A adoção de uma política mais cautelosa na região asiática e a aplicação de um padrão duplo têm sua razão de ser.
Os EUA ainda não tomaram uma decisão final sobre a imposição de sanções contra os países importadores de armas russas, mas já é possível fazer alguma avaliação, afirma a colunista do RT Nadezhda Alekseeva.
A aquisição dos novos sistemas de defesa antiaérea russos gerou a insatisfação dos congressistas norte-americanos em relação a Ancara. Apesar das ameaças lançadas pelos EUA e suas tentativas de impedir a transação, a Turquia não renunciou ao seu contrato de compra dos sistemas S-400.
A representante permanente dos EUA na Aliança Atlântica, Kay Bailey Hutchison, disse que "a Rússia está tentando atrair a Turquia para o seu lado para desestabilizar a aliança defensiva mais poderosa da história: a OTAN".
Nesta situação, o país otomano se defronta com uma situação muito complicada e é difícil prever o que acontecerá daqui para a frente, ressalta o diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias, Ruslan Pukhov.
"A renúncia aos S-400 seria uma tremenda humilhação para Ancara. Também não pode desistir da cooperação com os EUA. Portanto, é provável que a Turquia e os EUA busquem um compromisso", explica.
Por sua vez, o especialista do Instituto Internacional de Estudos Políticos, Vladimir Bruter, acredita que as tensões entre os dois países não se devem apenas à compra dos sistemas de defesa aérea da Rússia e que por trás da polêmica há também razões políticas.
"A Turquia está assumindo uma política muito independente e demonstra que não pensa em seguir os planos norte-americanos. Os EUA consideram que devem reagir a essa política para que os demais países membros da OTAN não façam o mesmo", diz o especialista.
Basta de ameaças
A possibilidade de impor sanções contra outros países que cooperam com a Rússia no âmbito militar está prevista na Lei das Sanções contra Adversários dos EUA (CAASTRA). Essa lei entrou em vigor em janeiro de 2018, mas até agora não tinha sido aplicada nesta esfera, esclarece a colunista.
"Em Washington decidiram que para alcançar o efeito desejado basta simplesmente ameaçar com sanções", comenta Alekseeva.
Agora que Washington se abre para fazer exceções à aplicação dessa lei, o senador Chuck Shumer, líder da minoria democrata no Senado, propôs retirar à Casa Branca a oportunidade de fazer suas próprias exceções.
Desse modo, a autora enfatiza que a Turquia não é o único parceiro norte-americano que compra armas russas. A Arábia Saudita usa tanto armas norte-americanas como russas, e o mesmo acontece no Iraque. Segundo ela, os governos desses países "não ficarão contentes" quando tiverem que escolher.
Além disso, a aplicação indiscriminada de sanções pode ter efeitos negativos para os EUA. Por exemplo, anteriormente o secretário de Defesa norte-americano disse que a exclusão da Turquia do programa dos F-35 poderia afetar os EUA. Afinal, o país otomano não apenas compra esses caças de quinta geração, mas também participa de seu desenvolvimento e criação.
No entanto, o Congresso decidiu ignorar as advertências e mostrou uma atitude inflexível exatamente contra os países que preferem as armas norte-americanas às russas. Assim, a colunista ressalta que 56% das armas no Iraque são provenientes dos EUA e apenas 22% são russas. No Kuwait, a proporção é de 88% em comparação com 3%.
"As chances de vender os F-35 para quem não seja um dos aliados mais próximos dos EUA como o Reino Unido serão reduzidas a zero. Os EUA devem compreender que esta etapa terá consequências duradouras para a exportação de suas aeronaves", explica Pukhov.
Por que fazer exceções?
A Índia importa 62% das armas da Rússia e o Vietnã compra 11% de todas as armas vendidas pelo país eslavo. Além disso, na mesma região está a Indonésia, que também faz grandes compras de armas russas, incluindo os caças Su-35. Moscou também está negociando a venda de submarinos à Indonésia, acrescenta a colunista.
Segundo Vladimir Kozhin, ex-conselheiro presidencial para a cooperação técnico-militar, neste país asiático os sistemas de defesa antiaérea russos também causaram uma preocupação particular dos EUA. No entanto, diferentemente da Turquia, Washington não pressiona diretamente as autoridades indonésias.
De qualquer modo, essa pressão seria inútil porque a grande maioria das armas da Índia e Vietnã são de produção soviética ou russa. Essas armas precisam ser revisadas por um serviço técnico e as exigências dos EUA seriam simplesmente impossíveis de serem cumpridas.
"Mesmo os senadores irresponsáveis e charlatães entendem isso", destacou.
A explicação para isso é bastante simples: neste momento os EUA estão se esforçando para criar uma coalizão na região para se contrapor à China, que junto com a Rússia é considerada como um inimigo do país norte-americano.
Bruter também considera que todos esses países aplicam uma política independente e não permitirão serem pressionados. Contudo, a aplicação de sanções contra a Turquia adiou uma possível reaproximação da Índia aos EUA, avaliou o especialista.
O mesmo acontece com a Indonésia: é um gigante regional e sem o seu apoio os norte-americanos não conseguem fazer nada na região, ressalta Bruter, que conclui que "os EUA sabem perfeitamente com quem se pode ser agressivo e com quem não se pode".