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Por que o isolamento internacional de Jair Bolsonaro não atrapalhará seus planos de reeleição?

Jair Bolsonaro decidiu que não vai à posse de Gabriel Boric, eleito presidente do Chile. A atitude, embora controversa, caiu nas graças de seu eleitorado. Especialista ouvido pela Sputnik Brasil, Clayton Mendonça Cunha apresentou algumas respostas para esse comportamento.
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Jair Bolsonaro não comparecerá à posse de mais um líder latino-americano ligado à esquerda, desta vez do chileno Gabriel Boric. Embora o comportamento do chefe de Estado brasileiro amplie o isolamento do governo, como apontam analistas, isso parece não afetar a sua popularidade.
Por que a manutenção desta estratégia pelo presidente brasileiro fortalece a sua imagem junto aos bolsonaristas? A resposta definitiva para essa questão é delicada, apontou Clayton Mendonça Cunha. Para ele, Bolsonaro passa ao seu eleitor a sua própria "visão de mundo, entre vermelhos e não vermelhos".
Apesar da retórica presidencial carecer de uma análise mais aprofundada sobre as nuances da política internacional, ela parece agradar ao eleitorado do presidente. Para o especialista, a estratégia faz sucesso porque, para os eleitores de Bolsonaro, "tudo isso faz parte de um processo de combate ao comunismo no mundo".
Manifestante usa máscara do presidente americano, Donald Trump, durante manifestação de apoio a Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. Foto de arquivo

Mundo entre 'vermelhos e não vermelhos'

Bolsonaro escalou o vice Hamilton Mourão para a solenidade em Santiago. No último dia 12, o chefe de Estado do Brasil comunicou: "Eu não sou de criar problemas com a relação internacional. O Brasil vai muito bem com o mundo todo. Você vê, quem vai na posse do novo presidente do Chile? Eu não irei, vê quem vai?", disse ele.
Essa não é a primeira vez que o presidente brasileiro deixa de tratar questões da política externa como obrigações de um chefe de Estado. Essa postura, inclusive, é fomentada pelo seu eleitorado, que entende o mundo como se este estivesse sob uma constante ameaça global comunista, desta vez conduzida pela China.
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Para Mendonça Cunha, a manutenção de relações diplomáticas com outros países, assim como comparecer a estas posses de novos mandatários, "é uma coisa de praxe". Ele apontou que os países se relacionam entre si, mas não é a partir dos governos, que são transitórios.

"Você não deixa de se relacionar com a Alemanha porque não gosta de Angela Merkel [ex-chanceler alemã]. E isso deve se estender a outros líderes também na América Latina. Agora, o eleitorado do Bolsonaro é muito difícil de compreender. É muito difícil justificar algumas posições tomadas por esse grupo de pessoas", comentou.

A avaliação do especialista é que "o presidente brasileiro e seus eleitores acreditam em uma visão de mundo dividida entre vermelhos e não vermelhos. E ele se comporta coerentemente com essa visão de mundo que ele fomenta".
Presidente Jair Bolsonaro entre outros líderes mundiais na cúpula do G20 no Japão, 29 de junho de 2019. Foto de arquivo

Itamaraty ideológico?

Para justificar sua posição de distanciamento de alguns governos considerados progressistas, como o Chile e a Argentina, o presidente brasileiro recorre com frequência às atitudes de presidentes do PT no âmbito da política externa.
Segundo ele, o Itamaraty sob a gestão de Lula foi excessivamente ideológico, sobretudo no tratamento dado aos governos cubanos e venezuelanos. Ao longo de sua campanha em 2018, Bolsonaro prometeu diversas vezes que abriria a "caixa-preta" do BNDES, revelando esquemas de corrupção envolvendo o PT e os governos considerados progressistas na América Latina.
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Passados três anos do governo, os "mistérios do BNDS" nunca vieram à tona. Entretanto, o estigma de que o Itamaraty estava excessivamente ideológico, financiando supostas ditaduras pelo continente, colou entre alguns setores da população.

"Jair Bolsonaro assumiu prometendo desideologizar as relações internacionais do Brasil", disse Mendonça Cunha, acrescentando que "se tem alguém que ideologizou a política externa brasileira, foi o governo Bolsonaro".

O especialista relembrou alguns episódios para ilustrar seu ponto de vista, como quando Donald Trump perdeu as eleições nos EUA, e Bolsonaro demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden. "Tudo isso por birra ideológica", comentou.
Presidente Jair Bolsonaro discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York (EUA), 24 de setembro de 2019. Foto de arquivo
Mendonça Cunha ainda relembrou que o brasileiro se recusou a comparecer na posse do presidente da Argentina, apesar do país ser um dos principais parceiros comerciais e estratégicos do Brasil.
"E agora tem esse episódio com o Boric. Não há nenhuma surpresa nisso. Surpresa seria se ele fosse à posse do chileno. E não acho que isso deixe Bolsonaro isolado, porque é parte da estratégia dele agir dessa forma", avaliou.

