Panorama internacional

ONU 77 anos: por que parece que a organização parou em 1945?

A Organização das Nações Unidas (ONU) completa 77 anos nesta segunda-feira (24) com inúmeros desafios. Embora muitos apontem que uma reforma é ululante, as discussões sobre o tema não saem do papel. À Sputnik Brasil, um analista internacional explicou a questão.
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A ONU chega a seus 77 anos com uma estrutura ultrapassada e com o desafio de se manter relevante em um mundo com uma interconexão cada vez maior entre blocos e grupos de Estados que partilham interesses geopolíticos, como BRICS, União Europeia (UE), União Africana, Mercosul e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
A ONU, como se sabe, foi criada ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 24 de outubro de 1945, em um mundo com desafios distintos dos do século XXI. Conforme explicou o pesquisador João Victor Motta, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas, diversas razões explicam a resistência da ONU às mudanças.
Para ele, é necessário compreender, primeiramente, que a proposta de concepção inicial da organização "continua funcionando", embora sua efetividade seja passível de discussão. Isto é, no entendimento do analista, "o fato é que ela funciona por quem a criou e atende aos interesses das potências centrais".
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Exemplos que atestam o alinhamento da ONU com as prioridades do governo norte-americano não faltam. Nos últimos anos, em reiteradas oportunidades na Assembleia Geral da organização, governos da África e do Oriente Médio denunciaram em vão genocídios e agressões, clamando por ajuda humanitária.
A discussão sobre a imparcialidade da ONU, colocada tantas vezes em questão ao longo dos seus 77 anos, justifica-se, na avaliação do pesquisador João Victor Motta, porque a sua estrutura foi concebida "para ser imparcial".
"Ela existe para tocar uma agenda das potências nucleares, e toda discussão a respeito do Sul Global não reflete sobre as políticas que são adotadas pelo sistema das Nações Unidas. Essa parcialidade se nota sobretudo a partir de quem promove conflitos e de quais são ou não condenados e questionados", disse.
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Para o analista, quem define a agenda da ONU são os seus maiores doadores, "e os EUA são o principal doador do sistema", avaliou. Para João Victor Motta, a ONU tornou-se refém da ausência de autonomia "sobre o seu orçamento, pois depender de doações coloca a ONU em uma posição complicada".

Muitas contradições

Não é preciso muito esforço para lembrar, de cabeça, de algumas das contradições da ONU, seja no âmbito de auxílio humanitário ou mesmo na coordenação de uma agenda de transformação global. O especialista enfatiza, nesse sentido, que a entidade perde espaço para outros grupos de organização geopolítica.
Ele aponta que esses diversos blocos multilaterais, em que Estados partilham interesses econômicos ou geopolíticos, conseguiram alcançar importantes tratados e acordos nos últimos anos, ao contrário das assembleias da ONU.
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Segundo João Victor Motta, "o grande problema, o principal, é que nem todos os países, apesar de serem membros, têm poder sobre a organização. Há uma concentração muito forte sobre o Conselho de Segurança da ONU [Conselho de Segurança das Nações Unidas, CSNU]. A Assembleia Geral se reúne pouco e tem uma agenda muito aberta, sem prestar atenção nas questões de grande relevância mundial".
Isso acontece porque o trabalho da ONU é feito majoritariamente "sobre as suas agências, que atendem aos interesses dos principais doadores, estatais ou privados, e isso incide sobre a forma como o dinheiro será aplicado", disse, acrescentando que grande parte da ajuda humanitária mundial é concentrada na ONU e que "há uma discussão muito forte sobre os critérios de distribuição desses recursos".

Brasil no CSNU?

Há muitos anos, o Brasil, pelo seu histórico diplomático diante de diversas contendas no mundo e por sua importância geopolítica na atualidade, pleiteia um assento no CSNU. A ideia é defendida por diversos especialistas que apontam a decadência do sistema atual, viciado em decisões alinhadas ao interesse dos EUA.
O especialista, entretanto, analisa que, "no caso do Brasil, ter um assento não mudará a forma de governança global. É preciso, entre outras iniciativas, ampliar o CSNU com as potências regionais e, principalmente, debater o poder de veto. Se isso não mudar, qualquer mudança não terá efeito".
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Questionado a respeito de iniciativas que as Nações Unidas precisam ter para refletir de maneira mais fiel a atual realidade geopolítica, o analista defende o debate de "temas que precisam ser trabalhados e refletidos dentro de uma governança global", sobretudo no âmbito de regulações sobre questões da atualidade, como o efeito das redes sociais sobre os governos.

"Há uma necessidade [na ONU] de fazer grandes acordos sobre diferentes temas. Há uma dependência de certos grupos de tecnologia que definem e têm capacidade de fazer política muito forte, que demandam uma regulação que seja global."

O problema é que questões de governança global não avançam na ONU, "o que não acontece no Mercosul e na União Africana, onde há mais consenso", afirmou João Victor Motta. Isso acontece, segundo ele, porque são poucos os países "que têm poder sobre as indicações dos principais funcionários de alto escalão do sistema de agências da ONU".
Sem voto e sem indicação nos "braços" da organização, países com menor protagonismo preferem chegar aos acordos de forma regional.
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