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Como um Banco Central independente afeta sua vida e o que diz quem é a favor ou contra

O valor do dólar, taxa de juros, inflação... Tudo isso passa pelo Banco Central, pedra angular da política econômica do país. Vinculado ao Ministério de Economia e presidido por indicado pelo presidente, a instituição pode se tornar independente do Poder Executivo, pauta que circula há pelo menos 30 anos e que nunca avançou no Congresso. Até agora.
Sputnik

É na Quadra 03, Bloco B do Setor Bancário Sul de Brasília, em suntuosas colunas negras onde são tomadas a maioria das decisões que impactam diretamente todos os aspectos relativos ao seu dinheiro. Trata-se da sede do Banco Central, instituição que desde 1964 gere a meta de inflação, influi na valorização ou no enfraquecimento da moeda diante de divisas internacionais (como o dólar, a libra esterlina e o euro), define a taxa de juros básica que determina toda a remuneração de crédito no país e é fundamental para a contração ou expansão da economia do Brasil.

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Nem sempre foi assim, mas desde que é, a economia do Brasil mais ganhou que perdeu. Foi o Banco Central o órgão a sistematizar uma miríade de dados e obrigações do governo federal, antes dispersa entre as funções do Banco do Brasil, da Superintendência da Moeda e do Crédito e do Tesouro Nacional. Foi o Banco Central o protagonista da criação da Unidade Real de Valor (URV), o engenhoso mecanismo de moeda paralela que freou a astronômica inflação no Brasil em meados dos anos 90. Partiu de lá também o barateamo do crédito que fez explodir o consumo durante os governos petistas entre 2003 e 2015.

A instituição é tão fundamental para a boa condução da economia do país e para evitar que a moeda se desvalorize que, há pelo menos 30 anos, uma pauta volta e meia retorna aos discursos dos políticos de Brasília: sua independência.

Independência de quem e para quê?

O Banco Central já tem, embora não formalmente, autonomia para conduzir a política monetária e definir a taxa básica de juros (Selic) conforme julgar necessário para conter a inflação ou a deflação no Brasil. Se o Banco define juros altos, quem tem dinheiro prefere poupar e ganhar rendimentos, e quem não tem percebe que fazer um empréstimo ou financiamento, por exemplo, fica mais caro.

Com menos dinheiro circulando, a tendência é que a desvalorização causada pela inflação seja freada, mas o crescimento da economia desacelera. O contrário também ocorre (diminuir a taxa de juros favorece o investimento do capital guardado na abertura de um negócio ou na expansão de meios de produção, por exemplo, gerando empregos e expandindo a economia). O BC, porém, não conta com outro tipo de independência: a política.

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O responsável pelo BC é, hoje, escolhido pelo presidente da República e validado pelo Senado. Por necessitar de traquejo com aquele que o indicou, quem comanda o BC fica — direta ou indiretamente — vinculado ao que o Executivo espera para a economia do país. Em última instância, o presidente da República pode pressionar pelo represamento da taxa de juros mesmo diante de forte cenário inflacionário, pode romper com o câmbio flutuante e manter uma cotação fixa para o dólar, determinar as regras que regem os bancos públicos e privados, etc. No limite, o presidente também tem o poder de demitir o indicado que se recuse a cumprir com o plano econômico desejado pelo Governo Federal.

Nos últimos anos, a ideia foi defendida pela então candidata Dilma Rousseff nas eleições de 2010, e posteriormente rechaçada pela mesma Dilma quando quem acampou a bandeira foi sua principal adversária no 1º turno de 2014, Marina Silva. Mais recentemente, Michel Temer tentou ressuscitar a proposta como uma alternativa para tentar acalmar os mercados após o fracasso em pautar a reforma da Previdência. O projeto, porém, ganhou um aliado de peso: Paulo Guedes, o "superministro" nomeado por Jair Bolsonaro para comandar o Ministério da Economia.

O caminho legislativo da proposta

Guedes sempre foi um defensor inconteste da independência do BC. Enquanto atuava na iniciativa privada, o ministro concedeu várias entrevistas em que propunha a criação de um mandato fixo para o presidente da autarquia, sem que este coincidisse com as eleições gerais para o Executivo. A medida, argumentava o ministro, tinha como objetivo dar mais segurança aos investidores quanto à possibilidade de um presidente manipular a condução econômica com fins políticos, mesmo às custas da estabilidade nacional.

Em teoria, aprovar uma medida estabelecendo a independência do BC não enfrenta um caminho complicado. Ao contrário da Reforma da Previdência — que demanda votação em dois turnos nas duas Casas Legislativas e aprovação de 3/5 dos parlamentares antes de seguir para sanção —, seria necessário apenas maioria qualificada (50% + 1) para fazer andar a questão até a mesa de Jair Bolsonaro.

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Além disso, já há na Câmara proposta bastante amadurecida sobre o tema, apresentada em 2003 pelo agora presidente Rodrigo Maia. O texto precisa apenas do aval da Comissão de Finanças e Tributação antes de seguir para o Plenário.

Diante da sinalização positiva que uma possível aprovação mandaria ao mercado, o governo Bolsonaro já anunciou que pretende encaminhar a votação até o fim deste mês. Mas a questão está longe de consenso e deve encontrar resistência entre alguns parlamentares.

