O volume de comércio entre Brasil e Rússia, no ano de 2021, cresceu mais de 70%. No primeiro semestre deste ano, o crescimento em relação ao mesmo período de 2021 foi de 78%. Em termos monetários, o recorde estabelecido em 2008 pode ser quebrado em 2022, principalmente se começar a entrega de óleo diesel da Rússia anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro.
As informações são do portal do Conselho Russo para Assuntos Internacionais. A publicação enfatiza que, sempre que ocorre uma crise global, há a tendência de que os países atinjam picos em seu comércio bilateral. Esse padrão está associado ao aumento dos preços de certas commodities. O problema é a sustentabilidade dessa tendência. Embora seja um aumento circunstancial, existem tendências positivas no longo prazo.
Conforme Gilberto Ramos, presidente da Câmara Brasil-Rússia de Comércio, Indústria e Turismo, relatou à Sputnik Brasil, já estão sendo adotadas medidas para mitigar os efeitos das sanções dos EUA sobre a economia russa e seus parceiros. Além disso, ele explicou que os investimentos em logística e infraestrutura, bem como a ampliação de estratégias para atrair investidores, fazem parte de um leque de iniciativas que podem sustentar o crescimento das relações comerciais entre os dois países.
Apesar do crescimento, o comércio da Rússia com o Brasil enfrenta vários desafios: uma estrutura pouco diversificada; pouca participação de pequenas empresas; problemas logísticos que podem surgir devido à imposição de sanções ocidentais; e excesso de regulamentação de ambos os lados. Para Gilberto Ramos, uma possível saída para esses entraves passa por "expandir as relações de investimentos em setores de infraestrutura".
Nesse sentido, ele citou os diversos eventos que são organizados por representantes de Moscou e Brasília com o objetivo de reunir "serviços e empresas, assim como produtores de tecnologias, no âmbito de desenvolver a infraestrutura entre os países". Gilberto Ramos entende que existem setores que cresceram e que fazem parte dos mais tradicionais, como os de soja, carne e trigo.
O trabalho a ser feito, portanto, defende ele, "é incentivar a vinda de mais empresas russas ao Brasil e vice-versa", especialmente nos segmentos de armazenamento, logística e produtos de alto valor agregado. Ele apontou que a Gazprom, estatal de gás da Rússia, "está querendo investir em energias renováveis, como solar e eólica" e olha para o Brasil com boas perspectivas. "Existe uma relação boa, mas é preciso investir em produtos tecnológicos e de valor agregado", comentou.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os preços dos fertilizantes agora representam cerca de 40% do valor das principais safras de exportação do Brasil, com a dependência do Brasil das importações de fertilizantes em cerca de 85%. A situação é desfavorável para a economia brasileira, apesar de o país ter adotado o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), destinado a reduzir a dependência de fornecedores estrangeiros. O país, portanto, não poderá abandonar completamente a compra de fertilizantes, e é improvável que recuse os suprimentos da Rússia nos próximos anos.
Outra área muito promissora é a cooperação entre a Rússia e o Brasil no setor de petróleo e gás. Para a produção, o Brasil compra petróleo no mercado mundial e também importa o diesel. Gilberto Ramos apontou que o crescimento desse mercado em especial "depende das condições comerciais, pois é uma questão de preço, que está se aproximando de um valor competitivo". Segundo ele, um sistema de precificação melhor poderia beneficiar ambos os países porque a economia brasileira depende das estradas, e a Rússia pode ajudar nesse sentido.
Durante a visita de Bolsonaro a Moscou, em fevereiro, muitos meios de comunicação ocidentais começaram a repetir ativamente a tese de que a participação da Rússia nas exportações brasileiras é de apenas 0,6%, com o país ocupando a 36ª posição na classificação de compradores de produtos brasileiros. Isso foi apresentado como uma suposta insignificância de Moscou, mas que ignora que o superávit comercial geral do Brasil (de US$ 61,4 bilhões em 2021) depende em grande medida do comércio com a Rússia, que controla os preços de suprimentos de fertilizantes.
Sem a economia russa, é certo que não haveria a grande quantidade de agroexportações que alimenta a economia brasileira. Em 2021, o volume de exportações do Brasil para a Rússia foi de US$ 1,58 bilhão [R$ 8,32 bilhões]. A soja respondeu por 22% desse valor; carne de aves, 11%; café em grão, 8,4%; amendoim, 8,2%; açúcares e xaropes, 8%; e carne bovina, 7,3%. Já o volume de entregas da Rússia para o Brasil em 2021 atingiu US$ 5,69 bilhões, um aumento de 107,4%. Neste ano, o valor total das exportações russas para o Brasil permitiu que Moscou passasse do sexto para o quinto lugar no ranking de países em termos de fornecimento ao Brasil.
"Os canais de logística precisam ser aprimorados. O que existe hoje é pouco. Navios não podem chegar em razão das muitas sanções. Uma barbaridade. Com relação a preço, existe muita especulação, mas é preciso formar preços que sejam interessantes, tanto no diesel como nos fertilizantes, para Moscou e Brasília. A Rússia foi obrigada pelas sanções a expandir o seu mercado consumidor", disse Gilberto Ramos.
Sobre o BRICS, Gilberto Ramos explicou que, durante o congresso mundial de carbono, ele conversou com o presidente do NDB (sigla em inglês para Novo Banco de Desenvolvimento), Marcos Prado Troyjo, sobre alguns projetos. Ele disse que, por enquanto, o que estava destinado à Rússia em relação a investimento de infraestrutura pode migrar para o Brasil. "Há uma consolidação do BRICS que está acontecendo", disse.
Gilberto Ramos entende que o grande problema a ser resolvido neste momento por empresários brasileiros e russos é "a logística, pois é preciso fugir das sanções". Porém, segundo ele, essa é uma questão que "deve ser resolvida com o tempo", dado que já "existem algumas alternativas para os negócios".
Não está claro como terminará a incerteza no fornecimento de certos bens industriais à Rússia. Moscou segue com interesse no fornecimento de mercadorias, inclusive para substituir as empresas ocidentais que saem do mercado russo. Alguns desses bens são produzidos no Brasil, e nem todas as empresas de manufatura são totalmente dependentes de componentes e tecnologias ocidentais.