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Ajuste fiscal e inflação enorme: crise na Argentina deveria servir de alerta para Brasil?

Argentina está atravessando uma grave crise econômica acompanhada pela desvalorização da sua moeda, uma alta taxa de inflação e manifestações contra a ajuda financeira do FMI. A Sputnik explica que fatores causaram os problemas financeiros do país vizinho e como a crise argentina poderia afetar o Brasil.
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Crise que já dura quase 20 anos

Em 2001 a Argentina deu o maior calote na história. O calote foi associado com o alto endividamento do país: nos anos 1990 a Argentina financiou seu déficit fiscal através da emissão de títulos da dívida pública e sua venda a investidores estrangeiros. Em 2001, Buenos Aires caiu em inadimplência por impossibilidade de pagar aos detentores dos títulos da sua dívida soberana e decidiu anunciar a restauração da sua dívida, emitindo novos títulos com vencimento em 2033.

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Entretanto, nem todos os detentores estrangeiros concordaram com essas condições. Alguns investidores começaram a tomar medidas legais contra a Argentina nos tribunais internacionais, pressionando o país que já estava em plena crise financeira.

A Argentina ainda não conseguiu lidar com as repercussões do calote de 2001. O país tem tido um constante saldo negativo do balanço de pagamentos, déficit fiscal e altas taxas de inflação (por exemplo, em 2017 a Argentina teve 211% de inflação e se espera um índice ainda maior em 2018). Sua dívida pública representa mais de 50% do PIB do país. Para equilibrar as contas públicas e lidar com os problemas estruturais da economia da Argentina, em 2015 o presidente Mauricio Macri implementou medidas de austeridade. Mas esse plano não deu certo.

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Quanto aos fatores externos da crise atual, o aumento constante das taxas de juro pela Reserva Federal (banco central dos EUA) desde dezembro de 2017 levou à desvalorização de muitas divisas dos mercados emergentes face ao dólar. A Argentina, sendo um país com grandes desequilíbrios econômicos, sofreu a desvalorização mais drástica da sua moeda: o peso argentino já se desvalorizou quase 100% desde o início do ano.

Para conter a desvalorização, o Banco Central argentino decidiu subir a taxa de juro de referência para 45% e depois para 60%. Hoje em dia a taxa de juro da Argentina é a maior do mundo (o segundo lugar é ocupado pela Turquia com uma taxa de 24%, mais um país emergente que enfrenta a desvalorização da sua moeda neste ano). Além disso, o Banco Central tem realizado intervenções diárias no mercado vendendo seus internacionais e comprando peso, para prevenir uma queda da sua moeda. Entretanto, o peso argentino continua caindo, enquanto a política monetária restritiva levaria ao declínio de investimentos, do consumo interno e da produção no país.

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Ajuda do FMI e protestos sociais

Tentando conter a disparada do dólar, a Argentina consumiu boa parte das suas reservas e decidiu pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 8 de junho, Buenos Aires e o FMI assinaram um acordo de financiamento de 36 meses no valor de 50 bilhões de dólares (R$ 207 bilhões).

Entretanto, essa aparentemente boa notícia fez com que os argentinos saíssem às ruas. A questão é que para receber a ajuda financeira do FMI o país deve lidar com seu déficit público, ou seja, não gastar mais que arrecada, implementando medidas de ajuste fiscal que geralmente preveem demissões no setor público, aumento dos impostos, cortes de subsídios, taxação sobre as exportações e redução dos gastos sociais, inclusive na educação.

Devido à crise econômica permanente e redução do poder de compra dos salários provocada pela alta taxa de inflação, milhões de argentinos já se encontram em uma situação de pobreza. Uma nova onda de medidas de austeridade, em conjunto com a política monetária restritiva, tornaria menos possível a solução dos problemas estruturais da economia argentina e afetaria a prosperidade dos argentinos. Evidentemente, essas perspectivas causam descontentamento entre população.

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É de assinalar que cerca de 15 bilhões da ajuda já foram pagos, mas essa parcela não foi suficiente para deter a queda do peso. Argentina pediu para o FMI adiantar as demais parcelas para garantir o financiamento de seus compromissos até o fim de 2019.

Como a crise na Argentina poderia afetar o Brasil? 

A Argentina é um país vizinho do Brasil e seu terceiro maior parceiro comercial, atrás apenas da China e dos EUA e responsável por cerca de 8% das suas exportações, por isso a crise argentina traria reflexos diretos para o Brasil. Por exemplo, em agosto as exportações brasileiras para o país vizinho caíram quase 5% relativamente ao ano anterior. Entre os setores mais afetados pela queda de exportações à Argentina se encontra o automotivo, porque a crise cambial e inflação destruíram a capacidade de consumo das famílias argentinas.

O setor turístico também enfrenta a diminuição dos turistas argentinos que costumavam passar suas férias nas praias brasileiras. Entre outros setores afetados pela redução da demanda dos consumidores estão os de autopeças, eletrodomésticos e o setor calçadista.

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Outro problema é a possível desorganização de diversas cadeias produtivas. Por exemplo, a cadeia automotiva tem parques fabris compartilhados entre os dois países.

Entretanto, uma repetição da crise argentina no Brasil é pouco provável, porque a situação do Brasil é bem diferente e mais sólida. Apesar da onda de desvalorização de divisas emergentes, incluindo o real, os problemas estruturais na economia brasileira não são tão graves como os da Argentina. A inflação no Brasil não supera 5%, enquanto no país vizinho esse índice atinge quase 50%. Além disso, se espera um crescimento modesto do PIB (a Argentina prevê uma queda de 2%). Outro ponto forte da economia brasileira é o grande volume das reservas cambiais, que representam um colchão de proteção dos países emergentes contra crises.

A crise argentina poderia até fortalecer o Brasil. Por exemplo, as crises anteriores mostram que os desafios financeiros na Argentina levam a uma pequena injeção de investimentos em outros países da América Latina, incluindo o Brasil, causada por uma redistribuição dos investidores que tinham apostado na Argentina. Uma queda de exportações à Argentina poderia se tornar um estímulo para buscar novos parceiros comerciais.

No entanto, é evidente que a economia global se encontra em uma situação muito perigosa. Os EUA desencadeiam uma guerra comercial em grande escala, os países emergentes vivem a desvalorização das suas moedas nacionais. A última crise financeira ocorreu há 10 anos, e especialistas acreditam que estamos à beira de uma nova crise mundial, que sem dúvidas poderia causar danos para todos os países.

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