Encaixado no sistema
Na imprensa internacional já virou tradição comparar a figura do ex-capitão com o atual líder dos EUA, Donald Trump. Um dos motivos para comparação é o fato dos dois políticos "ficarem fora do sistema", ou seja, não representarem o habitual establishment político. Entretanto, na opinião do economista Aleksandr Chichin, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais da Academia da Economia Nacional e Serviço Público junto à Presidência da Rússia, estas avaliações têm pouco a ver com a realidade.
Na opinião do especialista, a ditadura militar, que acabou há mais de 30 anos, não faz parte do imaginário da geração mais nova dos brasileiros, o que permitiu a Bolsonaro usufruir da respectiva confiança em seu favor nas condições de "caos e crime desenfreados". Chichin relembrou ainda que não se trata apenas da Presidência, pois a presença dos militares em diferentes instituições do Legislativo aumentou quatro vezes em comparação com a composição anterior.
"Infelizmente, elas [as forças de esquerda] perderam estas eleições, e pela primeira vez a ditadura chegou não através de golpe militar, mas sim do pleito democrático", opinou o economista, adiantando que agora ao poder chegaram "os oligarcas e os políticos vinculados com oligarcas" que rechaçarão os programas sociais e redistribuirão os serviços para o bem das camadas mais ricas.
Na noite de ontem (28), logo após a notícia da vitória de Bolsonaro, o dólar começou a cair e atingiu o valor menor a R$ 3,60 pela primeira vez desde maio. Embora logo tenha começado a crescer de novo, o ocorrido provocou numerosos elogios por parte dos simpatizantes do presidente eleito, que afirmam que este "nem começou a governar", mas já começou a "resgatar" o país da crise.
O economista entrevistado pela Sputnik, porém, não compartilha uma visão tão otimista.
"Este é um assunto muito complexo, ele tem a ver com os interesses estadunidenses e chineses, até porque há grande presença precisamente da China e do capital chinês no Brasil. Enquanto por seu perfil Bolsonaro é Trump, e ele terá que ir se desviando para o lado dos EUA com cautela, mas ao mesmo tempo sem se separar da China ou reduzir a presença chinesa na economia brasileira. Contudo, será bem difícil", disse, sublinhando que Washington evidentemente tentará "puxar" Brasília para sua zona de influência.
Falando da figura do economista neoliberal da Escola de Chicago, Paulo Guedes, o especialista prognostica um crescimento nítido, de um ou dois por cento do PIB, mas não está confiante em um "milagre econômico" como o da década de 70 do século passado.
"Claro que aqui Bolsonaro tem sorte em ter por perto tal vizinho como a Venezuela. Foi possível construir uma política falando que caso deixássemos no poder tais pessoas como Lula e Dilma, ou seja, o PT, degradaríamos até à situação da Venezuela. Foi precisamente um ‘espantalho' para o eleitorado brasileiro", frisou, acrescentando que o próprio Brasil na verdade se encontra em uma situação econômica deplorável, com um déficit público de quase 90% do PIB, ficando na América Latina apenas atrás de Caracas.
Alianças e cessações
Caracterizando a política exterior chinesa de "pouco confortável" para outros países, por essa ser vantajosa em primeiro lugar para a própria Pequim, Chichin assegurou que Bolsonaro "não tem escolha" e "terá que se aliar ao mais forte", querendo dizer os EUA.
"Nessa situação, ele vê os EUA como mais os fortes, e fará aposta neles […] Sim, o governo anterior se orientou mais para a China, para os investimentos chineses, isso lhe permitiu realizar alguns projetos sociais, mas agora se tratará de redistribuição da renda a favor dos mais ricos, e a variante americana de governança será preferível para Bolsonaro. Está claro que ele terá que cortar os apetites dos chineses a favor dos maiores apetites dos norte-americanos", prognosticou.
Quanto ao próprio caráter desse relacionamento, se ele será mais parecido com um "patrocínio" ou um diálogo em pé de igualdade, o economista expressou uma possibilidade que isso pudesse depender inclusive do exemplo mexicano e, provavelmente, se inclinaria mais para a "pró-americanização" do Brasil.
"Falta ainda terminar de sufocar a Venezuela economicamente. É claro que Bolsonaro não se considera como antagonista dos EUA, mas como um possível aliado que negociará condições mais vantajosas de cooperação econômica", ressaltou.
Fazendo uma ressalva sobre o futuro das relações sino-brasileiras, Chichin observou que o bloco BRICS poderá ser algo que as salvará do desmantelamento, por já existirem inúmeros compromissos e programas conjuntos entre os países no âmbito do bloco. Enquanto isso, todos os projetos novos se redistribuirão a favor dos investidores norte-americanos, concluiu.