Como contrato de venda dos S-400 à Índia em rublos confirma fim da época do dólar

Recentemente, foi anunciado que a Rússia e a Índia celebraram o contrato de fornecimento de sistemas de defesa antiaérea S-400 em rublos russos. A Sputnik explica porque Moscou e Nova Deli decidiram optar pela moeda russa em vez do dólar estadunidense e que consequências esse passo teria para a ordem mundial existente.
Sputnik

Acordo marcante

Em 31 de outubro, o vice-primeiro-ministro russo Yuri Borisov declarou que o contrato de fornecimento dos sistemas de defesa antiaérea S-400 Triumph à Índia foi celebrado na moeda nacional russa. O contrato longamente esperado foi firmado pelo presidente russo, Vladimir Putin, e pelo premiê indiano, Narendra Modi, em 5 de outubro de 2018 e prevê a entrega de cinco conjuntos do sistema russo à Índia. Sem dúvidas, esse é um acordo marcante, tanto do ponto de vista político e militar, como econômico.

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O S-400 russo é um sistema de defesa antiaérea de nova geração de médio e longo alcance, com capacidade para ser usado em quaisquer condições climáticas e inclusive sob forte interferência de aparelhos de guerra eletrônica. Muitos países já mostraram seu desejo de adquirir sistemas russos com caraterísticas tão sofisticadas.

Washington expressou reiteradamente sua preocupação com os planos de Nova Deli para comprar os S-400 russos e ameaçou com introdução de sanções em conformidade com a lei CAATSA (Lei de Contenção de Adversários da América Através de Sanções).

Segundo a CAATSA, qualquer terceiro que realize transações importantes com uma empresa sancionada russa (entre elas está a Rosoboronexport, exportadora de equipamentos militares russos) é passível de medidas punitivas. Essas medidas preveem a possibilidade de congelar os ativos dos “violadores”, cancelar a cooperação com suas instituições financeiras, bem como bloquear operações bancárias entre os Estados.

Tendo em consideração que a moeda norte-americana, segundo os dados da SWIFT (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Globais), é responsável por 40% dos pagamentos bancários globais, as medidas restritivas dos EUA podem afetar seriamente a economia dos países sancionados por Washington.

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As autoridades da Índia percebem que os EUA podem introduzir sanções contra o país por causa da aquisição dos S-400 russos, mas, apesar de todas as ameaças, preferem realizar uma política independente. Entretanto, levando em conta as possíveis consequências do uso do dólar, acordaram com a Rússia (contra a qual já foram introduzidos numerosos pacotes de sanções) a compra dos sistemas em rublos.

Embora o contrato para fornecimento de cinco sistemas S-400 à Índia seja para a Rússia o maior contrato militar celebrado em moeda diferente do dólar, a Rosoboronexport já celebrou vários acordos de exportação de armas em moedas nacionais, sem uso do dólar. Os representantes da empresa declararam que é necessário abandonar a divisa dos EUA nos contratos para exportação de armas.

Desdolarização à russa

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A Rússia fala sobre a desdolarização há vários anos e está tentando diminuir sua dependência da divisa norte-americana depois de Washington e seus aliados terem imposto sanções ao país em 2014.

Em outubro de 2017, a China, o principal parceiro comercial da Rússia, abriu em Moscou a primeira divisão do seu Banco de Indústria e Comércio para promover transações em yuanes. A entrada do yuan na Rússia não é exclusiva. Moscou já assinou acordos com a Turquia, Irã e Azerbaijão para reduzir o uso do dólar nas transações internacionais.

A Rússia quer também se livrar da dependência do dólar como moeda de reserva. No período entre abril e agosto de 2018, o Banco Central russo vendeu quase todos os seus títulos do Tesouro dos EUA, acelerando a compra de ouro.

Em novembro de 2018 poderá ser introduzida outra rodada de sanções antirrussas dos EUA. Neste caso, as restrições poderão abranger a concessão de créditos a pessoas jurídicas russas, bem como as exportações e importações.

Para defender a economia russa, o presidente do VTB, um dos maiores bancos russos, Andrei Kostin, apresentou seu plano de desdolarização, que inclui, entre outras medidas, a transição ainda mais rápida para outras moedas (euro, yuan e rublo) em operações de importação e exportação.

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O dólar dos EUA continua sendo a moeda mais usada no mundo. O uso do dólar facilita a valorização dos contratos e o comércio internacional em geral.

Entretanto, nos últimos anos cada vez mais países discutem o abandono do dólar nas transações internacionais, enquanto a política comercial agressiva do presidente dos EUA Donald Trump tornou o dólar norte-americano menos adequado para pagamentos internacionais.

A China aumentou a participação do yuan na hora de negociar com os principais parceiros comerciais, em particular com a Rússia e o Irã, que se encontram sob sanções norte-americanas. Além disso, em março de 2018 Pequim lançou contratos futuros de petróleo cotados em yuan. O terceiro maior produtor de petróleo da OPEP, o Irã, já vende seu petróleo à China por yuanes. Teerã rejeitou o comércio em dólares depois da saída dos EUA do acordo nuclear iraniano (Plano Conjunto de Ação Integral) e da reintrodução das sanções.

A discussão sobre a criação de uma moeda única dos países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) já é discutida há muito tempo. Os países já concordaram em conceder empréstimos mútuos em moedas nacionais.

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Até a UE, aliado tradicional dos EUA, questiona a necessidade de uso massivo do dólar no comércio. Por exemplo, Jean-Claude Juncker queixou-se de que a Europa paga 80% das suas importações de energia em divisa norte-americana e descreveu como "absurdo" o fato de as empresas europeias adquirirem aviões europeus em dólares e não em euros.

De fato, é Washington que através da sua política de sanções está empurrando outros países, como a Rússia, Índia, China, Irã e até os países europeus, para abandonarem o dólar e apostarem em outras moedas.

Os resultados desse processo são evidentes. Em 2015 a moeda dos EUA foi responsável por 44% das transações bancárias realizadas pelo SWIFT. Em 2017, a cota-parte do dólar representou apenas 40%. Parece que em 2018 esse número será ainda menor. O mundo entende que é necessário encontrar uma alternativa ao dólar, independente de Washington, para realizar uma política de acordo com os interesses nacionais de cada país.

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