"Um só está bom [risos]", resumiu o político, conhecido por ser um fã notório da folia.
Ritos, ciclos e tradições
"Temos que lidar com o que está acontecendo como uma redução de danos diante do que aconteceu com o Carnaval em virtude da pandemia. Porque o Carnaval não é uma festa que deve ser mensurada, exclusivamente, a partir do retorno que pode dar em relação à economia, ao turismo etc. Existem componentes simbólicos do Carnaval que são muito fortes. O Carnaval é uma festa que, simbolicamente, está muito vinculada ao calendário da Quaresma, à Páscoa. Podem existir, evidentemente, outros eventos e devem existir outros eventos ao longo do ano que, de repente, até tenham algum tipo de relação com o Carnaval. Mas [duplicar] o Carnaval propriamente dito, eu acho que não", avalia.
"Não olho pelo prisma do viável: meu ponto de vista é cultural. Carnaval só há um, e obedece, por mais estranho que pareça, ao calendário litúrgico. É o início do período da Quaresma católica que determina a data do Carnaval. Embora foliões não sejam necessariamente religiosos, o Carnaval tem seus ritos próprios e um ciclo. A alegria começa nas festas de fim de ano e culmina no Carnaval. Vejo o desfile das escolas de samba, por exemplo, como uma celebração da vida, não como um espetáculo a ser vendido a turistas. É muito bom que gente do mundo inteiro se sinta atraída pelo que as escolas apresentam, mas é preciso respeitá-las. Mexer em sua tradição para atrair turistas e faturar não é recomendável", analisa a coautora do livro "Três Poetas do Samba-Enredo: Compositores que Fizeram História no Carnaval".
"Este Carnaval de abril não é um teste porque não houve o Carnaval de fevereiro. Fazer dois Carnavais significa dois desfiles de escolas de samba, e não foi o que aconteceu; na verdade foi um adiamento do Carnaval. Não é um ano que teve dois Carnavais. Acho que se esse Carnaval de abril der certo, pode-se pensar em um evento com blocos e escolas, um evento que fosse uma espécie de lançamento ou fechamento do ciclo do Carnaval. Os dois Carnavais acabam competindo um com o outro e um esvaziando o outro. Pode-se organizar dois Carnavais. Mas não sei se é desejável. Um Carnaval por ano, essa coisa cíclica do Carnaval anual é importante. É viável, mas não acho recomendável", aponta ele, que também é autor de diversos livros sobre o tema — entre os quais "O Livro de Ouro do Carnaval Brasileiro".
Produção e economia do Carnaval
"O desfile de escola de samba, por exemplo, demanda um tempo bastante considerável para ser preparado. Não tem condições de você fazer dois desfiles de escola de samba, um em fevereiro e o outro em junho. Isso é uma loucura. Desfile de escola de samba demanda a preparação de um enredo, a elaboração de um samba de enredo, um trabalho longo e minucioso de carnavalescos, figurinistas, costureiras, escultores, marceneiros", enumera.
"Em recente estudo da Fundação João Goulart, da Prefeitura do Rio, 'Carnaval de Dados', foi numericamente mostrado o impacto do Carnaval na economia carioca. Acho que a cidade precisa retribuir essa contribuição das escolas de samba e blocos, apoiando-os e sobretudo respeitando-os. Pensar só em faturamento, por exemplo, é desrespeito. Por exemplo: a cidade não está vivendo neste abril em clima de Carnaval, como acontece em fevereiro. Então o sambista, que é um ser humano, trabalhará no dia 22 e terá de dar nó em pingo d'água para desfilar naquela madrugada de sexta para sábado. A isso eu chamo falta de respeito", critica.
"Não sei se pode favorecer o turismo. Pode desfavorecer, na medida em que tenha dois Carnavais, porque isso pode dividir muito as pessoas. Quando você tem um grande evento, esse evento acaba catalisando o público. As pessoas que se interessam em vir motivam outras pessoas também. Não é à toa que grandes festivais, como o Rock in Rio, acontecem periodicamente, e não todo ano. Uma coisa que começa a ser muito repetitiva acaba ficando um pouco esvaziada. Não vejo vantagem imediata em se ter dois Carnavais. Talvez haja menos gente em dois períodos do ano", conclui.