Já há um mês que o mundo esperava que a guerra comercial sino-americana estivesse chegando à sua conclusão lógica. A mídia anunciou que os dois países planejam realizar uma nova rodada de negociações e esperam fechar um acordo no final de maio ou no início de junho.
Entretanto, no início de maio o presidente dos EUA Donald Trump anunciou que planeja introduzir novas tarifas sobre produtos chineses, comentando que "o acordo comercial com a China continua, mas muito lentamente, enquanto eles [os chineses] tentam renegociar".
A China, por sua vez, declarou que "lamenta profundamente" o aumento das tarifas sobre as suas exportações e que não tem outro remédio senão tomar contramedidas a esse respeito e anunciou o aumento das tarifas chinesas sobre uma série de produtos estadunidenses no valor de 60 bilhões de dólares (R$ 240 bilhões). A medida entrará em vigor desde 1º de junho.
Vale ressaltar que as negociações entre os dois países não foram interrompidas, mas entre Pequim e Washington há vários pontos de discórdia: Pequim continua a exigir a abolição de todas as tarifas adicionais, introduzidas por Washington, para retomar o comércio bilateral normal e as negociações com base em princípios de igualdade, mostrando seu empenho de não ceder à pressão de Washington.
A nova onda na guerra comercial entre os EUA e a China não se limita à introdução de tarifas. Em meio às tensões comerciais, o Departamento de Comércio dos EUA incluiu a maior empresa de tecnologia chinesa Huawei e suas filiadas em uma espécie de "lista negra", que proíbe à Huawei comprar componentes e peças de empresas estadunidenses sem aprovação do governo dos EUA (a medida entrará em vigor em três meses). As empresas de tecnologia americanas, entre elas a Google, Intel e Qualcomm, já decidiram cortar relações comerciais com Huawei.
Sem dúvidas, o agravamento da disputa comercial afeta as economias de ambos os países. Para os EUA, o aumento de tarifas leva ao aumento dos custos de produção para as empresas norte-americanas, causando um aumento da volatilidade nos mercados financeiros.
Os agricultores dos EUA também estão sofrendo dificuldades financeiras devido às tarifas de Pequim sobre as importações da soja norte-americana (que é cultivada principalmente nos estados do centro-oeste que compõem a base eleitoral de Donald Trump) e outros produtos agrícolas dos EUA, incluindo suínos e sorgo.
Além disso, a China tem outras poderosas ferramentas econômicas que o país poderia usar na sua batalha comercial com os EUA. Por exemplo, ela poderia realizar a venda massiva dos títulos do Tesouro dos EUA. No ano passado, quando os funcionários chineses recomendaram apenas desacelerar ou parar a compra de títulos do Tesouro estadunidenses, o mercado dos títulos da dívida pública sofreu uma queda drástica. Se Pequim decidir vender uma parte significativa dos seus títulos do Tesouro (é de assinalar que a China é o maior detentor de títulos da dívida pública dos EUA), o mercado desses títulos poderia colapsar.
O analista chefe da empresa financeira BCS Premier, Anton Pokatovich, revelou à Sputnik Brasil que no caso de um cenário pessimista a China poderia também desvalorizar sua moeda nacional.
"Segundo nossas estimativas, um enfraquecimento substancial do yuan, por exemplo, até ao nível de oito yuanes por um dólar [hoje a taxa de câmbio é de 6,9 yuanes por um dólar] levaria ao fortalecimento do dólar em relação à maioria das divisas, o que, por sua vez, pode se tornar um golpe duro contra todas as exportações americanas", explicou ele.
Em geral, a consultoria Oxford Economics prevê que nos EUA a nova onda de guerra comercial levaria à redução do crescimento econômico em 0,5% em 2020 e custaria 300 mil postos de trabalho.
Quanto à China, as empresas de eletrônica chinesas que exportam seus produtos aos EUA vão sofrer perdas, bem como os fabricantes de automóveis que planejariam entrar no mercado americano no segmento de preço econômico.
A pressão contra o gigante tecnológico Huawei também seria um golpe bastante duro contra a China. Componentes americanos são responsáveis por 14% do orçamento de compras da empresa chinesa. Entretanto, a empresa planeja promover o desenvolvimento e a produção de suas próprias peças e componentes para reduzir a dependência dos mercados externos e no futuro poderia lidar com as restrições chinesas.
"Acreditamos que os EUA têm muito mais meios para exercer pressão que a China, o que poderia causar um 'aumento das apostas' por parte dos EUA e o fechamento de um acordo nos seus próprios termos. A China compreende plenamente que a resistência aos EUA a longo prazo afetará a economia chinesa, a qual, além das guerras comerciais, já enfrenta muitos desafios. Levando isso em consideração, esperamos que o acordo seja assinado. Mas a questão de como a China vai respeitar esse acordo permaneceria aberta a longo prazo", revelou Anton Pokatovich à Sputnik Brasil.
Em geral, segundo várias estimativas, a última onda da guerra comercial levaria ao abrandamento do crescimento econômico do país em cerca de 0,5% em 2019.
Como agravamento da guerra comercial sino-americana influirá sobre outros países?
É evidente que a guerra comercial afetará tanto os EUA como a China, mas a disputa comercial entre as duas maiores economias também terá consequências globais.
Primeiro, a nova espiral de tensões comerciais já levou ao aumento da volatilidade nos mercados financeiros em todo o mundo, inclusive no Brasil (o principal indicador da bolsa paulista Bovespa fechou em queda após a retomada da guerra comercial).
Segundo o analista Anton Pokatovich, se o conflito comercial continuar se agravando, os investidores começarão a apostar em ativos mais seguros e de maior liquidez, o que, junto com as tendências negativas que se observam no comércio mundial em meio ao aumento do protecionismo, causaria um refluxo massivo de capital dos países emergentes.
"Esse conjunto de fatores negativos pode formar uma grande pressão sobre as economias emergentes, o que, caso se mantenha por um ou dois anos, poderá se tornar a base para uma nova crise global", sublinhou ele.
Entretanto, essa guerra comercial poderia trazer também algumas oportunidades, porque os dois países seriam forçados a buscar novos parceiros e fornecedores de produtos não expostos às tarifas, enquanto os mercados chinês e americano são os maiores do mundo com demanda crescente. Nesse sentido, os produtores de terceiros países, entre eles o Brasil e a Rússia, poderiam beneficiar dessa demanda proveniente da guerra comercial, penetrando em novos mercados e obtendo novos laços comerciais.