'Vistas grossas para o neonazismo'
"Eles inclusive aparecem em várias fotos com bandeiras carregando suásticas, com toda a simbologia do nacionalismo pró-fascista e pró-nazista dos anos 1940", contextualizou.
"Putin se referiu à desnazificação por duas razões fundamentais. Uma é o passado da Ucrânia. A outra, mais importante, é o fato de que, na região do Donbass [...], os ataques, as agressões e os atentados são organizados fundamentalmente por grupos que se reivindicam na prática neonazista, no nacionalismo ucraniano. São muito vinculados à tradição de um líder chamado Stepan Bandera, nacionalista ucraniano que fez acordos com nazistas da Segunda Guerra e lutou ao lado dos nazistas contra a União Soviética. Esses grupos — o mais famoso deles é o Batalhão Azov, situado no mar de Azov — são os que participaram intensamente dessas sabotagens, agressões e ataques [...]. Foi Bandera quem levou o nacionalismo ucraniano a uma aliança com os nazistas em prol da independência da Ucrânia, contra a União Soviética. Eis o passado nazista da Ucrânia: a fusão da liderança nacionalista ucraniana soviética com a invasão nazista. A isso se refere Putin, também, em seus discursos", descreveu ele.
"Não tenho dúvidas de que o Ocidente fez vistas grossas a esses grupos nazistas e neonazistas na Ucrânia porque eles eram funcionais, eles eram parte importante do golpe que, em 2014, derruba o governo do Viktor Yanukovich (2010-2014), que era um governo aliado a Moscou. Então a coalizão de forças que daria sustentação ao golpe de 2014 na Ucrânia incluía de grupos social-democratas pró-Ocidente até grupos neonazistas, como é o caso dos banderistas e de distintos grupos que se reivindicam dessa tradição nacionalista de extrema-direita que existe na Ucrânia há tanto tempo. O Ocidente fez de conta que esses grupos não existiam, embora eles fizessem sua propaganda se associando à suástica e a toda representação simbólica desse nacionalismo ucraniano que foi aliado do nazismo. Fecharam os olhos porque esses grupos eram importantes, eram decisivos naquele golpe de Estado construído em 2014 contra um governo aliado a Moscou", criticou.
Extremistas ucranianos: 'de subalternos a institucionalmente legítimos'
"De fato a Ucrânia tem um problema com grupos extremistas. Não simplesmente porque eles existem. O problema da Ucrânia é que essas pessoas migraram da posição subalterna para uma posição de legitimidade e visibilidade institucional. Isso aconteceu depois dos protestos de 2013, 2014, que não só terminaram por derrubar o presidente do país como desagregaram o próprio Estado ucraniano. A hierarquia — a cadeia de forças de comando, por exemplo o Exército e a polícia — foi praticamente desfeita. Os ucranianos chamaram isso de revolução, e os russos, de golpe de Estado", analisou.
Isso explicaria, em sua opinião, "a entrada nas forças convencionais de grupos como o Pravy Sektor (que é um grupo composto de gangues de skinheads, praticamente), além de outras brigadas com simbologia racista".
"O próprio embaixador da Ucrânia na Alemanha, por volta de 2015, admitiu a integração de grupos radicais nas forças militares ucranianas. E isso em um canal de TV aberta na Alemanha", disse.
A luta da Rússia contra os nazistas
"A Rússia trabalha com a ideia de que o nazismo afetou o Estado soviético a partir da chamada Grande Guerra Patriótica, em que o Exército Vermelho defendeu a liberdade do mundo a partir de uma resistência heroica. É importante porque está se falando de luta contra os nazistas e não necessariamente sobre o Holocausto", avaliou ele.
"A ideia de mortes em grande número, de resistência, é uma perspectiva típica da dimensão da existência e da experiência russa em relação à Segunda Guerra Mundial. Se a gente trabalha com perspectivas mais ocidentais, não há como se discutir Segunda Guerra Mundial sem se discutir genocídio. Esse debate é diferente na Rússia. Quando se fala sobre genocídio está se falando sobre número de mortos, combates etc. Também é esse o discurso do Zelensky apontando o dedo para os russos: ele está se referindo à experiência da Ucrânia, hoje, como a experiência de genocídio e de nazismo. Esse uso constante e político do nazismo tem a ver com a banalização do nazismo, ou seja, a ideia de que tudo que é muito cruel e causa muitas mortes é nazismo. Mas há uma concentração muito grande, em nível nacional e internacional, de grupos neonazistas na Ucrânia, principalmente no leste", declarou.
"Há um contexto histórico que coloca os países do leste da Europa que fazem fronteira com a Rússia em uma experiência em que viam a si próprios como se entre dois diabos, o diabo soviético comunista e o diabo nazista. Essa percepção é um equívoco: é incomparável o nazismo com o comunismo. São dois regimes com naturezas diferentes, um é genocida [nazismo] e o outro, igualitário [comunismo]. Um que produziu campos de extermínio e outro que produziu coletivização. Um que produziu um projeto de morte e outro que produziu um projeto de sociedade. Não vejo comparação possível. Se não entendermos o contexto político, não entenderemos nada", concluiu.