Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, ainda durante a campanha do ano passado, que voltaria a "construir navios nos estaleiros do Rio de Janeiro", muitos celebraram a retomada de uma política que é fundamental para um país com um litoral de 7.491 quilômetros de extensão.
Outros, contudo, desacreditaram a promessa, apontando que o Brasil de hoje, se de fato pretende recuperar seus estaleiros e voltar a construir navios, terá pela frente desafios maiores do que no passado.
O doutor Thauan Santos, professor da Escola de Guerra Naval (EGN) e coordenador do Grupo Economia do Mar (GEM), explicou os dois lados da questão. Se por um lado trata-se de uma indústria crítica para o país, por outro os problemas estruturais formam uma sombra de desconfiança sobre o sucesso do projeto.
O primeiro de quatro submarinos diesel-elétricos em construção no estaleiro de submarinos de Itaguaí (RJ), em 22 de maio de 2014, quando a indústria naval brasileira ainda estava em alta
© AFP 2023 / Yasuyoshi Chiba
"A principal deficiência dos estaleiros brasileiros tem a ver com a sua pouca competitividade internacional", disse ele, apontando que os titãs da indústria naval estão localizados na Ásia, como China, Coreia do Sul e Cingapura.
Quem pode competir com a China?
Dos cinco maiores estaleiros do mundo, três estão na Coreia do Sul, um fica na China e o outro tem sede no Japão. Pequim lidera o setor de construção naval mundial, respondendo por 47,2% dos navios construídos no planeta em 2021.
O Brasil tem litoral, comércio, gasta exageradamente em fretes marítimos e precisa de plataformas para exploração de petróleo. Como avaliou Thauan Santos, "é um setor estrutural importante que envolve muitas cadeias produtivas e, portanto, estratégico para a economia do país".
O problema, entretanto, reside nos problemas que envolvem a "consolidação da indústria naval nacional, sejam corporativos, financeiros, comerciais ou estratégicos". O país carece, por exemplo, de "uma oferta de produtos bancários, como aval e crédito, que sejam ajustados ao risco operacional dessas atividades".
Além disso, o pesquisador defende "uma própria política fiscal e comercial que possibilite a redução do custo, por exemplo, do aço e de outros insumos utilizados na fabricação dessas embarcações, sobretudo por conta do efeito cambial".
Outros atores envolvidos na questão, como o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), pedem a retomada de programas de estímulo à indústria naval, como o Promef, que foi o programa de expansão e modernização da frota da Transpetro, e também o Proefan, projeto de renovação da frota da Petrobras.
Os países asiáticos, por outro lado, como disse Thauan Santos, têm um arcabouço legislativo que oferece "crédito barato rotativo, incentivos fiscais e aval bancário. Eles têm forte adensamento tecnológico, sobretudo por parte das cadeias de fornecedores", e isso é importante para que os investidores aloquem recursos nos estaleiros.
Dificuldade para investir: o parque naval está endividado
Para além do desafio de convencer investidores a trocarem a Ásia pelo Brasil, naturalmente a retomada do crescimento da indústria naval passa pelo fomento estatal ao setor, gerando aumento de competitividade e uma cadeia logística a longo prazo.
"A indústria naval no mundo todo é incentivada por governos, por ser um setor de natureza estratégica e necessitar de uma série de políticas macroeconômicas e setoriais permanentes", disse Thauan Santos.
O Sinaval estima que 42 dos principais estaleiros do país apresentaram quedas orçamentárias significativas desde 2016, com alguns deles tendo acumulado dívidas bilionárias, como o da OSX, de Eike Batista. Além disso, cerca de 85% do pátio industrial naval brasileiro está endividado por conta da crise dos últimos anos.
A ausência de investimentos na indústria naval brasileira aumentou o êxodo de encomendas que foram direcionadas para a Ásia. "Nos últimos seis, sete anos", como enfatizou Thauan Santos, "o número de trabalhadores empregados na indústria caiu de 71,6 mil, em 2014, para 33,1 mil".
A promessa de Lula, por enquanto, é fazer mais investimentos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nos estaleiros brasileiros e impulsionar, por consequência, a indústria de petróleo e gás do país.
Para o pesquisador, "a retomada dos investimentos precisa ser ampla". Ou seja, "ao se reestruturar a indústria, ela precisará ser mais competitiva em termos de custos, de prazos e de tecnologia".
Estaleiro de Portsmouth, na Inglaterra, em 8 de setembro de 2021
© AP Photo / Robert F. Bukaty
"A melhoria da capacidade de prestação de serviço pelos estaleiros seria o primeiro passo", disse o especialista, acrescentando que a partir disso será possível "costurar uma política de Estado que crie as condições para que haja um aumento da frota nacional".
Para Thauan Santos, "o BNDES vai voltar a ter um papel estratégico de desenvolvimento de setores estratégicos brasileiros", podendo criar um "regime único alfandegário" ou mudar a questão fiscal e cambial, "para que haja algum tipo de desoneração fiscal, principalmente dos equipamentos que serão importados".
Estaleiros: investimento no país
Embora seja notória a relação entre a operação Lava Jato e a quebra do setor naval brasileiro, a ausência de investimentos do Estado nos últimos dois governos, na opinião do professor da EGN, agravou a crise em um mercado de trabalho que poderia ser fundamental para o desenvolvimento do país.
Ele lembra que "a indústria naval respondia por cerca de 20% do PIB do Rio de Janeiro" e argumenta que "quando a gente fala de geração de emprego na indústria naval, estamos falando de empregos em um setor que impulsiona outros segmentos".
"Para trazer alguns dados, entre 2007 e 2016 foram concluídas 605 embarcações, além da geração de 82 mil empregos diretos e 400 mil indiretos. Fora toda a qualificação de mão de obra envolvida nessa cadeia produtiva, que envolve petróleo e gás", comentou.
Thauan Santos ainda lembrou que a indústria naval "desenvolve a economia dos municípios abrangidos por esses empreendimentos", como em Macaé e Maricá, no Rio de Janeiro, e que ao gerar conhecimento técnico para o país, "isso habilitará a indústria a se desenvolver e inclusive propor soluções de maior valor agregado, reduzindo a dependência tecnológica do exterior".