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Análise: gastos com benefícios deixam pouca margem para projetos e bloqueios no orçamento da Defesa

© Valter Campanato / Agência BrasilSoldados do Exército Brasileiro
Soldados do Exército Brasileiro - Sputnik Brasil, 1920, 12.06.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a maior parte do orçamento da Defesa é composta por benefícios salariais e pensões, o que deixa uma margem limitada para projetos, que, quando contingenciada, afeta a capacidade operacional das Forças Armadas.
O governo federal anunciou um bloqueio de R$ 31,1 bilhões no Orçamento, no intuito de frear o aumento das despesas do governo. A medida afetou 30 dos 31 ministérios, poupando a pasta da Educação.
A pasta da Defesa recebeu um contingenciamento no orçamento de R$ 2,6 bilhões, o segundo maior, atrás apenas do Ministério das Cidades, com R$ 4,3 bilhões. Fontes das Forças Armadas criticaram a medida, afirmando que a contenção de despesas coloca o setor no "modo de sobrevivência". Ademais, o bloqueio no orçamento vem em um momento que países ao redor do mundo operam de maneira oposta, elevando os gastos com defesa diante do cenário global de conflitos.
À Sputnik Brasil, Guilherme Frizzera, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador de relações internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter, critica o corte orçamentário, afirmando que a segurança nacional é um "processo contínuo de construção e manutenção de capacidades, e não um estado pontual de prontidão". Dessa forma, avalia o analista, ao reduzir drasticamente os recursos disponíveis, o país compromete não apenas o funcionamento cotidiano das Forças Armadas, mas também a sua capacidade de adaptação tecnológica, resposta rápida e modernização de meios.
"O impacto, portanto, vai além da logística imediata. Ele se projeta no futuro, na defasagem que se acumula silenciosamente e no descompasso com a evolução das ameaças contemporâneas, que são cada vez mais difusas e transversais. A lógica da defesa não se sustenta apenas em momentos de crise, mas na rotina de vigilância e preparação", afirma.
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Frizzera considera que cortes substanciais e recorrentes podem empurrar a instituição para um modelo de "manutenção mínima", em que apenas o essencial é preservado e o restante se torna inviável, como projetos estratégicos, simulações de conflito, intercâmbios internacionais e atualizações tecnológicas.
"Isso cria um efeito de desmonte progressivo que, embora discreto, impacta diretamente na soberania, na capacidade de dissuasão e no papel do Brasil no cenário regional. O 'modo de sobrevivência', nesse sentido, é menos um colapso imediato e mais uma forma de estagnação prolongada."
Para Frizerra, a decisão do governo de contingenciar fortemente o orçamento da Defesa "revela uma racionalidade fiscal, mas também um cálculo político".
"Em termos orçamentários, trata-se de uma pasta com um volume elevado de recursos, onde uma parcela significativa está comprometida com despesas obrigatórias, como pessoal e aposentadorias. Isso reduz a margem de manobra do governo em outras áreas mais rígidas legalmente. Do ponto de vista político, a Defesa não é tradicionalmente um setor que mobilize pressão social direta. Não há greves ou protestos massivos por corte em munições, por exemplo, como há por falta de medicamentos ou escolas", explica.
Entretanto, ele aponta que o fato de a Defesa ser tratada como uma pasta passível de contingência "revela uma visão limitada sobre sua função no Estado".
"A estabilidade política e a integridade territorial não são asseguradas apenas por diplomacia e instituições civis, mas também por uma força dissuasiva que precisa estar atualizada, presente e funcional. A escolha do contingenciamento, nesse caso, diz menos sobre a ineficiência da pasta e mais sobre a dificuldade em comunicar sua importância estratégica em tempos de paz."
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O especialista avalia que o crescimento dos benefícios salariais e previdenciários na Defesa durante gestões anteriores gerou uma distorção na percepção externa sobre os reais gargalos orçamentários da pasta.
"Quando essa fração é contingenciada, afeta-se diretamente a capacidade operacional das Forças Armadas. O paradoxo é que a área continua com números grandes no orçamento total, mas vê sua função estratégica esvaziada pelo congelamento das verbas que permitem sua atuação além do papel administrativo. Essa lógica contábil invisibiliza o que está em jogo: não se trata de cortar excessos ou aparar luxos, mas de bloquear justamente a parte mais dinâmica do sistema de defesa."
Para Frizzera, o contingenciamento não deve afetar a relação do governo Lula com militares. Ele aponta que nas gestões anteriores do presidente a Defesa foi integrada a um projeto mais amplo de Estado, com investimentos relevantes e continuidade institucional, e cita como exemplo iniciativas como o submarino de propulsão nuclear, o cargueiro KC-390 e os caças Gripen.
"Na mesma direção, o Ministério da Defesa foi mobilizado como ator político da integração regional. A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul, contou com protagonismo brasileiro. A proposta era estabelecer um espaço de coordenação entre os países da região, reduzindo assimetrias e promovendo confiança mútua. Esse papel político e diplomático atribuído à Defesa ampliou seu escopo de atuação e reforçou sua centralidade nas estratégias de inserção internacional do Brasil."
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Ele afirma que "a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023, com participação de setores das Forças Armadas, introduziu uma tensão evidente", mas que o governo "optou por preservar os canais institucionais".
"Os militares investigados foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, retirando do Executivo o papel direto na aplicação de sanções e reforçando a separação entre instâncias políticas e jurídicas. As nomeações feitas para os comandos das três forças seguiram esse mesmo princípio. Foram escolhidos oficiais de perfil legalista, comprometidos com a autoridade civil representada pela Presidência da República e com os limites definidos pela Constituição."
Segundo Frizzera, esse critério de escolha "ajudou a isolar os setores envolvidos com a ruptura institucional, permitindo retomar a rotina administrativa e disciplinar das forças."
Adriana Marques, professora do curso de defesa e gestão estratégica internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenadora do Observatório do Ministério da Defesa (OMD) e do Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa (LESD), considera "curiosa" a afirmação de que o contingenciamento colocou as Forças Armadas em "modo de sobrevivência".
Ela enfatiza que "o orçamento de defesa no Brasil é composto majoritariamente, quase 80%, pelo pagamento de pessoal, com salários e pensões", além de gratificações a oficiais, benefícios que não serão atingidos pelo contingenciamento.

