Panorama internacional

Após 13 anos da 1ª cúpula, BRICS se prepara para novo ciclo com 'adeus à hegemonia' do Ocidente

Na data de celebração do encontro que selou a aliança entre os cinco países, a Sputnik Brasil explica a evolução do BRICS nos últimos anos e as perspectivas do grupo em uma nova ordem mundial. Segundo especialistas, a atual conjuntura política e econômica global reforça a necessidade de ampliação e unidade.
Sputnik
Treze anos separam dois mundos distintos. O planeta é o mesmo, mas o momento, os interesses e as disputas no tabuleiro global são outros. Em 16 de junho de 2009, os então líderes de Brasil, Rússia, Índia e China realizaram, na cidade russa de Ekaterinburgo, a primeira cúpula do BRIC. Quase uma década e meia depois, com a incorporação da África do Sul, em 2011, os presidentes Jair Bolsonaro, Vladimir Putin, Xi Jinping e Cyril Ramaphosa e o primeiro-ministro Narendra Modi se preparam para a próxima reunião do BRICS, de forma virtual, no dia 24.
Se naquela época as nações emergentes visavam à integração e à expansão financeira na esteira da crise de 2008, atualmente o agrupamento busca uma reaproximação e maior resistência às adversidades e hostilidades geopolíticas.
Para Ana Elisa Garcia, diretora do think thank BRICS Policy Center — vinculado ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio) —, as mudanças em 13 anos se deram tanto do ponto de vista da economia global e das relações internacionais como da conjuntura política e econômica de cada um dos membros do grupo.
Ela lembra que, em 2009, os países impulsionavam o crescimento econômico por meio de grandes projetos, instituições fortes e bancos públicos e de desenvolvimento, em meio à crise internacional provocada pela explosão da bolha financeira nos Estados Unidos.

"Hoje o momento é muito diferente. O BRICS deixa de ser um grupo fortemente voltado à agenda econômica, à maior participação nas instituições financeiras multilaterais, como o FMI [Fundo Monetário Internacional], para ter um aspecto geopolítico mais preponderante", afirmou Garcia à Sputnik Brasil.

Cerimônia de encerramento do Fórum Empresarial do BRICS. Foto de arquivo
Segundo a especialista, o ponto de virada ocorreu antes mesmo do conflito na Ucrânia. Com a evolução tecnológica e militar da China, os EUA passaram a ter uma postura mais agressiva na Ásia, explica a diretora do BRICS Policy Center. Sob a justificativa de defender a segurança nacional, Washington vem promovendo alianças na região e ampliando o cerco econômico a Pequim.
A crise ucraniana consolida, então, a preocupação ocidental com o BRICS e seus membros, de uma maneira que não havia no passado, aponta Garcia.
"As forças do Ocidente não estão necessariamente abertas ao diálogo, mas forçadas a dialogar. Temos visto a velha tática de dividir para reinar, como a tentativa dos EUA de cada vez mais se aproximar da Índia, não só politicamente, mas também do ponto de vista econômico, até mesmo na pandemia", afirma.
Com relação ao Brasil, os EUA mantiveram relativo distanciamento, na visão da especialista. Mesmo no período em que Donald Trump esteve no poder concomitantemente a Bolsonaro, apesar do alinhamento ideológico, "não era central ou importante" uma aliança com o Brasil, segundo ela.

"No momento mais grave da crise com a Venezuela, o Brasil não apoiou uma possível intervenção americana, para evitar uma crise no continente. Com a África do Sul, não vemos uma aproximação tão grande, apesar das tentativas de contrapor a expansão da China no continente africano. Já China e Rússia foram mantidas em um lado mais hostil, com mais desconfiança", disse.

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Novo ciclo 'não terá hegemonia do Ocidente'

O especialista em relações internacionais Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), avalia que o Ocidente é "muito refratário a qualquer mudança no status quo". Segundo ele, no entanto, a nova ordem revela uma perda de poder, tanto dos EUA como da União Europeia (UE).
Ele diz que já está havendo uma "cooperação mais horizontal, bem diferente da observada no século XX sob o comando do eixo transatlântico (EUA/UE)".

"Um ciclo está terminando e o novo não terá a hegemonia do Ocidente. A cooperação já está ocorrendo, mesmo com as assimetrias existentes no BRICS, por exemplo", afirmou Pennaforte à Sputnik Brasil.

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Para o professor, o continente africano não pode ficar fora de "iniciativas que se proponham antissistêmicas". Ele diz que, "ao contrário do desprezo do Ocidente, a África possui grande mercado consumidor".
O especialista aponta que, sob bases justas e em conformidade com a proposta do BRICS, o continente continuará fornecendo matérias-primas para o desenvolvimento global.

"Um continente que sofreu os impactos da colonização e até hoje colhe os seus efeitos deve fazer parte de um projeto que aglutine visões e propostas que estejam de acordo com a visão multipolar", disse.

No conflito ucraniano, Pennaforte acredita que "não encampar a demagógica atuação dos EUA e da UE contra a Rússia foi um ponto importante".
"Levar o mundo ao colapso econômico para satisfazer interesses geopolíticos de grupos econômicos e militares é uma grande insensatez", afirmou.
O professor avalia que, sob o ponto de vista econômico, a luta por um mundo multipolar e uma ordem mundial mais justa continua na cartilha do grupo. Para ele, o BRICS demonstra que "não se pode impor mais as vontades de um país ou grupo de países".
"Estamos em uma nova etapa das relações internacionais", indicou.
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BRICS receberá mais 'letras'?

No dia 19 de maio, durante videoconferência entre os ministros das Relações Exteriores dos cinco países do BRICS e representantes de outras nações convidadas, o ministro chinês, Wang Yi, ressaltou a necessidade de o grupo "demonstrar ainda mais abertura e inclusão".
Segundo ele, a solidariedade e a cooperação com os países emergentes e em desenvolvimento é uma "excelente tradição" e "um caminho inevitável" para o desenvolvimento e o crescimento do BRICS.

"O lado chinês propõe iniciar o processo de expansão do BRICS, discutir os padrões e procedimentos dessa expansão e formar gradualmente um consenso. Isso ajudará a demonstrar a abertura e inclusão dos países do BRICS, atender às expectativas dos países de mercado emergente e daqueles em desenvolvimento, e aumentará a representatividade e influência dos Estados-membros do BRICS, fazendo maiores contribuições para a paz e o desenvolvimento mundial", disse Wang Yi na ocasião.

O presidente chinês, Xi Jinping, participa de reunião virtual com seu equivalente russo, Vladimir Putin, em 15 de dezembro de 2021. Foto de arquivo
A Argentina, uma das nações convidadas na reunião de ministros do BRICS, já manifestou o interesse de se juntar ao agrupamento. No evento, também estavam chanceleres de Arábia Saudita, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Nigéria, Senegal e Tailândia.
Ana Garcia, diretora do BRICS Policy Center, afirma que o BRICS, embora tenha criado e reforçado instituições, "não conseguiu manter uma agenda unificada" ao longo do tempo. E a tentativa de ampliação do grupo seria "importante para reciclar e revitalizar a aliança".
Segundo Pennaforte, professor da Ufpel, "é notório o caráter estratégico" da iniciativa chinesa de expansão. Ele afirma que quanto mais parceiros, maior será a influência do grupo.

"E os chineses sabem disso. Eu, particularmente, vejo com bons olhos a expansão do BRICS. O momento é de aglutinar forças para alterar a velha ordem do século, ou seja: dar adeus à hegemonia do mundo transatlântico", indicou.

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