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'Beira o colonialismo': acordo Mercosul–UE representa integração ou dependência?

© Foto / Ministério das Relações Exteriores do BrasilReunião de coordenação sobre o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia
Reunião de coordenação sobre o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia - Sputnik Brasil, 1920, 23.12.2025
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Preocupações com impactos ambientais, competitividade agrícola e soberania nacional, riscos para atividades sensíveis, como a agricultura familiar e a indústria local, além de desafios regulatórios relacionados ao meio ambiente.
São muitas as incertezas que ainda pairam nas negociações do acordo de livre comércio Mercosul-UE, iniciadas há duas décadas.
Esperado para ser assinado na Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu, no último sábado (20), o acordo foi adiado para janeiro de 2026, a pedido da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni.
Para falar sobre as perspectivas do acordo com a postergação, o podcast Mundioka desta terça-feira (23) entrevistou a professora de relações internacionais Ana Carolina Marson e a especialista em Europa e doutora em relações internacionais pela London School of Economics Carolina Pavese.
O acordo está travado porque Itália, Polônia e França buscam defender interesses dos agronegócios nacionais. Juntas, as nações representam cerca de 35% da população do bloco, explicou Pavese, entre os 27 Estados membros. Para aprovar o tratado é necessário que o sim represente pelo menos 65% da população do bloco.

"Então mesmo que os outros 24 países digam sim, se esses três que são bem populosos bloquearem, falarem não, o acordo vai por água abaixo", disse a especialista.

Embora não seja um setor muito representativo na Europa como um todo, composto majoritariamente por pequenos agricultores, o setor impõe uma pressão grande nesses países, cujos governos enfrentam crises internas, comentaram as convidadas.
Marson salientou que o setor agrícola robusto e competitivo dos países do Mercosul é uma ameaça real para produtos europeus primários sem barreiras tarifárias no mercado no bloco. Entretanto, quem tem mais a perder são os países do Sul.
Ao frisar que os produtos industrializados europeus são muito mais competitivos do que os da indústria brasileira e dos demais países do Mercosul, ela alertou que mesmo que não haja salvaguardas, para a indústria brasileira a entrada de produtos europeus pode ser funesta.
"A Europa quer a abertura do mercado brasileiro para a entrada dos produtos e serviços deles enquanto exige salvaguarda para os produtos agrícolas do Mercosul. Ou seja, [para] os produtos nos quais o Mercosul é forte teremos salvaguarda e nos produtos nos quais não somos fortes não haverá salvaguarda", salientou, afirmando que nos atuais termos, o acordo "beira o colonialismo":

"A colonialidade fala sobre essa relação desigual de poder [...] temos os países que foram colonizados, têm um desenvolvimento tardio, sua formação como Estado tardia e precisamos competir em um cenário internacional com países que foram colonizadores, que promoveram a sua economia, cresceram e agora querem barrar uma série de movimentos de crescimento dos países do Sul Global".

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Já para Pavese o incentivo de um potencial acordo com a UE de modernizar e investir em sustentabilidade é positivo.
"O acordo tem um potencial de consolidar um acesso preferencial a um novo mercado importante, também de impulsionar a nossa indústria a precisar se modernizar mais e tem uma questão importante do acordo que é a questão da sustentabilidade, que essa é a grande controvérsia também".
A adequação às normas e padrões europeus de sustentabilidade pode impulsionar a indústria do Mercosul a adotar práticas mais sustentáveis e reduzir o impacto ambiental que a indústria tem no meio ambiente e nas questões climáticas, segundo a analista.
Há ainda oportunidade de se transferir parte dessa indústria para o Brasil, argumentou a professora, e atrair investimentos, joint ventures, opinou. Tudo vai depender de como os países do Mercosul vão apoiar os setores mais vulneráveis.
"A questão depende muito das políticas que vão ser adotadas domesticamente para poder mitigar os efeitos negativos que esse acordo tem e também gerar incentivos para que a gente possa capitalizar em cima desses potenciais ganhos".
O problema fundamental do acordo, disse Pavese, é seu potencial de incentivar ainda mais a desindustrialização das nações sul-americanas, com maior exposição à indústria e aos serviços europeus.
Além disso, segundo ela, boa parte da sociedade civil se opõe ao acordo, principalmente os ambientalistas e pequenos agricultores que sabem que não vão ter condições de aproveitar as oportunidades do acordo.
Ela acrescentou que é preciso ter atenção especial à exploração de recursos naturais, energia e minerais críticos:

"Dentro do acordo, com a liberalização de serviços e de indústria, não há limite para qual é essa indústria e a gente vê também uma corrida geopolítica por esses recursos estratégicos maior, uma disputa onde já há um interesse muito manifesto da China e dos Estados Unidos nesses insumos que o Brasil tem e isso garante para a Europa condições preferenciais para poder ter acesso a essas commodities tão estratégicas".

Diversificar com foco no multilateralismo

O tarifaço imposto pelo presidente dos EUA, Donald Trump, a vários países da região, na opinião de Marson, provou que os países do Sul Global podem e devem optar por outras alternativas produtivas de negócios.
"Conseguimos formar mais acordos com países da Ásia, países até mesmo do Oriente Médio, a China que está crescendo bastante, e são setores que nós somos competitivos. Então conseguimos formar esses acordos".
Pavese lembrou do acordo de livre comércio com Singapura, assinado no ano passado, de discussões de acordo com os Emirados Árabes, com Índia, com Japão, Indonésia e Panamá nesse caminho rumo à diversificação.
Já para os países da Europa que são competitivos em produtos industrializados, ponderou Marson, é muito mais difícil escoar a produção para os países da Ásia, como os do Sudeste Asiático, a China, que já são países bastante industrializados. Logo, o acordo é muito mais interessante para a UE.

"Precisamos diversificar, quanto mais parceiros comerciais para o Mercosul, melhor, mas acredito que a Ásia agora seja a região como um todo, então temos a Índia, temos a China, países que estão crescendo muito e que, além de tudo, fazem parte, por exemplo, do BRICS com o Brasil [...] Esse esforço precisa ser preciso e ser sempre multilateral, nunca focado em um", completou a professora.

Pavese também destacou o mercado consumidor do Mercosul, com renda per capita média de poder aquisitivo atraente para a UE:

"Na América do Sul e principalmente nos países do Mercosul, a gente já está falando de uma renda média. Tem um poder aquisitivo potencial para esses produtos que não entram em uma linha muito premium".

Nesse contexto, o Mercosul também é uma saída para UE para escapar do mercado americano, tanto como fornecedor quanto destino para os seus produtos e serviços.

"Então o acordo, de certa forma, vem como uma resposta a esse protecionismo mostrando que os Estados Unidos estão mais ou menos isolados nessa sua política de ir na contramão do livre comércio e investir em medidas unilaterais protecionistas e fechar o seu mercado enquanto os outros países investem na cooperação", avaliou Pavese.

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