Pedido de anulação de votos não tem base legal e pode gerar punição ao PL, dizem especialistas
17:31, 23 de novembro 2022
Ontem (22) a coligação Pelo Bem do Brasil, da qual faz parte o Partido Liberal (PL), legenda do presidente Jair Bolsonaro, entrou com um pedido de anulação de votos computados em parte das urnas eletrônicas usadas no segundo turno das eleições de 2022. A Sputnik Brasil ouviu três advogados especialistas em direito eleitoral para discutir a questão.
SputnikAnunciada em coletiva de imprensa em Brasília,
a representação apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta supostos problemas nos modelos de urnas eletrônicas UE2009, UE2010, UE2011, UE2013 e UE2015, usadas no pleito.
O pedido enviado ao TSE é baseado em um laudo privado de uma auditoria realizada pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratada pelo próprio PL.
O documento aponta que os modelos de urna citados teriam problemas em arquivos de "logs de urna". No total, seriam cerca de 352.125 urnas supostamente defeituosas. Segundo a petição, apenas o modelo UE2020 teria gerado os arquivos corretos em 224.999 urnas — 40,82% do total. A anulação dos votos nos modelos especificados pelo PL na representação daria a vitória eleitoral a Bolsonaro.
Diante do pedido, o presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, cobrou que a representação inclua mais informações dentro do prazo de 24 horas, sob risco de arquivamento. O despacho de Moraes pede que a representação inclua o primeiro turno das eleições, no qual as urnas eletrônicas citadas também foram usadas. Com isso, uma eventual anulação abrangeria também as eleições para deputados, senadores e governadores.
Para discutir o assunto, a Sputnik Brasil ouviu três advogados especialistas em direito eleitoral. Todos concordaram que a contestação é um direito do candidato derrotado, mas apontaram algumas inconsistências na representação protocolada pela coligação do presidente da República.
Pedido de recontagem de votos x pedido de anulação
Para Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral e administrativo e conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, o fato de a representação ter uma auditoria privada como base não é um problema.
"A representação manejada pela coligação do presidente Bolsonaro se baseia em uma auditoria privada. Essa auditoria privada é o início de prova, que deve ser apresentado com a petição inicial, e foi isso que aconteceu. Para que uma representação ou qualquer tipo de ação tenha êxito no fim, há situações em que a Justiça designa uma perícia, que é feita por um perito de confiança do Poder Judiciário, e aí a decisão é pautada nessa perícia judicial, e não em auditoria privada", diz o advogado.
8 de novembro 2022, 21:11
Ele aponta que não é a primeira vez que uma eleição é contestada na Justiça e cita como exemplo as eleições de 2014, quando Aécio Neves (PSDB) pediu a recontagem de votos após ser derrotado por Dilma Rousseff (PT). Porém o especialista destaca que a novidade no caso atual é o que está em discussão na representação.
"Ela questiona a validade das próprias urnas eletrônicas, que são de responsabilidade da Justiça Eleitoral. O que se diz nessa representação é que o instrumento de trabalho da Justiça Eleitoral, que são as urnas eletrônicas, não seria um instrumento válido", destaca Alexandre Rollo.
Segundo o advogado, a representação dificilmente terá êxito, por carecer de coerência.
"Ela questiona resultados do segundo turno, quando as mesmas urnas foram utilizadas também no primeiro turno. Então, até por coerência, essa representação deveria envolver os dois turnos, e isso não foi feito no primeiro momento pela coligação do Bolsonaro porque não é interessante, porque no primeiro turno eles elegeram uma bancada expressiva de senadores e deputados federais", diz Alexandre Rollo, acrescentando considerar a representação um "desserviço à população".
Representação não tem fundamento técnico ou jurídico
Para Alberto Rollo, advogado especialista em direito eleitoral e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo, a representação "não tem nenhuma consistência, nem jurídica, nem técnica, porque a questão dos logs de urna já foi levantada anteriormente e já houve resposta técnica".
Ele ressalta que
há várias formas de controle individual para as urnas que são alvo da representação,
como os próprios boletins de urna impressos e totalizados pela Justiça Eleitoral.
"Se é verdade que essas urnas anteriores a 2020 têm apenas um log de identificação, também é verdade que elas são individualizadas por outras formas. Na própria carga dos programas, cada urna é individualizada. Elas têm uma individualização nas suas planilhas de envio da urna. O cartório, quando envia a urna para as seções eleitorais, sabe exatamente qual foi a urna que foi enviada", detalha o especialista em direito eleitoral.
O advogado Renato Ribeiro, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), também integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB de São Paulo, compartilha da visão de Alberto Rollo.
"Naturalmente, se a Justiça Eleitoral, que tem fé pública, é parte do Poder Judiciário — que é independente —, que tem a expertise e a incumbência legal de realizar as eleições, está dizendo que não houve fraude, então não será um relatório privado, uma auditoria privada, que colocará em xeque o resultado das eleições sem que aponte de forma contundente a ocorrência de fraude", afirma em entrevista à Sputnik Brasil.
Representação teria viés pessoal
Os três especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil dizem acreditar que a representação não terá êxito, justamente por conta da falta de embasamento técnico e jurídico.
Na opinião de Alberto Rollo, a representação teria como mero objetivo agradar a Bolsonaro e seus apoiadores.
"Não tem fundamento técnico e não tem fundamento jurídico. Isso é uma atitude política para agradar ao presidente Bolsonaro e seus seguidores, para continuar alimentando o pessoal que está na rua, que está lá na frente dos quartéis", diz o advogado, citando os
protestos realizados por apoiadores de Bolsonaro desde o anúncio do resultado do segundo turno das eleições.
Ele acrescenta que "em uma democracia ganha quem tem mais votos". "As urnas mostraram quem teve mais votos e pronto. É isso", destaca Alberto Rollo.
8 de novembro 2022, 15:23
Para Renato Ribeiro, agradar à base bolsonarista também foi o objetivo de Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Isso porque o partido conquistou sua maior bancada em eleições graças à figura de Bolsonaro.
"Valdemar Costa Neto é um político muito inteligente, muito habilidoso, e tem no partido dele um herdeiro do bolsonarismo. Embora Bolsonaro não tenha sido reeleito, muitos parlamentares dessa base bolsonarista estão no PL [...]. Nessas circunstâncias, Costa Neto acena a essa base do partido fazendo esse questionamento", avalia o especialista.
Medida pode ter efeito contrário, com risco de punição à coligação
Questionado sobre o que pode ocorrer caso o TSE conclua que a representação teve cunho político, Alexandre Rollo destaca que há possibilidade de punição, com base na legislação processual brasileira.
"São previstas no Código de Processo Civil situações de litigância de má-fé. O que pode acontecer no caso dessa representação é que o TSE entenda que há uma litigância de má-fé. E em caso de litigância de má-fé, os autores da representação poderão ser apenados com sanção pecuniária", ressalta o especialista.
Porém ele conclui que a punição não teria Bolsonaro como alvo, mas sim a coligação que protocolou a representação, ou seja, o PL.
"Isso não valeria para Bolsonaro porque a representação não é ajuizada em nome próprio do presidente, e sim em nome de sua coligação. Portanto poderia ser aplicada uma multa por litigância de má-fé à coligação do presidente Bolsonaro."