narrativa das suas plataformas."
O presidente do Quênia, William Ruto, se dirige à imprensa durante coletiva na State House, residência oficial presidencial, em Nairóbi, em 26 de junho de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 19.07.2024
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O país vive uma ebulição política, na opinião da especialista, em que o presidente atual ganhou as eleições, em 2022, com o discurso de governar para os mais pobres, com origem no movimento estudantil e que não faz parte dos grupos sociais e políticos que historicamente governaram o país.

"Ele [presidente William Ruto] foi eleito com um programa completamente diferente do que está aplicando. Esse é o problema. O FMI [Fundo Monetário Internacional] está impondo. Essa influência norte-americana e europeia no país está fazendo com que achem que essa é a única receita possível", opinou. "O custo de vida caro é nada mais do que essa cartilha econômica heterodoxa que o FMI implica nos países", criticou.

Os vários empréstimos feitos pelo país com o FMI, as consequentes dívidas e a rigidez fiscal, para a especialista, são o motor da política de austeridade do atual governo.
A entrada para o BRICS a para a nova Rota da Seda pode mudar positivamente os rumos do Quênia para uma alternativa de ajuda financeira internacional, ante à política predatória do FMI, na avaliação de Vieira.
"Especialmente o investimento chinês e essa possibilidade de uma alternativa pelo próprio Novo Banco de Desenvolvimento, tem outra perspectiva, que é a perspectiva de que os grandes investimentos nacionalizam depois […].

"Eles permitem uma soberania das empresas nacionais."

Flores, fertilizantes, turismo e muito mais

Pese os conflitos e as crises no âmbito social e político, o Quênia é exemplo mundial em muitos aspectos, a começar por uma das Constituições mais progressistas da África Oriental, pelo desenvolvimento econômico potente e pelas leis eficazes para a preservação do meio ambiente, pontuou Vieira:
"Por exemplo, quando você chega no país, tem um aviso no avião falando: 'Se você tiver sacola plástica, retire-a imediatamente.' É proibido no país, é crime, não entra plástico."
Grande exportadora de flores e fertilizantes, o Quênia tem tradição de pastoreio de gado para consumo interno, além do turismo, que acaba ganhando os holofotes das pesquisas da Internet, sobretudo devido aos safáris, que Vieira também teve a oportunidade de conhecer.
"A gente viu um leão almoçando um búfalo. Descobri que todas essas palavras do [longa-metragem] 'O Rei Leão' são palavras em suaíli. Simba é leão. Puma é javali. Hakuna Matata é tudo bem", comentou ela, fazendo analogia à história da Disney.
Colheitadeira colhe trigo perto do vilarejo de Tolstoy Mys, no distrito de Novosyolovsky, região de Krasnoyarsk, Rússia, foto publicada em 11 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 28.11.2024
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A culinária é um atrativo à parte, comentou, com pratos típicos que agradam todos os gostos e são de lamber os dedos, literalmente, pois é hábito no país comer com as mãos.

"Um mais gostoso que o outro. Cordeiro, carneiro, peixe no churrasco. Comi uma coisa deliciosa chamada galho. O galho eles comem muito. É um milho branco triturado. Esse milho vira uma pastinha, e essa pastinha você recheia. Nos que eu comi, geralmente sempre tinha repolho, couve. Você botava assim pra fazer o equilíbrio nutricional, e depois você botava a carne do cordeiro."

Influência muçulmana e poligamia

Embora cerca de 80% da população se autodeclare cristã, de acordo com o censo do país de 2009, a segunda maior religião do país, o Islã, seguida por cerca de 11% da população, tem grande influência na sociedade, afirmou a historiadora. Além disso, pessoas do sexo masculino podem ter até seis esposas, se a primeira esposa autorizar.

"É uma adaptação da influência muçulmana com a tradição do país, que também tem a poligamia em algumas tribos. […] é um encontro dessas influências […], uma sociedade conservadora. Mas um povo muito acolhedor, muito animado. Musicalmente, muito disposto a celebrar", concluiu.

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