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'Pacote do Veneno' vem para acabar com pragas ou com agronegócio brasileiro?

A PL 6.299/2002, ou "Pacote do Veneno", pode flexibilizar o uso de agrotóxicos no país. Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender os prós e contras do projeto.
Sputnik

A comissão especial que analisaria nesta terça-feira o Projeto de Lei 6.299/2002 adiou pela quarta vez a votação do parecer do relator Luiz Nishimori (PR/PR). O projeto flexibiliza as regras de produção, comercialização e distribuição de agrotóxicos e gerou fortes reações contrárias.

Pelo texto, o Ministério da Agricultura será o único responsável por conceder o registro dos pesticidas, retirando as atuais atribuições do Ibama e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Caberá a estes órgãos apenas homologar avaliações de risco sobre os produtos.

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O Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Trabalho (MPT), Anvisa, Ibama, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador, do Ministério da Saúde (DSAST/MS), Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Fiocruz, INCA, Defensoria Pública da União (DPU), e Conselho Nacional de Saúde emitiram notas de protesto à nova lei, chamada de Pacote do Veneno pela oposição na Câmara.

As principais críticas da PL questionam a competência do Ministério da Agricultura para "substituir" as ações fiscalizadoras de outros órgãos. 

Segundo o professor do departamento de Economia da UFPR, Victor Pelaez Alvarez, o pacote seria um retrocesso. Segundo ele, a lei de 1989 significou um grande avanço ao incorporar diversos órgãos para fiscalizar os efeitos de agrotóxicos.

"Isso faz parte de um processo histórico, que aconteceu em vários países do mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, que são o principal consumidor de agrotóxicos, nos anos 70 foi criado o órgão de proteção ambiental e transferiram para ele essa competência", que antes era do ministério da Agricultura. A economia deixou de ser avaliada pela eficiência, mas também pela qualidade dos produtos.

"Historicamente, a área agrícola é muito permissiva e só pensa na perspectiva da produção, e não dos impactos ambientais", explicou.

"Saúde e meio ambiente não são antítese da economia, pelo contrário, são uma síntese de tudo isso", acrescentou.

O especialista também questionou a flexibilização da lei que, segundo ele, afetará as exportações de produtos brasileiros.

"A legislação da União Europeia é muito mais rigorosa e proíbe uma série de ingredientes ativos que ainda são permitidos no Brasil. Se o Brasil não acompanhar essa legislação — uma tendência no mercado mundial — o Brasil fica defasado e corre risco muito grande de sofrer barreiras comerciais e fitossanitárias".

Para ele, o governo demonstra posição "míope" a médio e longo prazo para a população, no setor ambiental e no comércio internacional.

"É muito evidente o retrocesso histórico que estamos vivendo agora com esse projeto de lei", afirmou e disse que o "ministério da Agricultura se revelou incompetente mesmo nas competências que já tem. Comprometendo a competitividade do Brasil no mercado internacional".

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"A sociedade precisa evoluir. Infelizmente estamos em um período de retrocesso em todos os níveis. Vide essa paralisação que afeta todos nós. Essa miopia do governo de não entender o médio e longo prazo, com uma legislação que atende os interesses de um grupo muito restrito da população. Mesmo empresas de agrotóxicos não querem esse desmanche legal", concluiu.

O ex-secretário de assuntos internacionais do ministério da Agricultura, Ênio Marques, por outro lado, acredita que certos aspectos da PL são bem-vindos.

Segundo ele, demora muito para fazer registro de agrotóxico ou de defensivo no Brasil. Há filas enorme. A metodologia e a burocracia fazem com que todos os tipos de produto sejam tratados de forma igual, quando há enormes diferenças no seu uso. Por outro lado, ele defendeu uma nova interpretação da lei de 1989, que desconhece outras legislações mais específicas. 

"Não tem cabimento surgir uma praga aqui e você não ter a solução de combate à ela e ter um problema maior, do que deveria. Levar 8 anos [para registrar substância nova] é uma aberração. Tem muitas medidas desburocratizantes que a Anvisa, o Ibama e Agricultura está fazendo, que vai mudar radicalmente essas filas. Já está mudando", pontuou.

Além disso, Ênio Marques alega que a nova lei repete em "90% do que já tem inscrito na lei atual do defensivo agrícola". 

"Há muito tempo não se permite mais produtos persistentes no ambiente, ou produtos de espectro largo. O relevante é ter uma farmácia agronômica adequada. Ou seja, ter uma lista de todo tipo de praga e doença. Ter um método diagnóstico para ela e soluções que permitem o controle e respeitem todos os cuidados estabelecidos".

Quanto ao eventuais problemas para os produtos brasileiros no exterior, o ex-secretário alegou que cada região do mundo possui características específicas e as pragas dependem de combinação de fatores climáticos. "Aqui temos muitos insetos. Tem muitos produtos aprovados na Europa que não são aprovados aqui, e vice-versa", explicou.

"Não existe nenhum tipo de possibilidade de restrição externa", concluiu.

Muito chão pela frente

O pacote foi apresentado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR) em 24 de abril e foi redigido em 2002 pelo do então senador Blairo Maggi (PP-MT), atual ministro da Agricultura.

A Câmara não informou a nova data para discussão e apreciação da PL pela comissão especial.

Em ano de eleição e com ânimos políticos acirrados existe perigo da votação acabar sendo empurrada para a próxima gestão. De todo modo, nas redes sociais, a votação foi um dos tópicos mais comentados. A hashtag #ChegadeAgrotóxicos chegou aos assuntos mais compartilhados no Twitter da semana passada.

Segundo Sindage (Sindicato Nacional para Produtos de Defesa Agrícola) cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos ao longo do ano, o que coloca o Brasil no posto de maior consumidor do planeta.

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