Ampliação do BRICS significa enfraquecimento da influência ocidental de EUA e Europa, diz analista
17:53, 24 de novembro 2022
Durante uma reunião com a Índia no começo deste mês, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, disse ao seu homólogo, o chanceler indiano Subrahmanyam Jaishankar, que pelo menos 12 países manifestaram interesse em ingressar no BRICS, grupo que reúne os dois países, além de Brasil, China e África do Sul.
SputnikNa ocasião, Lavrov
apontou que a última cúpula do BRICS agregou 13 países, na qual os líderes discutiram assuntos internos e traçaram planos para o futuro, já mirando a
transformação para o formato BRICS+.
"O interesse nesta associação global é muito, muito alto e continua a crescer. Não são apenas Argélia, Argentina, Irã. Na verdade existem mais de uma dúzia de países", enfatizou o ministro russo.
Lavrov, no entanto, não fixou um prazo para aceitação dos novos membros, algo que será combinado com todas as cinco partes que compõem o agrupamento.
Mas, afinal, o que representa a ampliação do grupo no
tabuleiro da geopolítica mundial? A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender
quais devem ser os impactos globais do BRICS+.
Aos números
De acordo com
dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o BRICS concentra
31,8% do produto interno bruto (PIB) global atualmente, além de abrigar
cerca de 40% da população do planeta. A expansão, mesmo com as particularidades socioeconômicas de cada país, vai turbinar esses índices.
Enquanto Argélia, Argentina e Irã formalizaram seus pedidos de ingresso no grupo, outros países vêm demonstrando crescente interesse em integrá-lo: Arábia Saudita, Turquia, Egito, Afeganistão e Indonésia já deram sinalizações nesse sentido.
Cazaquistão, Nicarágua, Nigéria, Senegal, Tailândia e Emirados Árabes Unidos enviaram seus emissários para o encontro de expansão do BRICS, em maio.
Levantamento realizado pelo site Silk Road Briefing apontou que, caso sejam aceitos, os novos candidatos podem levar o PIB do grupo a um índice
30% maior que o registrado pelos Estados Unidos, fazer o BRICS+ representar
mais de 50% da população global e ter o controle somado de
60% das reservas mundiais de gás.
16 de setembro 2022, 13:23
A gênese do sistema internacional multipolar
Valdir Bezerra, mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo, na Rússia, membro do Grupo de Estudos sobre Ásia do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da Universidade de São Paulo (USP) e do Grupo de Estudos sobre os BRICS (GEBRICS), também da USP, afirma que o ingresso dos novos países altera a geopolítica global de forma sensível.
Segundo ele, quanto mais países aderirem ao BRICS ou ao discurso promovido pelo BRICS, "mais o mundo será composto por Estados reunidos em torno da necessidade de um sistema internacional multipolar, sem qualquer forma de domínio por parte de uma superpotência e com a política global sendo definida por diferentes centros de influência econômica, política e civilizacional".
Essa mudança de eixo traz como consequência o declínio do império norte-americano e europeu enquanto pensamento hegemônico global.
"Podemos esperar um enfraquecimento da influência e da liderança ocidental (capitaneada por Estados Unidos e Europa) em âmbito global e uma maior resistência de diferentes civilizações, como é o caso da chinesa, indiana, africana, latino-americana, russa e do próprio mundo muçulmano. Não será exatamente um choque de civilizações, como escreveu Samuel Huntington [cientista político norte-americano], mas sim uma disputa pela preservação da pluridade de sistemas de valores, de organizações sociais e de regimes políticos nas relações internacionais. No limite, talvez estejamos falando aqui de uma tentativa de 'liderança coletiva' (por mais paradoxal que esse termo possa parecer) dessas civilizações representadas no BRICS em contraponto aos anseios homogeneizantes das nações ricas da Europa Ocidental e da América do Norte", ponderou Bezerra.
14 de novembro 2022, 13:00
Em sua percepção, apenas China e EUA têm caráter de superpotências globais.
No entanto, o BRICS+ está se encaminhando para além de uma coalizão de potências emergentes (como idealizado inicialmente), "para se tornar um agrupamento abrangente de Estados, cuja articulação política se dará em torno de seu caráter anti-hegemônico e em prol de um mundo multipolar ou propriamente 'policêntrico', mais variado e mais justo".
Por outro lado, ele observa que as nações ocidentais não vão assistir à ascensão do BRICS+ sem criar algum tipo de obstáculo ou oposição, na tentativa de proteger seus interesses.
