O cenário econômico no Brasil para os próximos anos, embora suscetível a fatores externos e às particularidades da política nacional e do presidencialismo de coalizão, será definido em meados de outubro, a partir da decisão que sairá das urnas, possivelmente entre os dois candidatos favoritos ao posto de presidente: Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro.
Opostos praticamente em cada aspecto sobre o futuro do país, eles simbolizam duas correntes distintas para a economia brasileira. No âmbito da politica nacional há divergências claras, como o programa de privatizações, as reformas necessárias para o Estado e o papel da Petrobras, a mais importante empresa do país.
Tratando-se de política externa, as diferenças são menores, mas as incertezas que pairam sobre o futuro da economia do país, infelizmente, não. Em um mundo cada vez mais globalizado e interligado, líderes eleitos têm a obrigação de pensar nas diversas possibilidades de acordos e oportunidades de comércio com os mais distintos atores. Para isso ocorrer, é preciso ser relevante no cenário internacional.
O país precisa de reformas, mas quais?
Não é de hoje que o debate econômico no Brasil passa pela necessidade de reformas no Estado brasileiro. Ao longo de sua campanha, Jair Bolsonaro prometeu um governo reformista, capaz de colocar o país no trilho do "desenvolvimento moderno" a partir de um programa de privatizações e da reestruturação da máquina pública.
A guinada liberal deu pouco certo, pois além da falta de apoio no Congresso Nacional, o governo demonstrou pouca habilidade política no trato com os parlamentares. O enxugamento do Estado (por meio da reforma administrativa), sob a gestão do ministro Paulo Guedes na Economia, não se concretizou. E tampouco a esperada reforma tributária, uma esperança para a classe média brasileira e para o setor industrial do país, que vive um processo de desindustrialização. Já as privatizações, quando vieram, foram poucas e com valores considerados baixos.
Para a cientista social Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), "o receituário de Paulo Guedes" não foi levado adiante pelo governo que aí está, "principalmente por falta de apoio político". Diante dessa inabilidade, o país mergulhou em uma crise inflacionária (que, em verdade, ocorre no mundo todo), caracterizada principalmente pela perda de poder aquisitivo da população.
Isso, contudo, explicou Maria do Socorro, não deve significar necessariamente que a agenda econômica "prometida" por Lula para 2022 ganhe apoio social. O ex-presidente, em outras oportunidades, ventilou a possibilidade de rever as reformas trabalhista e previdenciária. A repercussão das declarações foi bastante negativa, com importantes setores do empresariado brasileiro dizendo que Lula seria "incapaz de olhar para o futuro".
Questão de ordem no país: o futuro da Petrobras
Falar de política econômica brasileira também é tratar da importância da Petrobras para uma série de segmentos econômicos do país. A empresa é estratégica, e não apenas para o setor de energia e transporte. Nesse sentido, Lula e Bolsonaro têm visões distintas sobre o futuro da estatal, assim como de que forma ela deveria ser gerida. O petista, por um lado, disse em algumas entrevistas que a empresa deveria servir ao povo brasileiro. Já Bolsonaro, em mais de uma ocasião, defendeu a sua privatização.
Em entrevista nesta segunda-feira (11), o presidente brasileiro disse que tirou Joaquim Silva e Luna do comando da Petrobras porque a estatal precisava de um gestor "mais profissional". Embora tenha demitido Silva e Luna, ele não dá indícios de que poderia, no futuro, mudar a política de preços da empresa. Por regra, a estatal repassa aos consumidores as oscilações do mercado internacional de combustíveis. Nos últimos meses, ela aumentou os preços da gasolina e do diesel seguidas vezes, acompanhando a tendência de alta do petróleo no mundo todo.
Em ano eleitoral, Bolsonaro admite o efeito da inflação dos combustíveis em sua popularidade. Ainda na entrevista desta segunda (11), ele disse que a "Petrobras deveria aprimorar o marketing interno para se comunicar com a população". Para Maria do Socorro, é preciso olhar para a empresa com uma visão além daquela geralmente compartilhada pela dicotomia dos economistas: intervir ou não.
Segundo ela, o grande eleitorado é alheio a esse debate, e a questão da estatal, para a maioria das pessoas, traduz-se em uma questão de percepção sobre a corrupção no Estado brasileiro. Para ela, é evidente que os aumentos nos preços da gasolina e do diesel, como relatou Bolsonaro, são uma catástrofe para qualquer político, "com reflexos sobre a produção nacional e a compra de alimentos". Entretanto, os episódios de corrupção na empresa no passado recente, aliados com uma narrativa forte em grupos bolsonaristas, "ainda dominam o imaginário popular".
Nesse sentido, ela afirma que Lula tem em mãos uma "questão delicada para debater com a sociedade: a relação do Estado com a corrupção e o uso da empresa como catalisador de aliados políticos". Ela aponta que, embora o governo de Bolsonaro também tenha inúmeros episódios de corrupção passiva e ativa, as narrativas envolvendo a maior estatal do país vão mirar os governos petistas.
'Máquina estatal está em favor de Bolsonaro'
Embora Lula tenha a retórica, a cientista social Maria do Socorro aponta que Bolsonaro terá a máquina pública ao seu lado. A eleição deste ano coloca dois projetos econômicos para o país que são muito claros e opostos. Mesmo que não seja possível, ainda, determinar se a economia será um fator decisivo nas urnas para Bolsonaro ou uma arma para a oposição culpar o governo, o fato é que o presidente brasileiro está se recuperando nas pesquisas.
