Panorama internacional

Especialistas minimizam voto do Brasil contra referendos da Rússia

A posição do Brasil a favor de resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a Rússia não representa uma guinada antirrussa na política externa brasileira. Especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil apontam que ela segue uma tradição da diplomacia brasileira e também sofre influência da pressão dos Estados Unidos.
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No documento, os países ocidentais pedem a todos os Estados, organizações internacionais e estruturas especializadas que fazem parte da ONU que não reconheçam mudanças nos status das "regiões de Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporozhie".
A resolução também pede que Moscou retire imediatamente suas forças da Ucrânia e condena a Rússia por "organizar referendos" e por "uma tentativa de anexar" as repúblicas populares de Donetsk (RPD) e Lugansk (RPL) e as regiões de Kherson e Zaporozhie.
Dos países do BRICS, o Brasil foi o único a votar a favor da resolução patrocinada pelos Estados Unidos e potências ocidentais contra a Rússia diante do conflito na Ucrânia. Índia, China e África do Sul se abstiveram. Em outras votações, o Brasil evitou apoiar resoluções contrárias à Rússia, fosse por abstenção ou voto contrário.
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O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, avalia que "o Ocidente usou sem vergonha métodos de terror diplomático" para vencer a votação.
"Só com essa chantagem aberta, com essas ameaças, foi possível assegurar resultados. Sabemos perfeitamente bem que a declaração dos americanos de que 'eles não persuadem ninguém, todos votam por si mesmos' é mentira. E eles também sabem isso", disse o chanceler russo.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Pedro Costa Junior, professor de relações internacionais das Faculdades de Campinas (Facamp) e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a votação é realizada em meio a um "jogo de poder que envolve uma reorganização da Eurásia e da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]".
Segundo ele, a integração dos territórios libertados à Rússia faz parte de um reordenamento mundial, que tem no pacto sem limites entre Rússia e China um pilar fundamental.
"O Ocidente vai se mexendo como pode e a Eurásia vai mexendo as peças", destaca Costa Junior.
Valdir Bezerra, pesquisador do Grupo de Estudos sobre os BRICS (Gebrics) da USP, acredita que a pressão dos Estados Unidos foi "um fator significativo" na votação na ONU e "pode ter balançado um ou outro país a apoiar a resolução condenatória de quarta-feira [12]".
"Para o Ocidente, de um modo geral, é importante tentar demonstrar que a Rússia estaria cada vez mais isolada da comunidade internacional, e a ONU é uma plataforma-chave para isso", explica.
O especialista avalia que a posição do Brasil não indica que pode haver uma mudança nas relações com a Rússia.
"O Brasil seguiu o mesmo tipo de comportamento que teve em março deste ano, quando também apoiou uma resolução que criticava as ações da Rússia na Ucrânia. Apesar de ter sido uma movimentação simbólica, do ponto de vista prático não há que se esperar mudanças drásticas nas relações do país com a Rússia, uma vez que o Brasil decidiu por não se juntar às sanções de linha dura que foram aplicadas a Moscou. Além do mais, tanto [o presidente Jair] Bolsonaro quanto [o ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva] sabem que as relações com a Rússia serão muito importantes para Brasília tanto no âmbito do BRICS quanto em suas trocas comerciais", aponta Bezerra.
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Costa Junior tem a mesma visão sobre o voto brasileiro. Para o analista, a posição geográfica do Brasil é fundamental para entender a posição do país na votação.

"A sentença primária da geopolítica é que geografia é destino. Você não pode mudar sua posição geográfica. Nesse sentido, o Brasil está nas Américas e sofre a influência do grande irmão do Norte [Estados Unidos]. É muito difícil resistir. Por mais que o Brasil esteja no BRICS, a gente sofre muito com a influência da política externa americana, é uma condição nossa, uma condição natural. É o soft power, o poder de influência… Os Estados Unidos são uma superpotência em decadência, mas ainda são uma superpotência", aponta o professor das Facamp.

O especialista destaca ainda que a questão da integração de novos territórios é um tema bastante sensível para a diplomacia brasileira, o que também ajuda a explicar a posição do país.

"A questão é complexa, tanto pela própria [orientação da] Casa de Rio Branco de se preservar a autonomia, a integridade dos territórios, mas isso varia de acordo com os interesses. [...] Tem uma margem, [...] sancionar economicamente dá para [o Brasil] se abster, algumas coisas dá para votar contra, mas tem algumas coisas que não dá para ceder. Não ainda. Isso vai depender do quanto essa tensão vai se acirrar no mundo e do papel da nossa política externa nos próximos anos", explica Costa Junior.

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