A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) esteve frente a frente, nesta segunda-feira (19), com os representantes da empresa TUV SUD, que emitiu um laudo de estabilidade para a barragem que rompeu em 2019, matando 272 pessoas na cidade de Brumadinho, em Minas Gerais.
De um lado, representantes de 183 familiares de vítimas da segunda maior tragédia industrial do século XXI. Do outro, a empresa alemã de certificação, que apresentou, em dezembro de 2018, uma declaração positiva de estabilidade da barragem B1 da mina Córrego do Feijão.
Quatro meses depois do colapso do reservatório, surgiram dúvidas sobre a veracidade das informações contidas no documento emitido pela TUV SUD. Investigações do Ministério Público, da Polícia Federal e de três comissões parlamentares de inquérito (CPIs) apontaram, posteriormente, que o laudo não atendeu aos critérios técnicos de segurança.
Ainda que seja notório, conforme disseram à Sputnik Brasil os advogados da Avabrum Maximiliano Garcez e Juliana Braga, que a empresa europeia colocou "o lucro acima de tudo", tendo em vista que era necessário parar as atividades da mina imediatamente, a TUV SUD se recusou a reconhecer sua culpa na tragédia. Na audiência desta segunda-feira (19), Maximiliano Garcez relatou que a empresa chegou a falar em "regret", palavra que ele interpretou como "arrependimento", mas que, para os alemães, significava "condolências".
A diferenciação no termo é importante, explica Garcez, apontando que "arrependimento" significa também uma confissão de culpa. A TUV SUD, entretanto, por meio de seu advogado, Florian Stork, explicou que a empresa não se considera responsável legal pela tragédia industrial que vitimou 272 inocentes, pois o laudo de segurança elaborado pela empresa não teria falhas. Com esse discurso, eles apenas lamentaram o incidente.
A partir de agora, com o fim da primeira audiência, as partes terão 90 dias para apresentar novos documentos, incluindo informações que demonstrem com mais detalhes a comunicação entre o presidente da TUV SUD, Chris Peter Mayer, e os funcionários da empresa no Brasil e informações sobre o modo como a empresa alemã se comunicava antes do dia 25 de janeiro de 2019 com os funcionários brasileiros.
Conforme destacou Maximiliano Garcez, esse ponto precisa ser explorado pela ação da Avabrum, pois vale lembrar que a TUV SUD se recusou a revelar dados sobre as viagens de Chris Peter Mayer. Na audiência, Alexandra Andrade e Maria Regina da Silva, da Avabrum, disseram que, "sem a terrível crueldade da TUV SUD em aceitar a pressão da Vale e emitir um laudo fraudulento de segurança", as 272 mortes teriam sido evitadas.
No processo judicial em curso na Alemanha, a empresa é acusada de ter produzido, de forma dolosa, uma "Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) — da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, de propriedade da mineradora Vale S/A". A TUV SUD certificou de modo fraudulento a barragem como segura e estável em setembro de 2018, embora esta não tivesse as características necessárias para tanto, diz a acusação.
Para Maximiliano Garcez, é importante enfatizar que a presença da Avabrum na corte alemã reforça a necessidade de responsabilização judicial da empresa certificadora pelo maior assassinato industrial do Brasil e segundo maior do mundo no século XXI.
"No plano internacional, buscamos mais que a compensação e responsabilização criminal: almeja-se sensibilizar não apenas a corte alemã, mas a comunidade internacional da dor e do sofrimento diuturnos daqueles que perderam seus entes queridos de forma abrupta e violenta", disse.
Em sua avalição, "a punição precisa ter a envergadura necessária para que exista uma mudança radical na maneira como empresas multinacionais de certificação de segurança de grandes obras tratam a vida humana como desprezível em países em desenvolvimento. Trata-se de um neocolonialismo corporativo, com um padrão de atuação razoavelmente decente em países ricos e outro terrível em países menos desenvolvidos, por conta da impunidade que desejamos impedir que persista".
A tragédia em Brumadinho
Quando a barragem da mina Córrego do Feijão se rompeu, foram derramados 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro sobre pessoas, sobre o rio Paraopeba e sobre toda a natureza. A ruptura deu vazão a um "tsunami" de lama que correu a cerca de 100 km por hora, destruindo tudo pela frente, causando o que se tornou a maior tragédia humanitária do Brasil. Além de causar a morte de 272 pessoas, a lama acabou atingindo o principal manancial da região, o rio Paraopeba, que hoje é contaminado com metais pesados.
Atualmente, de acordo com a Agência Nacional de Mineração, existem 63 barragens em risco no Brasil, três em estado de alerta máximo. Antes de Brumadinho, em 2015, uma barragem se rompeu em Mariana, também em Minas Gerais, causando devastação ambiental e a morte de 19 pessoas.
Para Maria Regina da Silva, da associação dos familiares das vítimas, "mesmo depois de 272 pessoas enterradas vivas em Brumadinho, não há segurança alguma para os trabalhadores e nem para a comunidade".