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Soberania de dados: governo e burguesia não arriscam ruptura com big techs, diz analista

© AP Photo / Misper ApawuO presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa no G20, em Joanesburgo, na África do Sul, em novembro de 2025
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, durante coletiva de imprensa no G20, em Joanesburgo, na África do Sul, em novembro de 2025 - Sputnik Brasil, 1920, 25.11.2025
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Em entrevista à Sputnik Brasil, o pesquisador Caio Almendra explica que dados e informação formam a base da globalização e, até hoje, são centrais na disputa tecnológica. Para o especialista, o Pix é um exemplo da capacidade brasileira de construir recursos nacionais capazes de incomodar o imperialismo.
Uma falha técnica nos serviços da Cloudflare, na última terça-feira (18), tirou do ar ou dificultou o acesso a centenas de sites em todo o mundo, incluindo portais brasileiros, como o gov.br e a página das Forças Armadas.
Poucas horas após o início do incidente técnico, a empresa norte-americana de serviços digitais anunciou que as operações haviam sido restabelecidas, embora alguns usuários ainda pudessem encontrar instabilidades.
O caso da Cloudflare sucedeu a instabilidade da Amazon Web Services (AWS), na semana anterior, além do caso Microsoft, em julho de 2024, que proporcionou um apagão global do sistema operacional Windows. Esses problemas levantam um questionamento: é seguro para o Brasil hospedar e depender de serviços estrangeiros na área digital?
Em entrevista à Sputnik Brasil, Caio Almendra, cofundador do Instituto Brasileiro de Ciência de Dados (Bi0s), sócio na rede de inovação Templo.cc e pesquisador associado do Instituto Alameda, afirmou que não há um interesse do governo federal ou da burguesia brasileira de romper com o status quo das big techs, que controlam o mercado mundial no segmento da tecnologia.
Almendra explica que países como a China, que se preocuparam em entender como os dados da população eram usados por empresas estrangeiras, se depararam com uma série de impedimentos de Washington para a operação das companhias de tecnologia norte-americanas nessas respectivas nações. Dessa forma, sem acesso a redes sociais e outros serviços ocidentais, Pequim desenvolveu o próprio ecossistema.

"A gente não está no estado de exercer tal grau de conflito [como a China]. Não há interesse do governo nacional, mesmo um de esquerda, como o do Lula. Não há interesse da burguesia nacional, porque as pessoas têm muito medo de chegar no mesmo cenário, perder acesso a essas ferramentas e ter que construir as próprias."

O especialista destaca que até hoje não há um método eficaz para substituir serviços das big techs a não ser diante de uma ruptura completa. Para ele, a competição de um serviço novo, seja estatal ou não, com uma ferramenta já consolidada envolve uma desvantagem concorrencial.

"A questão que eu acho complicada é: se você não rompe, você concorre com uma perna a menos, com uma desvantagem muito significativa, porque as ferramentas de lá já estão estabelecidas, são grandes marcas, têm bilhões, são ferramentas mais sólidas de utilização. Então o único método que se conheceu até hoje de construção das big techs próprias, da infraestrutura própria, dessa parte final da infraestrutura, […] envolve a ruptura, e o Brasil não quer romper."

O pesquisador destaca que falhas como a da Cloudflare, que impactaram o usuário final, não costumam interferir na operação dos funcionários públicos, que utilizam intranets para trabalhar. Ainda assim, utilizar serviços estrangeiros não é o melhor dos cenários quando o assunto é soberania.
Almendra ressalta que acumular dados, ou seja, transformar informações em um material fácil de trabalhar, é o principal ativo das big techs. Quem detém esse acervo controla a cadeia.

"Esse volume de dados é muito importante quando você quer controlar uma cadeia produtiva e, consequentemente, geoeconômica […], com impactos geopolíticos muito grandes. Essa é a chave de entendimento que eu acho relevante para a gente entender a ideia de soberania digital."

Para o especialista, virar as costas para as empresas de tecnologia dos Estados Unidos pode facilmente causar um problema diplomático, uma vez que Washington trata "de uma forma muito belicosa qualquer iniciativa de soberania digital". Na visão de Almendra, "há uma promiscuidade muito grande entre as big techs e o aparato de inteligência" norte-americano.

"Há uma diferença muito pequena, há uma fronteira muito tênue, entre espionagem industrial, ou seja, espionagem entre duas empresas, e espionagem estatal, internacional, ou seja, entre dois Estados. […] Muita gente saiu do mercado da Google e foi parar na Agência de Segurança Nacional [NSA, na sigla em inglês]; muita gente sai da NSA e vai parar na Google, ou Apple, ou Microsoft, e agora OpenAI, Palantir, e por aí vai."

Pix é exemplo da capacidade brasileira

Almendra destaca um conceito chamado tech new deal, que se trata de um conjunto de ações social-liberal-desenvolvimentistas de investimento massivo em construção de infraestrutura digital para romper com o monopólio das big techs. E não é preciso olhar para longe para buscar uma ferramenta que abraça esse conceito.
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O Pix, por exemplo, é um sistema 100% seguro, público e que fomentou transações digitais no país, enquanto diminuiu a participação comercial de empresas estrangeiras na área de pagamentos, como Mastercard e Visa — o sucesso motivou até investigações de órgãos norte-americanos sobre um suposto benefício do governo brasileiro à obra do Banco Central.

"O fato de a gente não gastar mais um percentual pequeno para outros meios de pagamento e ser todo um sistema intrabanco e bancado pelo Banco Central, com um custo de manutenção ridículo, na casa de poucas dezenas de milhões de reais por ano, que não custa nada e que movimenta a economia brasileira, é um exemplo muito vitorioso de infraestrutura digital."

O especialista confessa que investir em infraestrutura de dados não é "precisamente barato", mas também não é tão caro quanto se imagina e ainda pode apresentar um retorno considerável, tanto econômico como geopolítico, desencadeando uma série de benefícios para o Brasil.

"Se você começa a exportar [o Pix] e aplicar em outros países com white label — ou seja, a tecnologia Pix sem dizer que é Pix, sem dizer que é do Brasil, mas é a mesma tecnologia, a mesma forma de funcionar —, você consegue substituir o sistema SWIFT. […] E isso é um dano ao império, porque o sistema SWIFT e o sistema dólar são as gêneses da parte geoeconômica do império americano."

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