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Análise: nova premiê deve favorecer militarização do Japão e endurecer política migratória

© AP Photo / POOL/Kim Kyung-HoonA ex-ministra da Segurança Econômica do Japão Sanae Takaichi discursa durante a eleição para a liderança do Partido Liberal Democrata (PLD), em Tóquio, Japão, em 4 de outubro de 2025
A ex-ministra da Segurança Econômica do Japão Sanae Takaichi discursa durante a eleição para a liderança do Partido Liberal Democrata (PLD), em Tóquio, Japão, em 4 de outubro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 29.10.2025
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Ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, analistas apontam que Sanae Takaichi chegou ao posto de primeira-ministra com um discurso defensor de uma economia liberal e crítico a imigrantes, em um momento que o país vê sua população envelhecer e enfrenta um grave declínio populacional.
Recentemente, Sanae Takaichi, do Partido Liberal Democrata (PLD) do Japão, foi a primeira mulher a assumir o cargo de primeira-ministra do país.
O feito inédito, no entanto, é ofuscado pela incerteza em relação ao futuro da estabilidade política do país, envolto em uma crise interna, em parte pela dívida pública em torno de US$ 9 trilhões (cerca de R$ 48 trilhões) — a maior entre as principais economias globais, correspondente a mais que o dobro do PIB do país, que encerrou 2024 em US$ 4 trilhões (cerca de R$ 21 trilhões).
Entre os principais fatores que levaram ao endividamento estão os gastos públicos feitos durante a pandemia de COVID-19; o auxílio a agricultores em dificuldade; subsídios à população para enfrentar a inflação; e crescentes gastos com defesa sob o argumento de conter uma suposta agressividade da China.
Ademais, a fatia do sistema previdenciário no orçamento aumentou, pelo impulso do envelhecimento da população, em paralelo ao maior declínio populacional da história do país. Segundo dados oficiais do governo, em 2024 o Japão registrou 686.061 nascimentos, o menor número desde o início da série histórica, em 1899, contra 1,6 milhão de mortes no período.
Takaichi tem admiração declarada e gosta de se equiparar à ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, como aponta, em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Matheus Mapa, bacharel em relações internacionais, especialista em política e cultura japonesas e graduando em direito.
Ele explica que a política japonesa opera em uma lógica na qual os partidos têm facções internas, e Takaichi vem da mesma facção do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, assassinado em um ataque a tiros em 2022.

"Essa facção do Shinzo Abe tem um aspecto mais conservador nos costumes. O que significa isso? Significa uma resistência maior à entrada de imigrantes, significa uma favorabilidade, por exemplo, à militarização do país. Lembrando que o Japão, desde a Segunda Guerra Mundial, revogou seu direito de iniciar guerras contra qualquer país, então pode apenas se defender."

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Ele acrescenta que há um crescimento do ultraconservadorismo no Japão e que a expectativa é que a gestão de Takaichi amplie a resistência a reformas sociais e multiculturais e altere a atual política que concede a imigrantes o direito de permanecer no país por três meses sem a necessidade de visto.

"Muitos japoneses se incomodaram com isso, com esse influxo de imigrantes muito grande. E ela está lá falando: 'Olha, não vai ser desse jeito mais'. Com certeza diminui essa possibilidade de troca de culturas", afirma.

Ele afirma ainda que Takaichi, para ser eleita, fez uma aliança com o Partido da Inovação do Japão, que defende uma economia liberal, o livre mercado e o livre comércio.
"Mas ele tem um pezinho no conservadorismo na segurança, na questão da militarização. Então eles conseguiram fazer um meio-termo e se juntar ao governo, sob a condição de que o governo Takaichi adotasse também a sua agenda econômica."
Mapa ressalta que a militarização nunca deixou de ser uma pauta do Japão, porque a própria população tem dificuldade de aceitar a questão de o país ser pacífico.
"A gente vê, por exemplo, que setores internos de extrema-direita são muito fortes, de supremacia étnica, de negar crimes de guerra — inclusive a própria Takaichi. […] Tem um templo no Japão onde foram enterrados os criminosos de guerra, como Hideki Tojo, que foi condenado em Nuremberg, vários outros generais… E ela fazia visitas a esse local, prestava condolências."
A crise econômica que afeta o Japão hoje é a mesma que eclodiu no início da década de 1990, com o estouro da bolha especulativa financeira, conforme explica ao Mundioka João Chiarelli, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), coordenador da Oficina de China e Leste Asiático (OfChiLA), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e pesquisador associado ao Núcleo de Pesquisa e Relações Internacionais (Nupri), da Universidade de São Paulo (USP).

"O Japão ainda não conseguiu superar a crise do estouro da bolha; ela ainda perdura nestes últimos 20 anos."

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No entanto, ele afirma que a guerra tarifária iniciada pelo governo do presidente estadunidense, Donald Trump, agravou esse cenário. Com isso, o Japão, que, apesar da crise, conseguiu manter a estabilidade da economia, passou a lidar com um problema ao qual, segundo Chiarelli, os japoneses não estão acostumados: a inflação.
"O Japão passou os últimos 20 anos em uma situação de inflação muito próxima a zero, uma inflação muito baixa. Por um lado, é bom: nós, como trabalhadores, sentimos que somos os principais afetados com o aumento de qualquer inflação, porque corrói nosso poder de compra. Por outro lado, é ruim, pois ela não aumenta a valorização da economia."
Ele afirma que, durante as eleições, Takaichi e seus concorrentes buscaram trazer temas quentes para mobilizar um eleitorado apático, e o assunto mais em alta no momento eram as críticas aos imigrantes, que, segundo os conservadores, estariam roubando empregos e espalhando notícias falsas. Em um dos boatos, turistas chineses estavam chutando pessoas na cidade de Nara, sem que houvesse provas disso.
"A gente vive a pós-verdade. E isso levou a uma certa mobilização política do seu eleitorado, que acabou criando esse aspecto de galvanização do eleitorado japonês."
Sobre a militarização do Japão, Chiarelli avalia que a defesa dessa agenda é uma forma de reativar o complexo industrial-militar japonês, fazendo dele um setor de contratação de serviços para ampliar a ocupação formal do trabalhador no Estado.

"Eles precisam refazer essa narrativa para justificar o aumento de gastos no setor militar, que pode impulsionar a indústria pesada japonesa, ou direcionar capitais para o setor tecnológico, aumentar a contratação de trabalhadores e, com isso, dinamizar a economia japonesa", explica.

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