Esse processo, explica ela, é impulsionado pelo uso do Estado em programas assistencialistas e "pode ser interpretado como um indicativo de aprovação do trabalho do ministro Paulo Guedes e sua condução da economia brasileira". Maria do Socorro disse que "temos que olhar para as últimas benesses do governo, principalmente o Auxílio Brasil, que chega a varias famílias em um momento importante de crise".
Atualmente, 18 milhões de famílias são atendidas pelo programa. Os benefícios, cujo valor mínimo é R$ 400, são pagos a famílias em situação de extrema pobreza ou em condições similares. E como apontou a especialista, "outras medidas que foram sendo tomadas ao longo do segundo semestre de 2021, também no âmbito assistencialista, melhoraram a imagem de Jair Bolsonaro".
O presidente cresceu cinco pontos percentuais e chegou aos 30% das intenções de voto no estado de São Paulo, de acordo com pesquisa Ipespe divulgada na segunda-feira (11). Em fevereiro, o ex-capitão marcava 25%, contra 34% do ex-presidente Lula. Os números paulistas também dizem respeito ao cenário do país. Segundo pesquisa Genial/Quaest, Lula tem 45% dos votos, enquanto Bolsonaro, 31%. A diferença caiu quatro pontos desde a última enquete.
'Carta ao povo brasileiro 2.0'
Para a cientista social, "quando Lula faz essa aliança com Geraldo Alckmin, e ele precisa fazer isso para ficar além dos 30% da tradicional esquerda brasileira", o ex-presidente chama para si todos os problemas do passado, até que se chegue em uma agenda que consiga contemplar interesses tão divergentes.
"Se vai para o lado da estatização, ele ganha campo na esquerda, e o Psol promete apoio, principalmente se for feita uma revisão das reformas. Essa é uma base extremamente cara. É preciso ver o programa e se ele tem jogo de cintura para alinhar os interesses de sua base de apoio aos de parte dos empresários nacionais", afirmou.
Maria do Socorro relembrou que Lula "foi capaz de fazer essa aliança de classes no passado". Mas, desta vez, "pode haver afastamento por parte de um eleitorado que nunca conversou com o ex-presidente Lula, os empresários", que não desejam uma revisão nas reformas aprovadas pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Essa classe, inclusive, faz lobby por mais reformas liberais, principalmente em um Congresso dominado pelo centrão.
"Esse é o grande ponto da questão do presidente Lula", diz Maria do Socorro. "Ele precisa ampliar o seu espectro dentro da esquerda e, ao mesmo tempo, atrair a direita". Uma aliança com Alckmin, segundo ela, é uma nova "Carta ao povo brasileiro", principalmente em se tratando das sinalizações importantes no âmbito da política econômica que o Brasil poderá dar.
"O PT está unindo dois interesses de segmentos sociais importantes. A democracia liberal permite essa atuação conjunta, por mais que um grupo político tenha que fazer muitas concessões. É preciso atender a população mais carente, atender a classe média, e controlar o lado revolucionário de outras esquerdas. Lula é um candidato capaz de fazer isso", comentou.
O que opõe Bolsonaro e Lula na política externa?
Ainda sobre o futuro da economia no Brasil, é preciso pensar também, sobretudo em um ambiente cada vez mais globalizado, nas opções que se apresentam a partir das mudanças geopolíticas que o mundo está vivendo. Para Marcos Cordeiro Pires, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), especialista em relações internacionais, o governo de Jair Bolsonaro errou muito na condução de sua política externa, principalmente sob a gestão de Ernesto Araújo.
Segundo ele, "essa gestão foi desastrosa para a diplomacia brasileira, pois se baseou mais em pressupostos ideológicos e de afinidades pessoais do que no interesse nacional". O professor entende que o Brasil mantém hoje uma pequena interlocução com a União Europeia (UE) e com o governo de Joe Biden, além de ter acumulado problemas com a China.
"Além disso, desestruturou as articulações regionais ao atacar diretamente dirigentes eleitos de diversos países latino-americanos", comentou. Para Marcos Cordeiro Pires, "a atuação do Brasil no BRICS deixou de se pautar pela multipolaridade e se concentrou em assuntos comerciais e financeiros". Em síntese, explica o professor, "a diplomacia brasileira transformou o país em um 'pária' internacional".
Questionado sobre a chance de algo mudar com uma possível vitória de Lula, ele entende que "é preciso considerar que a eventual eleição [de Lula] será fruto de um amplo leque político, o que necessariamente levará seu governo para posições mais centristas". Nesse sentido, "é possível o resgate das relações com a União Europeia, além de manter um diálogo de alto nível com os Estados Unidos e liderar a retomada do processo de integração sul-americana".
Para o professor da Unesp, entretanto, o principal efeito de Lula na política externa seria "conferir um maior peso político ao grupo do BRICS", além de avançar nas "negociações atuais para a adesão à OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. Nesse sentido, o país poderia voltar a ser relevante nas grandes discussões mundiais, como a pauta do desenvolvimento, da mudança climática, da preservação do meio ambiente, e na luta por uma ordem internacional mais equilibrada e multilateral".