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Made in China: qual o papel de Pequim no desenvolvimento da industrialização de nações africanas?

© AP Photo / STRCarros são colocados em linha de produção dentro da fábrica da Renault nos arredores de Tânger. Marrocos, 29 de abril de 2024
Carros são colocados em linha de produção dentro da fábrica da Renault nos arredores de Tânger. Marrocos, 29 de abril de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 13.06.2025
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Difícil acompanhar o número de iniciativas, projetos, tratados e parcerias que a China tem realizado com praticamente todos os países do continente africano. De fábricas, ferrovias, zonas econômicas a parques industriais, Pequim têm investido de maneira consistente, sobretudo nas áreas de infraestrutura e industrial.
Para abordar esse assunto, o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, entrevistou nesta sexta-feira (13) o professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Rafael Abrão e o internacionalista e escritor angolano Paulo Gamba.
Abrão ressaltou que, embora todos os países em desenvolvimento enfrentem o desafio de desenvolver suas indústrias, as nações africanas ainda têm o agravante de terem conquistado a independência das antigas metrópoles somente no final do século XX.

"É um processo ainda muito recente e […] não vem somente do setor privado. Também o Estado tem um papel muito importante como indutor do processo de industrialização", comentou.

Logo, não foi possível consolidar, na maioria desses países, um Estado indutor do desenvolvimento, pontuou o professor.

"Eles [países africanos] também não tiveram essa fase que a América Latina viveu, entre a década de 1930 e a década de 1970, de políticas desenvolvimentistas do Estado, sendo esse o promotor do desenvolvimento."

Gamba também citou o processo colonial como principal fator para a dependência da exportação e das matérias-primas no continente.

"Quer a colonização, quer a escravatura, são dois processos que impediram o desenvolvimento da África", avaliou o internacionalista angolano. "A África se tornou muito mais atrasada por causa desses dois processos, que foram cerca de cinco séculos de colonização, incluindo a escravatura."

Ele defendeu ainda que essa exploração permanece em algum nível, sobretudo pelo fato de esses países não terem conseguido se industrializar de maneira eficiente para atender aos interesses das grandes potências mundiais.

"O melhor cacau vem da Suíça, mas não existe um pé de cacau na Suíça […]. 70% da energia na França, por exemplo, é produzida através de centrais nucleares, tendo como matéria-prima fundamental o urânio, e não existe sequer um jazigo de urânio em solo francês."

A instabilidade política e os conflitos internos e regionais são também resquícios desse processo e entraves para o desenvolvimento da indústria, bem como a divisão do trabalho do setor, que opera, em muitos casos, de forma segmentada e isolada.

"Há pouca conexão entre esses setores, o que vai efetivamente impedir o crescimento industrial." "Hoje, a dificuldade também é a de encontrar uma coesão interna, de pensar o desenvolvimento, já que as marcas da colonização foram deixadas e são marcas que hoje se tornaram permanentes. A gente não tem como apagar esse período."

Outro agravante no caso africano para a industrialização precária, na opinião de Abrão, é o alto endividamento de muitos desses países com organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, devido à onda neoliberal que tomou o mundo a partir da década de 1980 e provocou um movimento de desindustrialização em vários países.
"Os países africanos conseguem essa independência justamente nesse processo de deslocamento do setor industrial que vai colocar a Ásia como centro dinâmico da economia", explicou o professor de relações internacionais.
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E a China?

A concorrência com produtos chineses muito mais baratos intensificou esse processo de desindustrialização, lembrou Abrão. Ponderando que pese a concorrência desses manufaturados, os investimentos chineses têm conseguido fazer grandes obras estruturantes e de longo prazo para muitas dessas nações.
Entretanto, alertou, como todo negócio, os chineses visam retorno econômico na lógica do lucro, e é fundamental que os governos africanos definam quais setores são prioritários e estratégicos ao recepcionar esses investimentos.
Moeda de troca valiosa, o mercado consumidor africano também atraiu o interesse da China e é um indutor das indústrias nacionais.
Ambos os entrevistados apontaram a importância da China para o recente desenvolvimento de uma série de países africanos, a partir da lógica do "ganha-ganha". Entretanto, opinaram, a parceria chinesa pode ser o pontapé inicial, mas as possibilidades de crescimento e desenvolvimento dessas nações passam necessariamente por trocas regionais.

Integração regional

Para além da China, o professor da PUC-SP ressaltou a importância de iniciativas a partir da União Africana e da criação de uma área de livre comércio no continente.

"Para o desenvolvimento de empresas que tenham acesso facilitado a esse mercado, isso acaba criando um ciclo virtuoso no continente. Os países do continente têm outros recursos, minérios muito valiosos […], recursos estratégicos que também podem possibilitar que esse setor extrativista, ou mesmo, o setor agrícola que também é muito importante nesses países acabe auxiliando o desenvolvimento industrial."

Gamba também defendeu a integração regional e acrescentou a cooperação Sul-Sul como alternativa promissora no cenário atual para o desenvolvimento não apenas da indústria, como também do comércio e da economia, pois vislumbra transferência tecnológica e de conhecimento.
Com a vantagem de ter vastos recursos naturais, os países africanos, na opinião do analista internacional, deveriam transformá-los localmente por meio de transferência tecnológica ao nível do Sul Global:

"Os países do Sul Global que precisassem de matérias-primas em África teriam que transformá-las cá, no sentido de não só produzir quadros qualificados, mas também trazer mais vantagens, de forma a poder exportá-los com alguma justiça", opinou.

Para isso, defendeu, políticas públicas são necessárias:

"Por exemplo, ao nível do governo angolano, que fez vários anúncios relacionados com a construção de refinarias, por exemplo, a refinaria do Lobito, a refinaria no Zaire, a refinaria em Cabinda, que, a se cumprir dentro dos prazos apresentados pelo governo, poderão constituir uma mais-valia na transformação da matéria-prima e, quando houver algum superávit, algum incidente, poder exportar esse material que é tão precioso para os países vizinhos e que ajudaria muito para a economia da Angola."

Parte desse processo, segundo o especialista angolano, envolve o desenvolvimento de estratégias para valorizar os produtos locais entre os africanos, que, segundo ele, são subvalorizados em detrimento de produtos estrangeiros e mais um resquício da colonização, que envolve o etnocídio:

"O etnocídio é exatamente isto: é a matança da cultura, ou seja, a autonegação […] Nós carregamos traumas de gerações que foram ensinadas a odiar o que é teu. Isso verifica-se no africano comum, a forma como fala, a forma como se veste, a forma como se alimenta. Felizmente, isso já está a mudar, o quadro está a mudar, porque vão existindo alguns Estados que estão a reafricanizar o africano", concluiu.

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