Chile: governo leva a melhor no 1º turno, mas oposição é favorita na disputa presidencial
20:30 17.11.2025 (atualizado: 07:14 18.11.2025)

© AP Photo / Natacha Pisarenko
Nos siga no
Especiais
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam perfil dos candidatos, destrincham cenários para a eleição no país sul-americano e comentam quais linhas Jeannette Jara e José Antonio Kast podem seguir, caso vençam.
Os cidadãos do Chile foram às urnas no último domingo (16) para as eleições legislativas do país, que terminaram sem um presidente eleito, mas com uma disputa de segundo turno definida. Avançam na disputa pelo principal cargo executivo do país a ex-ministra do Trabalho Jeannette Jara e o opositor de direita José Antonio Kast, com 26,9% e 23,9%, respectivamente.
Em terceiro lugar fico Franco Parisi, do Partido da Gente, com cerca de 19,7% dos votos, seguido por Johannes Kaiser, do Partido Nacional Libertário, com 13,9%, Evelyn Matthei, da coalizão Chile Grande e Unido, com 12,4%, e os independentes Harold Mayne-Nichols (1,26%), Marco Enríquez-Ominami (1,2%) e Eduardo Artés (0,66%).
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicaram que a vitória no primeiro turno de uma aliada do atual presidente do Chile, Gabriel Boric, está longe de garantir a continuidade da esquerda no poder. Para os analistas, a expressiva votação da direita no pleito deixa Kast como favorito para o segundo turno, a ser realizado em 14 de dezembro.
O analista internacional e jornalista Vitor Farinelli, do Opera Mundi, viveu por 20 anos no Chile e conta sobre uma mudança da direita no país, embasado pelo resultado das últimas eleições. Para ele, a "direita tradicional sucumbiu completamente ao que é a extrema-direita".
"Nós tivemos três candidatos de extrema-direita em 2025, não só um como foi há quatro anos, o que reforça essa ideia de que a direita tradicional está perdendo lugar para a extrema-direita."
Assim como em 2021, Kast vai ao segundo turno com três pontos percentuais atrás do candidato que venceu o primeiro turno. A diferença, segundo Farinelli, é o número de eleitores que o campo político do fundador do Partido Republicano ganhou na última década.
"Existe essa polarização no Chile, só que com uma extrema-direita mais forte, não só pelo candidato que foi a segundo turno, mas por outras candidaturas também de extrema-direita que participaram do processo e que vão, provavelmente, apoiar Kast no segundo turno."
A cientista política Victoria Paz Cayres Osses, chilena com raízes brasileiras, acredita que as eleições deste ano são únicas pela obrigatoriedade do voto, assim como acontece no Brasil. A especialista destaca que em outras oportunidades, como em 2021, havia uma mobilização direcionada apenas no segundo turno, o que não acontecerá este ano.
"O que aconteceu com as eleições de Gabriel Boric foi que as mulheres, principalmente, se organizaram muito para que ele fosse eleito. Porque, naquele momento, o Kast estava propondo eliminar muitos do que eram os direitos das mulheres. Principalmente, o Ministério da Mulher, que existe até o dia de hoje."
Para Osses, os chilenos não votaram neste primeiro turno pelo histórico dos candidatos, mas, sim, pelos discursos que eles estão conduzindo ao longo da campanha. Um fantasma conhecido dos brasileiros, porém, pode atrapalhar Jara: o comunismo.
"Kast está falando assim: sou extremo e estou aqui para fazer coisas extremas porque nenhum governo conseguiu fazer o que a gente vai fazer. Ele tem falado isso muito explicitamente. Já Jara, ontem mesmo, falou que vai recolher pontos do programa de Parisi, Artés, Ominami e Matthei. Ela está tentando se mostrar como uma pessoa, obviamente, que não é do Partido Comunista."
Economia e segurança são assuntos centrais
Poderia ser o Brasil ou a Argentina, mas as principais pautas nas eleições chilenas são economia e segurança. Ambos os candidatos abordaram propostas com estes temas, algo recorrente em eleições presidenciais na América Latina.
Farinelli explica que o Chile é marcado por uma desigualdade social grande, além de problemas previdenciários, já que não há uma empresa pública para gerir aposentadorias, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no Brasil.
"Uma das propostas da Jara é de criar uma empresa pública, não tirar o sistema previdenciário da mão das empresas, mas criar uma empresa pública que funcione como um competidor dentro desse mercado de previdência privada que existe no Chile."
Uma pauta comumente europeia e estadunidense, mas que agora está presente nos debates chilenos, é a imigração. Os candidatos de direita atrelam a colombianos, haitianos e venezuelanos a violência no país, em especial no norte, um reduto da esquerda mineradora que, aos poucos, vê o crescimento da direita.