Um país sem tempo para política externa

Embora entenda que há uma estratégia por parte de Bolsonaro na busca de inimigos ideológicos, e que isso pode isolar o país internacionalmente, Clayton Mendonça Cunha não acredita que esses erros podem impedir a reeleição do presidente.
O presidente Jair Bolsonaro (e) e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson durante reunião bilateral na residência diplomática do Reino Unido em Nova York, EUA, em 20 de setembro de 2021. Foto de arquivo

"São poucas pessoas no Brasil que se preocupam com política internacional e a imagem do país. Episódios como esses indicam, sim, o isolamento de Bolsonaro, embora não haja consequências internas para o presidente. O que puxa seus índices de aprovação para baixo são problemas internos, como desemprego, inflação e baixo crescimento econômico", afirmou.

A avaliação é que o chefe de Estado brasileiro perdeu muita popularidade nos últimos dois anos, mas manteve sua aprovação entre aqueles que são classificados como o "núcleo duro". Este eleitorado, aponta Mendonça Cunha, "é muito fiel ao presidente, e tem essas preocupações ideologizadas".
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A análise de Mendonça Cunha é que a escolha de criar inimigos externos imaginários não é uma retórica inédita, mas ainda serve para mascarar e culpar os problemas internos de um país, apontando para agentes exteriores que visam desestabilizar o governo.

"Alegar que o Chile é um governo comunista, e que o Brasil é um país que combate o comunismo, tudo isso faz parte das 'picuinhas' ideológicas que Bolsonaro gosta de fazer para fidelizar seu eleitorado. E isso deve levar o presidente ao segundo turno nas eleições deste ano", comentou.

A política externa e o voto no Brasil

Questionado se a forma de atuação do Itamaraty pode ter alguma influência na eleição presidencial de 2022, o analista ouvido pela Sputnik Brasil é cético: "A maioria da população brasileira não se importa com política externa".
Ele avalia que as posições do Itamaraty podem influenciar alguns nichos do eleitorado brasileiro, como as elites, que tendem a ter uma resistência menor a Lula tendo em vista a sua estima no exterior. "Eu acho que as viagens do Lula, e o fato dele ser bem recebido por outros líderes, degasta pouco a imagem do presidente Bolsonaro", avaliou.
Entretanto, para Mendonça Cunha, o que mais atrapalha o atual presidente "é a questão da economia interna". O Brasil está de volta ao Mapa da Fome, e registrou 55,2% da população convivendo com a insegurança alimentar. Além disso, há baixo crescimento econômico no país e inflação alta, resultando em um processo de estagflação.
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Embora a crise econômica bata à porta do governo brasileiro, com muitos analistas indicando que o caminho para a retomada do crescimento é o aumento dos investimentos públicos (o que não acontece no Brasil), o presidente brasileiro insiste em culpados internacionais pela crise.

'Globalismo' e os inimigos da República

Entre alguns de seus alvos preferidos, está a Organização Mundial de Saúde, a China, a comunidade científica e a indústria farmacêutica. O presidente brasileiro, em especial durante a passagem de Ernesto Araújo pelo Itamaraty, chegou a chamar a pandemia de vírus chinês, e insinuou que a COVID-19 faz parte de um plano para derrubar governos conservadores.
O então chanceler brasileiro disse que o "globalismo" é a "configuração atual do marxismo", do qual o Brasil e o mundo precisam se libertar. O termo é usado por líderes nacionalistas e populistas para condenar elites envolvidas em negócios globais, como comércio e instituições internacionais.
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A solução seria uma reformulação nas relações bilaterais e uma revisão do mundo multilateralista. Recentemente, Bolsonaro passou a apelar para o conservadorismo da comunidade internacional para se mostrar um presidente com apoio.
Ao se encontrar com o presidente peruano na última semana, destacou o lado conservador de Pedro Castillo, principalmente na pauta de costumes, "como ser contra os direitos LGBT, contra o aborto e contra o feminismo. Então, Bolsonaro tentou ressaltar essa parte do seu encontro bilateral", comentou Mendonça Cunha.
Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, com seu homólogo peruano, Pedro Castillo em Porto Velho, Rondônia, 3 de fevereiro de 2021
A conclusão do especialista é que o presidente do Brasil usa a política externa para garantir o apoio de grande parte de seu eleitorado mais fiel, que partilha da crença de que a política externa brasileira precisa ser "passada a limpo", e que novas relações com países conservadores devem ser estabelecidas.
Embora não apresente uma estratégia para isso, o chefe de Estado do Brasil parece não ter problemas junto ao seu eleitorado quando o assunto é política externa. A população brasileira, em sua grande maioria, parece mais interessada em resolver os seus próprios problemas econômicos antes de exercer o seu papel proeminente na América Latina.
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