Análise: nova Política Nacional de Defesa do Brasil ambiciona espaço e autonomia internacional
17:01 10.12.2025 (atualizado: 18:21 10.12.2025)

© flickr.com / Edvaldo da Silva / CCOMSEx
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À Sputnik Brasil, especialistas analisam a ascensão da multipolaridade apontada na nova Política Nacional de Defesa do Brasil, que põe grupos como o BRICS no centro, e frisam que o acirramento das disputas por recursos previsto no documento não é novidade, pois há mais de 500 anos os países do Sul Global são alvo de cobiça.
A nova Política Nacional de Defesa (PND) aprovada em novembro pelo governo brasileiro, por meio do Decreto nº 12.725/2025, que aprova a PND, a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), chama atenção para a decadência do mundo unipolar suplantado pela era da multipolaridade.
O texto afirma que a geopolítica mundial deu lugar à formação de novos centros de dinamismo econômico, político e militar, tornando o cenário atual menos previsível do que no período bipolar e unipolar, com o agravante da existência de tensões estratégicas entre as grandes potências.
O decreto destaca que "a formação de grupos como o Grupo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — BRICS — amplia as oportunidades de cooperação internacional em benefício do Brasil".
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas explicam se a nova PND pode significar o fim do alinhamento do Brasil com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Sandro Teixeira, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), avalia ser equivocado apontar que havia um alinhamento entre o Brasil e países da OTAN.
"Não seria correto afirmar que havia um alinhamento nosso com a OTAN uma vez que sempre houve a busca pelo conhecimento e capacidades, em diversos países. Mas um alinhamento ditado com nossa política externa, de buscar uma direção para o Brasil que considere a sua própria posição no mundo, defendendo o interesse nacional e como, no meio dessa grande competição geopolítica, navegar nessas águas turbulentas", afirma Teixeira.
De acordo com o analista, a importância de parcerias em um horizonte de multipolaridade se dá em diversos níveis. Ele cita como exemplo as dificuldades de articular políticas de defesa face a desafios como o conflito ucraniano, "que tem impactado severamente aquisições de defesa".
"Ter parceiros fora dos circuitos tradicionais enseja a possibilidade de desenvolvimento de tecnologia, o que é muito importante para o Brasil. Por isso buscar países como Índia, Turquia, África do Sul, dentre outros, pois isso indica como o Brasil quer criar seu espaço de autonomia internacional."
O decreto que instituiu a nova PND enfatiza que a ampliação da demanda por recursos naturais tende a intensificar disputas abertas, e frisa que grande parte desses recursos estão na Antártica, América do Sul e na África, estes dois últimos continentes alvos de intensa exploração no período colonial.
Para Teixeira, "sem dúvida", a questão dos recursos naturais implicará em grande tensão no sistema internacional, levando a conflitos, mas não necessariamente apenas entre o Norte e o Sul Global como espaços distintos. Ele explica que é provável que haja "alianças mais diretas entre países", não blocos, com os países do Norte tentando "puxar os países do Sul individualmente".
"É mais possível que tenhamos alianças entre Estados desses blocos, e nas quais a lógica da grande competição global se reproduzirá na busca por recursos, de maneira mais e mais agressiva, ainda mais no contexto da questão tecnológica com computação de grande capacidade, chips e sistemas de inteligência artificial."
Por sua vez, Rubens de Siqueira Duarte, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da ECEME e coordenador do Laboratório de Análise Política Mundial (Labmundo), diz não considerar que há uma nova época marcada pelo distanciamento da OTAN.
"A OTAN ocupa e continuará ocupando uma importância muito significativa na defesa brasileira, em termos políticos, estratégicos, doutrinários, de cooperação e fornecimento de equipamento. Ter essa relação positiva com a OTAN não significa obrigatoriamente que não podemos ter outras parcerias. E é isso que estamos buscando."
Ele afirma que "existe uma transição geopolítica de poder", a qual o Brasil precisa observar com atenção e buscar proteger os interesses de sua população.
"Isso inclui buscar novas parcerias, novos mercados, aproveitando essa rivalidade global", aponta o analista.
Duarte afirma que "não há novidade" no acirramento das disputas por recursos naturais entre Norte e Sul Global apontado no decreto da nova PND. Ele frisa que "desde 1500 os países centrais têm uma relação de dominação e de exploração frente os países periféricos".
"Nessa divisão geopolítica global, os países do Sul acabam sempre sendo alvo das cobiças, em especial por produtos primários. O Sul é fornecedor de matéria prima há 500 anos. Já foi especiarias, já foi madeira, já foi café, cana-de-açúcar, petróleo. Hoje em dia as terras raras ocupam lugar de destaque. Muda-se o produto cobiçado, mas a dinâmica é a mesma."
China é a nova potência militar do mundo multipolar?
O Brasil vem estreitando laços de defesa com a China. Em agosto, enviou adidos militares de alta patente para a embaixada em Pequim, em setembro o assessor especial da presidência para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou que o Brasil está aberto à cooperação militar com a China.
Questionado se, paralelo à ascensão da multipolaridade, a China estaria suplantando os EUA como maior potência militar do mundo, Teixeira afirma que ainda é cedo para fazer tal afirmação.
"Neste momento, Pequim parece estar preocupada em primeiro construir uma capacidade militar que respalde a defesa de seus interesses, primeiro no Pacífico, e em segundo nível, no globo" aponta.
Ele acrescenta que os acenos do Brasil à China no âmbito da cooperação militar "são uma atualização para reconhecer o status chinês na nova realidade geopolítica". Ele frisa que já havia adidos brasileiros no país e o que houve em agosto foi um "upgrade", com o envio de um general do Exército e um almirante da Marinha.
"A depender das políticas que podem ser decididas, há avenidas para desenvolvimento tecnológico e de iniciativas, mas tudo isso depende também de decisões do nível político, o que não vimos ainda."
Duarte considera que não há um movimento da China para suplantar militarmente os EUA nem interesse de Pequim nesse aspecto.
"O que há é um tratamento especial que acompanha o crescimento geopolítico e econômico chinês. O Brasil é um país muito diverso, com muitos interesses. Portanto, o país precisa ficar atento e ser sensível a essas variações na política global" conclui o analista.



