A XIV Cúpula do BRICS teve início nesta quinta-feira (23), com líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul se reunindo de maneira virtual. A reunião tem a China como anfitriã e já em seu primeiro dia abordou a questão das sanções contra a Rússia, aplicadas pelos EUA e países europeus em resposta à operação militar da Rússia na Ucrânia.
Em discurso na cúpula, o presidente chinês, Xi Jinping, criticou as sanções contra a Rússia, acusando o Ocidente de fomentar uma crise global. Ele também defendeu um maior apoio do agrupamento ao presidente russo, Vladimir Putin, e exortou os demais membros a se oporem às sanções.
Tais declarações, somadas à recente proposta do presidente chinês de expandir o BRICS, levantaram a suspeita de que a China, na verdade, planeja aumentar sua influência sobre os países do grupo. Há também a desconfiança de que o governo chinês tenha a pretensão de fazer do BRICS uma força de contraposição ao Ocidente. Segundo noticiou Jamil Chade, colunista do UOL, esse temor já existe nos bastidores do Itamaraty.
Para saber se há fundamento nessa suspeita, a Sputnik Brasil entrevistou Valdir Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo e membro do Grupo de Estudos sobre Ásia (Geasia) do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri-USP) e do Grupo de Estudos sobre os BRICS da Universidade de São Paulo (GEBRICS/USP).
Para Valdir Bezerra, não há dúvidas de que a China tem a ambição de elevar sua influência sobre o agrupamento. Ele destaca que ao mesmo tempo em que se posiciona como o país mais entusiasta quanto a uma provável expansão do BRICS, "a China também responde por 71% do peso econômico do bloco, o que a torna uma líder natural".
"No plano intragrupo, uma expansão do BRICS também significaria uma vitória diplomática chinesa frente a ressalvas políticas levantadas pelos demais membros, ressalvas essas que datam desde 2017, quando das primeiras discussões a respeito do assunto. Ademais, possíveis novos membros de um BRICS estendido passariam a ter acesso mais facilitado a recursos do Novo Banco de Desenvolvimento, com sede justamente na China, e cujos princípios de alocação financeira seguem a lógica chinesa de 'não condicionalidade' (seja ela política ou econômica) atrelada a seus empréstimos", explica Valdir Bezerra.
Em contraponto, Bezerra discorda de que o agrupamento possa ser visto como uma contraposição ao G7. Isso porque ele já é considerado há muito tempo um desafio ao poder dominante do G7. "Antes mesmo de discussões sobre uma expansão do BRICS virem à tona (seja mais recentemente ou em 2017), alguns círculos políticos e intelectuais no Ocidente já enxergavam o grupo como uma espécie de desafio àquela ordem internacional formulada no pós-guerra, justamente por conta de seus membros procurarem ampliar o seu poder decisório em mecanismos de governação global, sobretudo em instituições como o Banco Mundial e o FMI [Fundo Monetário Internacional]. Não é de hoje que o BRICS manifesta sua insatisfação quanto ao poder dominante do G7, e particularmente dos Estados Unidos, em organizações internacionais."
Portanto, segundo Bezerra, uma eventual ampliação do grupo representaria somente a exportação desse discurso para novas audiências, "para outros países também insatisfeitos com o atual 'estado de coisas', e não exatamente uma reformulação radical da geopolítica global".
Por fim, Bezerra descarta qualquer ideia de que o grupo tenha alguma ambição de formar uma aliança de caráter militar ou mesmo se contrapor à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). "Vale lembrar também que, entre seus atuais membros, somente a Rússia encontra-se envolvida em um conflito geopolítico mais direto com a aliança atlântica. Entretanto, o que se pode dizer é que, do ponto de vista geopolítico, uma provável expansão do BRICS ampliaria, sim, a fileira de países organizados em torno da crítica à hegemonia ocidental em assuntos e em organizações internacionais (como é o caso do G7 dentro do FMI), representando, não obstante, um importante fórum político a servir de ferramenta contra tentativas por parte dos Estados Unidos e de seus aliados de usar justamente sua posição privilegiada no sistema para isolar outras nações que atuem em desacordo com os interesses de Washington", finaliza Valdir Bezerra.