Crise que já dura quase 20 anos
Em 2001 a Argentina deu o maior calote na história. O calote foi associado com o alto endividamento do país: nos anos 1990 a Argentina financiou seu déficit fiscal através da emissão de títulos da dívida pública e sua venda a investidores estrangeiros. Em 2001, Buenos Aires caiu em inadimplência por impossibilidade de pagar aos detentores dos títulos da sua dívida soberana e decidiu anunciar a restauração da sua dívida, emitindo novos títulos com vencimento em 2033.
A Argentina ainda não conseguiu lidar com as repercussões do calote de 2001. O país tem tido um constante saldo negativo do balanço de pagamentos, déficit fiscal e altas taxas de inflação (por exemplo, em 2017 a Argentina teve 211% de inflação e se espera um índice ainda maior em 2018). Sua dívida pública representa mais de 50% do PIB do país. Para equilibrar as contas públicas e lidar com os problemas estruturais da economia da Argentina, em 2015 o presidente Mauricio Macri implementou medidas de austeridade. Mas esse plano não deu certo.
Para conter a desvalorização, o Banco Central argentino decidiu subir a taxa de juro de referência para 45% e depois para 60%. Hoje em dia a taxa de juro da Argentina é a maior do mundo (o segundo lugar é ocupado pela Turquia com uma taxa de 24%, mais um país emergente que enfrenta a desvalorização da sua moeda neste ano). Além disso, o Banco Central tem realizado intervenções diárias no mercado vendendo seus internacionais e comprando peso, para prevenir uma queda da sua moeda. Entretanto, o peso argentino continua caindo, enquanto a política monetária restritiva levaria ao declínio de investimentos, do consumo interno e da produção no país.
Tentando conter a disparada do dólar, a Argentina consumiu boa parte das suas reservas e decidiu pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Em 8 de junho, Buenos Aires e o FMI assinaram um acordo de financiamento de 36 meses no valor de 50 bilhões de dólares (R$ 207 bilhões).
Entretanto, essa aparentemente boa notícia fez com que os argentinos saíssem às ruas. A questão é que para receber a ajuda financeira do FMI o país deve lidar com seu déficit público, ou seja, não gastar mais que arrecada, implementando medidas de ajuste fiscal que geralmente preveem demissões no setor público, aumento dos impostos, cortes de subsídios, taxação sobre as exportações e redução dos gastos sociais, inclusive na educação.
Devido à crise econômica permanente e redução do poder de compra dos salários provocada pela alta taxa de inflação, milhões de argentinos já se encontram em uma situação de pobreza. Uma nova onda de medidas de austeridade, em conjunto com a política monetária restritiva, tornaria menos possível a solução dos problemas estruturais da economia argentina e afetaria a prosperidade dos argentinos. Evidentemente, essas perspectivas causam descontentamento entre população.
Como a crise na Argentina poderia afetar o Brasil?
A Argentina é um país vizinho do Brasil e seu terceiro maior parceiro comercial, atrás apenas da China e dos EUA e responsável por cerca de 8% das suas exportações, por isso a crise argentina traria reflexos diretos para o Brasil. Por exemplo, em agosto as exportações brasileiras para o país vizinho caíram quase 5% relativamente ao ano anterior. Entre os setores mais afetados pela queda de exportações à Argentina se encontra o automotivo, porque a crise cambial e inflação destruíram a capacidade de consumo das famílias argentinas.
O setor turístico também enfrenta a diminuição dos turistas argentinos que costumavam passar suas férias nas praias brasileiras. Entre outros setores afetados pela redução da demanda dos consumidores estão os de autopeças, eletrodomésticos e o setor calçadista.
Entretanto, uma repetição da crise argentina no Brasil é pouco provável, porque a situação do Brasil é bem diferente e mais sólida. Apesar da onda de desvalorização de divisas emergentes, incluindo o real, os problemas estruturais na economia brasileira não são tão graves como os da Argentina. A inflação no Brasil não supera 5%, enquanto no país vizinho esse índice atinge quase 50%. Além disso, se espera um crescimento modesto do PIB (a Argentina prevê uma queda de 2%). Outro ponto forte da economia brasileira é o grande volume das reservas cambiais, que representam um colchão de proteção dos países emergentes contra crises.
A crise argentina poderia até fortalecer o Brasil. Por exemplo, as crises anteriores mostram que os desafios financeiros na Argentina levam a uma pequena injeção de investimentos em outros países da América Latina, incluindo o Brasil, causada por uma redistribuição dos investidores que tinham apostado na Argentina. Uma queda de exportações à Argentina poderia se tornar um estímulo para buscar novos parceiros comerciais.
No entanto, é evidente que a economia global se encontra em uma situação muito perigosa. Os EUA desencadeiam uma guerra comercial em grande escala, os países emergentes vivem a desvalorização das suas moedas nacionais. A última crise financeira ocorreu há 10 anos, e especialistas acreditam que estamos à beira de uma nova crise mundial, que sem dúvidas poderia causar danos para todos os países.