"A reação do Ocidente pode se dar em torno de dificultar as reformas necessárias em mecanismos tradicionais de governança global, como é o caso do Banco Mundial e do FMI, assim como na atuação por meio do G7, no sentido de manter-se como o 'clube' de países responsáveis por definir a agenda econômica global, contrariamente às intenções do BRICS. Da parte dos americanos, podemos esperar movimentos de reafirmação de seu assim chamado 'excepcionalismo' e de críticas aos países do BRICS (sobretudo Rússia e China) no que se refere a seus sistemas políticos ou mesmo questões referentes a direitos humanos, com uso de sanções periódicas por parte de Washington àqueles países que não seguirem os seus ditames políticos", aponta o pesquisador.
Bezerra lembra que o desafio à hegemonia econômica americana nas próximas decadas pode vir da consciência dos países do BRICS+ quanto à necessidade de buscarem a implementação de trocas comerciais em suas próprias moedas, o que já vem sendo discutido em âmbito multilateral dentro do grupo há algum tempo ou mesmo em âmbito bilateral (como é o caso entre Rússia e China).
Tal movimento, prossegue o analista, vai acabar por minar paulatinamente a importância do dólar no sistema — mas esse será um processo lento.
Para a socióloga Ana Prestes, doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o fortalecimento ou a ampliação do BRICS é um cumprimento da tendência da geopolítica global atual de consolidação de um novo polo da economia mundial, centrado principalmente na China e na Ásia como um todo.
"A partir do momento em que não existe uma espécie de unipolaridade (não existe nenhum país hegemônico em todos os aspectos, seja na economia, na política, na cultura, na [área] militar, que sozinho concentre essas hegemonias), já podemos dizer que vivemos uma ordem global multipolar com desigualdades importantes entre os polos, mas multipolar. Há os EUA como a maior potência militar, mas já estão ameaçados como potência econômica e vêm sendo ameaçados pelo novo polo dinâmico na Ásia, a partir da China", argumentou.
Prestes vê o "fator Lula", presidente eleito para o terceiro mandato, em 2023, e um dos fundadores do BRICS, como "importantíssimo para a expansão e fortalecimento do grupo".
"Uma coisa é o Brasil no BRICS liderado por Bolsonaro. Outra completamente diferente é o Brasil liderado pelo [Luiz Inácio] Lula [da Silva], que representa o Brasil que fez parte da fundação do BRICS, do seu fortalecimento, que ajudou em toda a montagem da sua arquitetura, da estratégia de se organizar como fundo, de organizar um banco. O Lula é um ator global importante para o diálogo com países, para o diálogo com lideranças. Ele é um atrativo, ele atrai muito os outros países. Isso foi perceptível na COP27 [cúpula do clima das Nações Unidas de 2022], todos querem conversar com o Lula, todos querem cooperar com o Brasil de Lula, todos querem fazer negócios com o Brasil de Lula. Ele jogará um papel muito importante na expansão e no fortalecimento do BRICS", apostou a socióloga.
Ela aponta que sempre há reação dos Estados Unidos em relação à emergência de novos poderes e novos atores globais. Isso porque os EUA são uma hegemonia em crise, em um declínio relativo.
Os EUA estão buscando a todo momento reagir a qualquer movimento que amplie essa condição.
"Essa aproximação dos EUA com Japão, Austrália, Reino Unido, além da intensificação no mar do Sul da China, com países que têm interesses contraditórios com os chineses e que podem favorecer os EUA, essas ofensivas sobre Taiwan... São reações. Inclusive a forma como vem sendo conduzido o conflito na Ucrânia pela OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] e pela União Europeia são formas de reagir ao fortalecimento de outros polos."
A pesquisadora não tem dúvidas de que a aliança do BRICS significa um desafio ao dólar no atual momento.
"Isso já é real, [está] na vida prática da formação de uma cesta de moedas. O desafio ao dólar foi acentuado pela crise com o conflito na Ucrânia, na medida em que a Rússia e o próprio Irã também, anteriormente, precisaram buscar alternativas a partir das dificuldades impostas pelas sanções e bloqueios econômicos. Já é realidade, por exemplo, no mundo euroasiático, o uso de moedas alternativas, o fortalecimento do yuan chinês. Certamente já é uma realidade para o BRICS fortalecido e amplo. Vai ser um fator importante de desafio à hegemonia do dólar", finalizou.
24 de novembro 2022, 10:00