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Bomba-relógio dos combustíveis? 'Tudo começou por 20 centavos em 2013'

Cenário econômico atual do Brasil é muito mais grave que o da década passada, mas os contextos políticos nacional e mundial são diferentes. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil afirmam que o país pode estar à beira de um colapso social se a situação não for revertida.
Sputnik
"Não é só pelos 20 centavos", diziam os manifestantes em 2013. Os protestos daquele ano, que começaram com atos do Movimento Passe Livre contra o aumento das passagens de ônibus, se transformaram em um grande levante popular com múltiplas insatisfações.
O mundo dá voltas e a história se repete, mas 2022 não é 2013. Ao menos, por enquanto, não há muitas semelhanças entre as duas épocas. Se há nove anos se dizia que "o gigante acordou", agora a população parece não só adormecida, mas entorpecida e imobilizada, diante da escalada dos preços dos combustíveis e dos alimentos, em meio a uma inflação persistentemente alta.
Paradoxalmente, a situação econômica do Brasil era bem mais confortável há uma década. Naquele momento, o país havia registrado uma taxa de desemprego de 4,6% ao fim de 2012 — o menor nível histórico —, um crescimento médio do PIB de 3,68% nos cinco anos anteriores e uma inflação na casa dos 5%.
Atualmente o quadro é outro: desemprego de 11,2%, crescimento médio do PIB de 0,94% nos últimos cinco anos e inflação acima do patamar dos 10%.

"É muito curioso que haja essa diferença discrepante entre a reação de 2013 por 20 centavos e a passividade extraordinária no contexto atual, quando há razões suficientes para ir às ruas protestar contra a inação do governo atual e da sua política em relação à Petrobras", afirmou Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), em entrevista à Sputnik Brasil.

Comércio em Campinas, São Paulo, em 11 de outubro de 2021. Índices de inflação altos vêm prejudicando o poder de compra do brasileiro.
O especialista avalia que, à época, os brasileiros vinham se acostumando a ter melhor qualidade de vida, sentida durante os anos das "vacas gordas" dos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do início da gestão Dilma Rousseff.
Segundo ele, como o padrão de referência era alto, a partir dos primeiros sinais de insatisfação, as manifestações eclodiram.

"E tudo começou por 20 centavos. Hoje o preço do combustível está altíssimo, repercutindo em diversos produtos, e não vemos esse tipo de reação. Há pouco tempo poderíamos atribuir à pandemia, mas agora as pessoas já estão com a vida normal, e não vemos essa insatisfação redundar em protestos", destacou.

Ao contrário do Brasil, diversos países vêm registrando protestos contra o aumento no preço dos combustíveis. Com o conflito na Ucrânia e as sanções aplicadas à Rússia, o gás e os derivados do petróleo subiram em toda a Europa, provocando manifestações na Alemanha, na Espanha e na França.
Na América do Sul, o Peru impôs toque de recolher na última terça-feira (5) para conter a escalada de atos contra a alta dos preços.
Segundo o professor de relações internacionais Marcelo Suano, do Ibmec, a crise energética não decorre somente da alta dos combustíveis em todo o mundo, mas principalmente de decisões políticas de cada país.

"Isso foi apenas a gota d'água. Foi aquele ponto de transbordamento para governos que não tiveram capacidade de gerenciar internamente suas políticas energéticas", disse Suano.

Para o especialista, o problema não foi gerado apenas pelos governantes atuais, mas por uma sequência de escolhas econômicas equivocadas nesses países, incluindo o Brasil.

"Os governos dos países em crise acreditavam que poderiam resolver essas questões e agora receberam esse impacto [do conflito ucraniano]. Os preços dos combustíveis acompanham a flutuação do mercado internacional, que faz parte da lógica do mercado defendida pelos países mais liberais", indicou.

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Mesmo em um momento de aparente apatia da sociedade brasileira, o professor de direito internacional Evandro de Carvalho não descarta a possibilidade de protestos "inicialmente localizados" que venham a se espalhar pelo país.

"O que impressiona é que ainda não ocorreu isso no Brasil, uma manifestação popular. Mas acredito que há um risco", disse.

O especialista ressalta que já existe uma insatisfação latente com as seguidas altas nos preços dos alimentos. Ele afirma que famílias das classes C e D têm feito o possível para se sustentar, inclusive reduzindo o número de refeições por dia.

"Quando a população perceber que o trabalho suado que dava conta já não é mais suficiente, não vai apenas assistir de maneira impassível. Seria uma reação natural [protestar]", avaliou.

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'Ano eleitoral é combustível a mais'

Não bastasse a fervura econômica que o Brasil e o mundo vivem, as eleições nacionais de 2022 podem e já estão elevando a temperatura do debate político.
Marcelo Suano, do Ibmec, afirma que o país já vive uma crise política, que "está se intensificando".

"A crise energética está sendo usada no Brasil por lideranças políticas, que se digladiam para tirar proveito de alguma maneira. Ano eleitoral é combustível a mais", disse Suano.

Para Carvalho, da FGV, a economia sempre repercute nos resultados da eleição. Ele afirma que embora a agenda de costumes tenha ganhado relevância no debate público, é inevitável que as pautas econômicas do atual contexto brasileiro venham à tona.

"Os candidatos deverão explorar a perda do poder de compra e como isso refletiu em todo o mercado. As pessoas estão vivenciando a crise, vendo preços e o desemprego. Isso será explorado. A questão é saber se terá impacto extremamente negativo ou não na candidatura do atual presidente [Jair Bolsonaro]", disse.

Independentemente do vencedor das eleições, seja Bolsonaro, Lula ou outro candidato, o especialista aponta que a única certeza é que, no ritmo atual, o país passará por uma profunda instabilidade social se a situação não for revertida.
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