"Então esse contingenciamento pode atingir projetos, mas não vai atingir o essencial que deveria ser remodelado no orçamento de defesa, que é a proporção do orçamento que é gasta com salários e pensões", explica.

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A especialista avalia que a Defesa foi listada entre os maiores bloqueios orçamentários em decorrência de uma escolha que teve entre os critérios contingenciar projetos que ainda não estão em andamento. Ela aponta que "isso significa que o Ministério da Defesa deve ter muitos projetos e que esses projetos ainda não estão em andamento, ainda não tiveram início".

"Então isso também acende ali uma luz amarela: quer dizer, o ministério não está tendo capacidade de executar esses projetos, o que está acontecendo? Acho que isso é uma questão a ser investigada."

Para Marques, antes de discutir se o Brasil está indo na contramão da tendência global de aumento de gastos com defesa, é necessário fazer "uma reflexão muito grande sobre a composição do orçamento" da pasta.
"O mundo está investindo em defesa, mas o investimento que está sendo feito pelos outros países é em equipamentos, pesquisa e desenvolvimento, ciência e tecnologia. São investimentos nesse sentido, indústria de defesa. Com a composição do orçamento que a gente tem, é muito difícil justificar", afirma Marques.
Ela acrescenta que a primeira medida a ser tomada seria "equilibrar as contas da Defesa, gastando menos com pensão e outras benesses" que ela afirma que são passíveis de serem discutidas.

"E depois desse redesenho, aí sim pensar em investimento no setor de defesa no que diz respeito a equipamentos, projetos de desenvolvimento de novas tecnologias. Isso é fundamental e é isso que o mundo está fazendo. Mas simplesmente aumentar o orçamento da Defesa no Brasil, sem mudar a sua composição, não vai nos tornar um país mais seguro", conclui a especialista.

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