Dugin, que seguiria no carro Toyota Land Cruiser com a filha, acabou embarcando em outro automóvel.
Nenhuma hipótese de investigação está descartada, inclusive a de que o possível artefato explosivo era direcionado a ele.
Mas, afinal, quem é o Sr. Dugin, e ele realmente tem essa fantástica influência na política interna e externa russa contemporânea que o Ocidente parece pensar que ele tem?
A mídia ocidental não poupou tempo para espremer sensacionalismo no possível assassinato de Daria Dugina, com artigo após artigo sobre sua morte caracterizando o pai da jornalista de 29 anos, Aleksandr, como "aliado" de Vladimir Putin, "assessor mais próximo" ou até mesmo o "cérebro" por trás do pensamento geoestratégico do presidente da Rússia.
Daria Dugin no estúdio de rádio Sputnik no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em 2022
© Sputnik / Aleksandr Kryazhev
/ Quem é o Sr. Dugin?
Dugin, de 60 anos, está no radar da grande mídia ocidental há quase uma década e, desde o início da crise ucraniana em 2014, tem sido frequentemente descrito como um importante pensador político russo com laços estreitos com o Kremlin ou mesmo com Putin, pessoalmente.
Há alegações que são instáveis na melhor das hipóteses, e especulação no nível dos tabloides na pior das hipóteses.
O pensador e acadêmico surgiu pela primeira vez no cenário político russo no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, quando marcou oposição às reformas políticas, sociais e econômicas liberais e pró-ocidentais que estavam sendo realizadas por Mikhail Gorbachev e Boris Yeltsin.
Em 1993, Dugin cofundou o Partido Nacional Bolchevique (PNB) – um movimento político radical e de contracultura que busca fundir a aparentemente irreconciliável dupla ultranacionalismo e comunismo, juntamente com o dissidente Eduard Limonov, e o músico underground Egor Letov.
O partido ficou conhecido por suas atividades de "ação direta", incluindo ataques a políticos e outras figuras públicas em todo o espaço pós-soviético, ocupações de prédios governamentais e escritórios do partido para protestar contra o neoliberalismo, reformas econômicas, corrupção, expansionismo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e outras questões.
O PNB acabou sendo banido pelos tribunais russos em 2007 por causa de suas atividades radicais.
Dugin deixou o PNB em 1998, em meio a diferenças irreconciliáveis com Limonov, e tornou-se conselheiro do político do Partido Comunista e então presidente da Duma (câmara baixa da Assembleia Federal russa), Gennady Seleznev.
Durante este período, ele se tornou chefe do chamado "Centro de Perícia Geopolítica", que atuava em questões de segurança nacional na Duma, e também lecionou sobre geopolítica para o Estado-Maior russo.
A partir do final da década de 1990, Dugin tornou-se um proponente do eurasianismo – uma ideologia altamente eclética que consiste em nacionalismo, fé ortodoxa, ideias e visões socialistas e antimodernistas, misticismo e oposição marcada ao liberalismo social e ao capitalismo ao estilo dos EUA.
Em 2009, Dugin escreveu a "Quarta Teoria Política", um tratado sobre uma “nova” ideologia política projetada para suceder as ideologias do liberalismo, do socialismo e do fascismo de estilo ocidental do século XX, à luz dos desafios posta pelo pós-modernismo ocidental.
Este último, por sua vez, foi descrito em seu livro como uma "mistura mórbida da sociedade do espetáculo e da cultura do consumo" buscando "a suprema dominação mundial" sobre a qual uma "guerra" deve ser travada.
O 'Ajudante, Aliado e Cérebro' de Putin?
Embora alguns dos pontos de vista de Dugin possam se assemelhar superficialmente aos do presidente da Rússia – especialmente porque os últimos são frequentemente interpretados pela mídia ocidental, pintando-o como um radical de extrema-direita ou extrema-esquerda –, uma inspeção mais detalhada revela diferenças cruciais e narrativas.
Por um lado, Putin não é socialista, e as políticas do governo russo foram firmemente enraizadas nos princípios do livre mercado ao longo de seu mandato.
Em segundo lugar, ao contrário de Dugin, que sustenta a URSS em um pedestal como uma expressão do "sonho russo", e que elogiou longamente Vladimir Lenin e Joseph Stalin, Putin se distanciou da URSS e criticou consistentemente as políticas dos bolcheviques, especialmente Lenin, culpando o revolucionário pelas "bombas-relógio" que ele diz terem sido colocadas sob a Rússia, que teriam culminado na destruição da União Soviética.
Putin, ao contrário de Dugin, não defendeu uma abordagem "eurasianista" das relações com os vizinhos da Rússia, rejeitando a visão deste último de um império que se estende do Extremo Oriente às costas do Atlântico em favor de laços comerciais e econômicos estreitos com a União Europeia (UE).
Longe de ser um leal ou porta-voz do Kremlin, Dugin critica regularmente Putin e o governo russo sobre o que ele considera suas deficiências.
Em 2014, Dugin pediu uma linha mais dura na crise no Donbass, enquanto Moscou buscava chegar a um acordo negociado, com suas críticas contribuindo para sua demissão de seu cargo de professor na Universidade Estadual de Moscou no mesmo ano.
Dugin também atacou as elites da Rússia por sua natureza excessivamente fragmentada e suscetibilidade à influência ocidental.
Em uma entrevista de 2019, Dugin elogiou Putin por "salvar a Rússia", mas acrescentou que achava que “nenhum de seus sucessos atingiu um ponto de irreversibilidade".
Já em outra entrevista de 2015, Dugin revelou que não conhecia o presidente da Rússia pessoalmente, não tinha influência sobre ele e nunca recebeu resposta a nenhuma das cartas que enviou ao presidente.
Se não é o 'Cérebro de Putin', então quem ele é?
Dugin não é o "cérebro de Putin", tampouco seu assessor, conselheiro secreto ou mentor.
O que ele é é um importante intelectual russo, filósofo político e pensador contemporâneo que ganhou destaque durante os anos turbulentos do colapso da URSS e conseguiu permanecer política e publicamente relevante por mais de 30 anos, além de manter uma vasta produção acadêmica.