"A plataforma do Kast é muito baseada na questão da segurança. Um problema que está bem latente no debate eleitoral deste ano é a questão da migração. Juntando um pouco as duas coisas, o Kast diz que a questão da segurança piorou no Chile por causa da imigração, sobretudo de colombianos e venezuelanos."
Osses conta que a economia chilena cresceu durante o governo de Boric, com indicadores como o PIB apresentando aumento, enquanto a inflação permaneceu controlada. Entretanto, esse avanço econômico não foi palpável para a população.
"O Chile cresceu com uma potência macroeconômica, mas, aqui, para dentro do país, a visão da população é de desemprego, aumento de preços, uma insegurança e um estresse muito severo. Então, o que as pessoas estão vendo é que a criação de empregos formais não está acompanhando a demanda."
Qual o futuro do Chile?
Com candidatos representando espectros políticos opostos, o destino do Chile pode ser profundamente alterado a depender do resultado eleitoral em dezembro. A vitória de Jara, por exemplo, representaria uma continuidade parcial do governo Boric, enquanto Kast é a imagem de uma ruptura total.
Para os especialistas, é muito improvável que Jara vença, dada a força que a extrema-direita, em suas palavras, teve no primeiro turno. A chance da candidata do Partido Comunista de faturar a disputa é absorver os votos dos eleitores que votaram em Parisi, de perfil liberal, mas que apoia a reforma tributária para a taxação dos mais ricos.
Ainda que triunfe, Farinelli conta que a ex-ministra de Boric teria como desafio o Congresso, uma vez que a direita teve ampla vantagem também nas eleições legislativas. Já Kast contaria com uma bancada capaz de aprovar grandes reformas, incluindo a convocação de uma assembleia constituinte.
"Se a Jara ganhar, ela vai ter um governo muito difícil porque o Congresso estará contra ela. Por outro lado, se o Kast ganhar, ele vai ter um Congresso a favor, inclusive, talvez, podendo fazer grandes reformas. Nesse sentido, acho que a gente poderia dizer que talvez o Kast possa convocar uma assembleia constituinte."
Osses, por sua vez, ressalta que Jara poderá enfrentar dificuldades no Congresso chileno, mas que isto não será um impeditivo para a eventual presidente trabalhar.
"Acho que Jara realmente pode se preocupar muito mais em relação a direitos, melhorar os serviços sociais que existem atualmente, mas em relação à migração, segurança e tudo mais, acho que ela não vai dar tanta conta."
Sobre política externa, o jornalista brasileiro é categórico ao afirmar que acredita que Kast será hostil ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, mas não mais que o líder argentino Javier Milei. O fundador do Partido Republicano chileno, inclusive, tem forte ligação com a família Bolsonaro.
"Em 2021, quando ele chegou ao segundo turno, a família Bolsonaro apoiou abertamente a candidatura dele, inclusive o Eduardo foi a Santiago, e participou de eventos de campanha."
Já cientista política chilena não vê Kast focando nos assuntos externos. A especialista acredita que o candidato de direita focará em problemas internos nos primeiros anos de mandato para, na fase final, atender pautas aderentes a sua base eleitoral.
"Os primeiros anos do Kast, caso ele assuma, realmente vai ser em se centrar em coisas que estão impactando diretamente na vida das pessoas aqui do Chile, como segurança, fortalecer a polícia. E, posteriormente, acho que durante metade do terceiro ano, no último ano dele, Kast realmente vai aproveitar muito para poder colocar na agenda pública tudo relacionado à ideologia de direita, basicamente."
Comunista ou liberal, quem vencer a corrida presidencial do Chile, ainda assim, deve respeitar as fortes relações comerciais do país com a China, que representa 40% das exportações chilenas, sobretudo de cobre.
"Kast tende a ser um presidente muito mais alinhado aos Estados Unidos em uma questão ideológica, talvez ele queira, inclusive, ser tão alinhado aos Estados Unidos quanto o Javier Millei, por exemplo. Só que aí existe um problema, [...] o cobre continua sendo o principal produto de exportação do Chile e quem compra esse cobre é a China, muito mais que os Estados Unidos", diz Farinelli.
"Kast não vai se afastar da China. Ele não tem comentado muito em relação a isso porque realmente está se centrando tanto nos problemas internos aqui do Chile, que as relações internacionais que o Chile tem [com a China], que são realmente muito fortes e que este governo em particular tem fortalecido mais ainda, não vão ser prejudicadas", conclui Osses.




