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Combate ao crime e à migração ilegal: as chaves do avanço da direita na América Latina

© AP Photo / Matias DelacroixJosé Antonio Kast, candidato presidencial eleito no Chile
José Antonio Kast, candidato presidencial eleito no Chile - Sputnik Brasil, 1920, 17.12.2025
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A eleição do conservador José Antonio Kast no Chile confirmou uma tendência clara na região: o eleitorado tem preferido políticos que priorizam o combate ao crime e à migração irregular, de acordo com analistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
A vitória de José Antonio Kast, no último domingo (14), após quatro anos de governo de esquerda de Gabriel Boric, foi apenas o triunfo mais recente, na América Latina, de um candidato que centrou seu discurso e seu programa no combate à corrupção e ao crime organizado, bem como no freio à migração por vias ilegais.
No Equador, a reeleição de Daniel Noboa já havia demonstrado que a firmeza em temas de segurança é uma carta vencedora em 2025 na região. Jovem empresário, ele assumiu em um contexto de violência sem precedentes — conseguiu convencer os equatorianos de que seu modelo de combate direto aos cada vez mais presentes grupos do narcotráfico era o único caminho para recuperar o país.
Sua vitória não foi apenas uma derrota para o correísmo — que governou o país durante boa parte do século XXI —, mas também uma mensagem clara de que a segurança pública se tornou a prioridade absoluta, acima das tradicionais promessas de bem-estar social.
Na Bolívia, a vitória de Rodrigo Paz Pereira em meados de outubro representou uma ruptura histórica após décadas de governos do Movimento ao Socialismo (MAS). A crise interna do governismo boliviano — somada a uma gestão econômica desgastada — permitiu que uma proposta centrada na recuperação das instituições, no fortalecimento da segurança por meio da tecnologia e na abertura econômica repercutisse junto a um eleitorado tradicionalmente avesso à direita.
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Já o partido do presidente argentino Javier Milei — que, além de centrar suas ações de governo na redução da inflação, também enfatizou a reversão das políticas de segurança do kirchnerismo — impôs-se de maneira categórica nas eleições de meio de mandato, obtendo um resultado mais expressivo do que o previsto pelas pesquisas.
Esse fenômeno de vitórias consecutivas da direita levou a presidente do México, Claudia Sheinbaum, a lançar recentemente um alerta aos seus pares regionais. A mandatária instou as forças progressistas a refletirem seriamente sobre as razões dessas derrotas em série ao longo de 2025.
Segundo Sheinbaum, apontada na imprensa internacional como o melhor exemplo atual de que a implementação de políticas de esquerda pode se traduzir em popularidade junto ao eleitorado, o progressismo regional precisa analisar se perdeu a conexão com as preocupações cotidianas com os mais pobres, bandeira histórica dessa corrente, inclusive do próprio partido Morena, cujo ideário político foi resumido pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador da seguinte forma: "Para o bem de todos, primeiro os pobres."

Soluções diante de crises reais

A vitória de José Antonio Kast, assim como as dos presidentes eleitos neste ano na região, foi construída sobre uma realidade estatística que reflete uma mudança estrutural na violência do país.
Embora o Chile tenha mantido historicamente taxas de homicídio baixas para o padrão regional, o Ministério Público informou que, entre 2016 e 2024, os homicídios registrados aumentaram 111% e crimes associados ao crime organizado cresceram 31,8% apenas nos últimos dois anos.

"Esse fenômeno de violência extrema, concentrado especialmente na região norte e na periferia da capital, Santiago, fez com que a promessa de restaurar a ordem ressoasse fortemente junto a um eleitorado que sentia que o Estado havia perdido o controle territorial", explicou à Sputnik o internacionalista Adrián Palomino, formado pela Universidade de Lima e especialista em política latino-americana.

A população estrangeira em situação irregular subiu de 0,8% de migrantes em 2018 para 17,6% em 2023. Em regiões críticas como Tarapacá, no norte do país, o número de pessoas que ingressaram por passagens não habilitadas aumentou de 490 para mais de 8,4 mil no mesmo período, um crescimento superior a 1.600%, de acordo com dados oficiais.

"Essa pressão migratória sobre os serviços de saúde e os centros de educação fez com que a proposta de Kast de uma maior militarização da fronteira e da autodeportação de indocumentados fosse percebida não como uma medida extrema — como ocorreu nas eleições anteriores, nas quais perdeu por mais de 10 pontos para Boric —, mas como uma solução emergencial diante de uma crise real", afirmou Palomino.

O Equador representa o caso mais dramático de deterioração da segurança. O país passou de uma taxa de cinco homicídios por cada 100 mil habitantes em 2017 para superar os 45 em 2023, tornando-se um dos países mais inseguros do mundo em menos de uma década, devido à ascensão do narcotráfico.
Os homicídios intencionais aumentaram 412% entre 2020 e 2024, alcançando o número de mais de 7 mil mortes anuais.
Noboa capitalizou essa crise ao declarar, no início de seu mandato, a existência de um conflito armado interno, o que lhe permitiu autorizar as forças de segurança a realizarem "operações militares" contra membros das facções dedicadas ao tráfico de drogas.
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Na Bolívia, o discurso de Rodrigo Paz Pereira concentrou-se na violência, que, apesar de ser uma das menos preocupantes da região, tem aumentado de maneira alarmante, segundo o especialista, com aumento nas taxas de homicídio de 10% entre 2022 e 2023, segundo o Ministério do Governo. Paz Pereira utilizou ainda o aumento de 52% nos casos de infanticídio no último ano para criticar o governo anterior.
Para o internacionalista formado pela Universidade de Palermo na Argentina, Matías Flaco, a esquerda regional deixou um vazio político para lidar com o combate ao crime, que a direita ocupou:
"É fundamental entender que esses temas [segurança e migração ilegal] não são apenas bandeiras ideológicas, mas respostas a crises reais. O progressismo latino-americano frequentemente tem dificuldades para lidar com a criminalidade sem cair no medo de ser rotulado como autoritário, devido a tantos anos de discursos críticos à polícia e à repressão."
"Ao evitar o uso da força legítima do Estado por razões doutrinárias, a esquerda deixou um vazio político que a direita preencheu com propostas, em muitos casos, de senso comum, conseguindo captar inclusive o voto dos setores mais vulneráveis e até dos próprios migrantes, como se viu no caso de muitos venezuelanos no Chile", acrescentou.
Segundo Flaco, tais vitórias não significam que o eleitorado sul-americano optou por uma agenda "de direita" em todos os seus aspectos. Exemplo é o fato de Kast, a fim de ampliar seu apelo para além do voto conservador, quase não mencionou suas posições menos populares, como o fim do aborto legal mesmo em casos de estupro, algo que havia feito na campanha anterior, na qual foi derrotado.
"Os cidadãos estão votando em quem promete solucionar os problemas mais agudos do presente. Se esses governos de direita não conseguirem reduzir os índices de criminalidade ou controlar a migração ilegal, o pêndulo voltará a oscilar para a esquerda. Não se trata de um realinhamento, mas de uma aposta pragmática", opinou Flaco.
Para Palomino, o desafio para a esquerda latino-americana — como sugeriu Sheinbaum — será refletir sobre como oferecer ordem sem sacrificar seus valores.

"Os eleitores demonstraram que não têm paciência para diagnósticos acadêmicos e desculpas diante de realidades urgentes e que apoiarão quem conseguir apresentar soluções reais, por mais amarga que seja a medicina", afirmou.

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