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Crise Camboja × Tailândia: fruto do colonialismo francês e reflexo da 'disrupção da ordem internacional'

© AP Photo / Wason WanichakornSoldado tailandês faz saudação em caminhão durante confrontos entre soldados tailandeses e cambojanos na província de Surin. Tailândia, 29 de abril de 2011
Soldado tailandês faz saudação em caminhão durante confrontos entre soldados tailandeses e cambojanos na província de Surin. Tailândia, 29 de abril de 2011 - Sputnik Brasil, 1920, 25.07.2025
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A relação entre Tailândia e Camboja vem se deteriorando desde maio, desde um confronto entre militares dos dois países em uma área de disputa na fronteira, que resultou na morte de um cambojano.
Em entrevista ao podcast Mundioka, especialistas afirmam que a crise fronteiriça entre os países tem como raiz o Tratado Franco-Siamês, assinado pela Tailândia durante a colonização francesa.
O episódio relembra antigos ressentimentos e desentendimentos com relação à demarcação da fronteira, que se encontra com o Laos, motivo de impasse desde 1907, durante o período colonial francês.
Valter Peixoto, fundador e apresentador do podcast MenteMundo, afirma que durante o período colonial, quando a Tailândia ainda era o antigo Reino do Sião, a França ocupou a região da Indochina, onde hoje é o Vietnã, e posteriormente os territórios do Laos e do Camboja, que na época também eram parte do Reino do Sião.

"A Tailândia antiga era onde a Tailândia é hoje mais Laos e Camboja. Mas ali eram reinos antigos também, que tinham uma história, um passado. Então a França acabou cooptando príncipes, reis locais, e pegou para ela um pedaço do território. [Foi] A condição para a Tailândia permanecer não sendo colonizada — é o único país do Sudeste Asiático que não foi colonizado, custou bons territórios para ela permanecer assim", explica.

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A partir da década de 1970, quando esses países adquiriram maior autonomia, a Tailândia reivindicou essa área da fronteira, mas em fóruns, não de maneira bélica. Bangkok sustentava que não reconhecia como válidos os limites do Tratado Franco-Siamês, afirmando que assinou o documento em 1907 por não ter opção.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Nicolini frisa que a rivalidade histórica entre os dois países do Sudeste Asiático, resquício do colonialismo francês, que vigorou até meados da Guerra Fria, já ocasionou tensões similares nos últimos 20 anos.

"[…] Assim como Índia e Paquistão, […] [ou] as questões do mar [do Sul] da China, todas as questões alguma hora esbarram no processo colonizador que aquela região sofreu", comenta ele. "A tensão desses dois países é contínua, já envolvendo até a Corte Internacional de Justiça, que deu ganho de causa ao Camboja […]. Mas […] questões nacionalistas nunca são bem aceitas por Bangkok. Então o governo tailandês sempre reivindica aquele território."

Em 1962, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) deu ganho de causa ao Camboja na questão fronteiriça, tendo como base o Tratado Franco-Siamês. Mas a decisão não arrefeceu os ânimos.
Peixoto lembra que em 2008 o Camboja propôs à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês) tomar templos que havia nessa região, reacendendo as tensões.

"Em 2008, eles [a Tailândia] viram que a UNESCO, ao reconhecer [a área como parte do Camboja], eles não teriam muito o que fazer. Então a fronteira ali foi militar: aumentaram postos militares, colocaram tanques… Enfim, fizeram uma movimentação, e acabou se criando uma escaramuça. Eles trocaram tiros, trocaram acusações, soldados chegaram a morrer…"

Peixoto afirma que, diferentemente de outros conflitos envolvendo disputas territoriais em áreas que têm reservas de petróleo ou terras raras, o confronto entre Tailândia e Camboja é referente ao nacionalismo.

"O Camboja, eles se consideram os Khmers, que tiveram um império muito poderoso no século XV, antes do Sião ser poderoso, que é a Tailândia. Tanto que o Sião ajuda a derrubar os Khmers e pega parte do território. Foi quando os europeus chegaram. Então é uma coisa meio de nacionalismo, de identidade, principalmente para o povo cambojano, e isso ativa os lados nacionalistas de parte a parte."

Nesta foto divulgada pelo Exército Real Tailandês, o chefe do Exército Cambojano Mao Sophan (E), se encontra com o chefe do Exército da Tailândia, general Pana Claewplodtook (D), em um posto de controle de fronteira na província de Surin, Tailândia, 29 de maio de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 04.06.2025
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De acordo com o professor da UFMG, a Tailândia, ciente de que o ganho de causa na CIJ desde 1962 é do Camboja, tenta ganhar uma disputa geopolítica militar, já que é mais bem equipada militarmente e economicamente muito maior que o Camboja.

"Via de regra diplomática, se forem valer as regras multilaterais, a Tailândia tem que sair da região e desmilitarizar o campo, por conta das decisões internacionais, que já foram, enfim, referendadas […]."

Para Peixoto, um motivo que pode levar a situação a escalar tão rapidamente neste ano é o fato de que os dois países atravessam crises políticas e econômicas, e um conflito externo pode ser usado pelos governos locais para "conseguir se legitimar através do inimigo comum".
A Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, na sigla em inglês) seria o lugar certo para tratar da situação. Só que um dos pilares da ASEAN é o princípio da não intervenção, explica o especialista.

"Então acaba […] atuando de forma dúbia, porque são países que foram colonizados, explorados, atacados. Então quem pensar na ASEAN como uma União Europeia, pode esquecer."

A opinião é compartilhada pelo acadêmico da UFMG, que também afirma não haver atualmente uma integração regional supranacional por meios políticos com capacidade de resolução de conflitos diplomáticos na região.
"A fragilidade da ASEAN mostra que é completamente ineficiente para o que vai acontecer nos próximos anos, que são as disputas geopolíticas cada vez mais migrando para a Ásia."
A atual escalada, pontua Nicolini, pode sinalizar um reflexo da "disrupção da ordem internacional" liberal dos EUA.

"As instituições internacionais da região da ASEAN e mesmo as resoluções da ONU não são capazes de fazer frente a esse novo avanço dos nacionalismos […]. Do ponto de vista da economia política e da geopolítica, os focos de tensão crescem novamente por conta do nacionalismo."

Nicolini avalia, no entanto, que, pela dimensão pontual da disputa territorial, a tendência é que o conflito não ganhe maior escala na região. "Até porque, se chegar a esse ponto, com certeza a vizinha China vai se mobilizar […], e a própria Malásia, porque seria um contexto prejudicial à economia dessas duas potências regionais mais fortes."

"Imaginar que isso gere um conflito de maior escala entre os países do Sudeste Asiático, eu acho muito pouco provável. […] a tendência é que fique agora nessa disputa de ver qual dos dois consegue construir uma narrativa de vitória", opina ele.

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