"Teríamos um vice-rei no país", critica economista

Doutor em Economia e professor da Univeritas, Heitor Silva diz temer as consequências diretas que uma independência formal do Banco Central em relação executivo teria na condução da política econômica nacional. Ele contesta a crença difundida de que a medida poderia aumentar a estabilidade e garantiria o funcionamento do mercado financeiro, trazendo mais volume em investimentos para o país. 

"Por que o mercado acha que um presidente autônomo traria mais estabilidade? A proposta quer acabar com a validação do nome que comandará o BC passe até pela validação do Senado. Ou seja, nós não teríamos mais um presidente do BC, mas sim um vice-rei, alguém colocado lá e que seria responsável por controlar a moeda nacional, nossa política de câmbio".

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Heitor explica que o Banco Central é responsável por decisões que, embora não sejam tão evidentes no dia-a-dia, impactam diretamente o bolso do consumidor. É ele a determinar, ao lado do Ministério da Economia, a porcentagem mínima a se pagar da fatura de cartão de crédito e as taxas de juros caso o cliente atrase a quitação do débito. E as consequências não param por aí.

"Parece que isso está muito desconectado da vida do cidadão comum. Mas quando eu determino quanto o real vale em relação ao dólar, eu estou determinando quanto vai custar o remédio que se compra na farmácia, já que a maioria é importada da Alemanha, da Suíça e dos Estados Unidos. (…) Também tem impactos profundos no preço de produtos na cesta básica do brasileiro. O pão nosso de cada dia é feito a partir do trigo, uma parte dele importada", explica. "A Petrobras é uma empresa submetida às lógicas de mercado e acaba repassando as variações do câmbio para o combustível na bomba, ou seja, um impacto direto na vida do trabalhador", detalha o professor.

O economista diz ainda que formalizar a independência de um presidente do BC em relação ao executivo daria poderes excessivos a "uma pessoa sem a menor relação com a população, que não passa por nenhum crivo e nem mantém interlocução com o povo". Para Heitor, submeter o Banco Central ao Executivo significa garantir o cumprimento de um plano econômico "sancionado pela população" na hora do voto. Ele defende ainda que a autonomia atualmente em vigência em países como os Estados Unidos, Japão, Inglaterra e Canadá funciona porque os interesses dessas nações são convergentes com as do capital.

"São países que são o centro do mundo, locais em que os grandes complexos industriais e os grandes banqueiros têm interesses convergentes com a nação americana, de projetar poder no exterior. Essa junção acaba fazendo com que todos caminham na mesma direção", defende. 

Para professor da FGV, Banco Central não deve se submeter a influência política 

O PhD em Economia e professor da Fundação Getúlio Vargas, Istvan Kasznar, já estagiou no Federal Reserve (FED), o equivalente dos Estados Unidos ao nosso Banco Central. Para ele, a independência do Banco Central passa pelo cumprimento da função da instituição, que é conservar o poder de compra da moeda e preservar os bons índices macroeconômicos do país. Para ele, um Banco Central sério toma medidas que são próprias das políticas monetária-cambial e da estruturação de um sistema de intermediação financeira nacional, sem necessariamente ouvir interferências externas à sua função.

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"Propor um Banco Central independente é, antes de mais nada, fazer com que este banco, se for sério, se tiver gente proba, técnica, isenta, venha, em primeiro lugar, combater a inflação, reduzindo dramaticamente equívocos de emissão monetária acima da taxa de crescimento real da economia (…). Fazer com que haja condições para que o índice de preços seja o mínimo possível, sem artifícios. É um papel de provedor da estabilidade monetária, o agente que assegura que a moeda não seja corroída, que o poder aquisitivo da moeda seja garantido", argumenta.

Kasznar acredita que dar a liberdade para o BC agir sem ingerência política seria autorizá-lo a gerir "inúmeras áreas", já que a instituição é "o Banco de todos os bancos e o provedor da liquidez", além de criar regulamentações bancárias, organizar créditos dirigidos e controlar as reservas internacionais do Brasil (atualmente em aproximadamente US$380 bilhões).

"A lógica de uma independência plena é muito boa. A proposta do ministro Paulo Guedes é perfeitamente compreensível, vai na direção de ações da modernidade para criar condições de aumentar uma flexibilidade que o Banco Central precisa ter. Mas se for independente e ainda assim estiver subjulgado a algum grupo, aí a coisa fica preocupante. É preciso evitar que algum agrupamento no poder [da instituição] possa também criar privilégios para si, algo extremamente sério", alerta.

Mesmo entusiasta da proposta, Kasznar admite que a independência precisa ser ponderada. Para ele, o que se deseja é "maior concorrência e transparência dada à lógica" da instituição. Ele cita como exemplo a desregulamentação da crise americana de 2008, cujos efeitos "até hoje estamos pagando caro".

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"As forças corporativas dentro do BC, a escolha de técnicos qualificados e a disponibilidade de pessoas treinadas a nível de doutorado e com experiência de mercado são muito bons, o que explica em parte porque temos no Brasil as evidências de uma inflação relativamente baixa. (…) Há indícios positivos para que se vá na direção de uma independência maior, mas nós também temos que tomar cuidado para não criarmos excesso de liberdades. Vivemos em um país em que o abuso e a lentidão da justiça ocorrem e é preciso criar condições para não colocar o carro na frente dos bois", conclui. 

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