Trata-se do reencontro de Lula com o país que desempenhou papel fundamental durante seus dois primeiros mandatos no governo entre os anos de 2003 e 2010. Por conseguinte, a chave para entendermos sobre quais temas poderão fazer parte da agenda brasileira nessa reunião bilateral reside justamente no passado recente das relações Brasil-China.
Ao longo dos anos 2000, a China demonstrou interesse por relações com a América Latina pautadas em uma cooperação mutuamente benéfica e na promoção do desenvolvimento comum da região. Com isto, a América Latina tornou-se o segundo maior destino para investimentos estrangeiros de Pequim, hospedando mais de 2.500 empresas de capital chinês.
Diante desse contexto, o estabelecimento de relações mais próximas com o Brasil (maior país da América Latina em termos econômicos, populacionais e territoriais) tornou-se ponto fundamental para a política externa chinesa durante as últimas décadas.
Do lado brasileiro, e sobretudo durante a era Lula, a aproximação com a China representou um importante vetor de diversificação para as relações internacionais do país, diminuindo então sua dependência dos Estados Unidos e da União Europeia e colocando o Brasil em contato com uma das economias que mais crescia no mundo. Tudo isso em meio a uma conjuntura de mudança do "centro de gravidade" da economia global, que migrava dos países ocidentais para o leste asiático.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, e o então presidente da China, Hu Jintao, assinam acordos bilaterais no palácio do Itamaraty em Brasília em 15 de abril de 2010
© AP Photo / Andre Penner
Aproveitando-se desse movimento, durante o governo Lula o Brasil tornou-se um dos principais fornecedores de commodities para o mercado chinês, fornecendo alguns dos insumos fundamentais – sobretudo minério de ferro e petróleo – para o crescimento econômico da China nos anos 2000.
Por ser rico em recursos naturais, dada sua inserção econômica internacional historicamente pautada pelo fornecimento de matérias-primas a centros mais desenvolvidos, o Brasil aproveitou seu comércio com a China para manter altos índices de superávit em sua balança comercial. Este foi um fator importante durante os dois primeiros mandatos de Lula, em que o Brasil cresceu em média cerca de 4% ao ano.
Não obstante, a diversificação das parcerias do Brasil com outros centros de poder emergentes (como China e Índia) tornou-se uma das marcas do universalismo da política externa no período Lula. Ademais, as relações sino-brasileiras também foram pautadas pela atração de investimentos estrangeiros chineses ao Brasil, tema que certamente deverá estar presente na reunião de Lula com Xi Jinping.
O então vice-presidente da China, Xi Jinping, cumprimenta o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em seu segundo mandato, durante uma reunião no palácio presidencial em Brasília. Xi Jinping visitou o país por três dias em fevereiro de 2009
© AP Photo / Eraldo Peres
Cabe notar que a China é hoje o segundo maior investidor estrangeiro do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos) e o Brasil seu maior recipiente na América Latina. O encontro entre os líderes também deverá servir como forma de renovar a diplomacia presidencial brasileira frente à China, amenizando algumas das impressões causadas durante a administração anterior de Jair Bolsonaro, inicialmente marcada por episódios de estranhamento entre os dois países.
Outra questão a ser tratada pode ter relação com a indicação da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff ao cargo de chefia do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS sediado em Xangai, na China, assim como planos para o futuro desenvolvimento das atividades da instituição.
Aqui, vale ressaltar que foi justamente na Cúpula do BRICS de 2014 em Fortaleza, sob a presidência de Dilma Rousseff, que a criação do NBD foi anunciada.
À época, já estava mais do que claro que a velha ordem do pós-guerra liderada pelos EUA e seus parceiros ocidentais dava lugar a uma configuração de poder multipolar no sistema internacional, propiciando o terreno para a consolidação de novas coalizões políticas como o BRICS, assim como para a criação de novas instituições de governança financeira multilateral, como no caso do NBD.
O presidente Vladimir Putin, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi, a então presidente brasileira Dilma Rousseff, o então presidente chinês Xi Jinping e o então presidente sul-africano Jacob Zuma posam para uma foto de grupo no Centro de Congressos de Fortaleza na 6ª Cúpula do BRICS em 15 de julho de 2014
© Sputnik / Mikhail Klimentyev
Ainda em se tratando do BRICS, deverão ser discutidos cenários futuros quanto ao conflito na Ucrânia. Nesse quesito, muito embora o Brasil tenha votado na ONU a favor de resoluções condenatórias às ações da Rússia no país vizinho, o presidente Lula deixou bem claro que pretende participar de forma ativa de discussões para um acordo de paz, resistindo à pressão alemã e americana para o envio de armas a Kiev.
Pouco tempo depois, a China também elaborou algumas propostas para a solução pacífica da crise, indicando que tanto brasileiros quanto chineses se interessam pelo fim das hostilidades e não pela sua continuação, como é o caso dos países ocidentais.
É bem provável que Brasil e China conversem, portanto, sobre entendimentos comuns acerca de um acordo de paz e que essa posição sino-brasileira seja discutida adiante não somente no âmbito de reuniões dentro do BRICS, como também em futuros encontros bilaterais de Lula e Xi Jinping com Vladimir Putin.
Por certo, não se pode negar o peso que uma declaração conjunta entre Brasil e China teria no sentido de incentivar outros países a se unirem na discussão por uma resolução justa para o caso envolvendo o conflito na Ucrânia, assim como também para outras questões relevantes da agenda internacional.
Ora, a julgar por sua experiência histórica, China e Brasil compartilham amplos interesses comuns e objetivos semelhantes, tais como: a "democratização" das relações internacionais, a promoção de um desenvolvimento mais equitativo da economia global e o enfoque em avanços sociais de suas sociedades. Todos esses temas são de fundamental importância para o desenvolvimento de um mundo mais justo, sobretudo para os países que compõem o assim chamado Sul Global.
Por fim, durante a primeira passagem de Lula pela presidência foi notório que a cooperação sino-brasileira evoluiu não somente em termos de seu comércio bilateral, mas também no âmbito do BRICS.
É de se esperar, portanto, que além de pautas mais restritas referentes ao aumento do comércio mútuo ou da ampliação de investimentos chineses no Brasil, questões de importância global como o futuro desenvolvimento do NBD e cenários para a resolução do conflito na Ucrânia devam estar presentes na reunião.
24 de fevereiro 2023, 22:24
No mais, é preciso destacar que as relações entre Brasil e China têm um papel fundamental a desempenhar na configuração de um sistema internacional não ocidental e multipolar.
Logo, firmar compromissos para aumentar a influência de ambos os países em organismos internacionais, bem como sua cooperação em fóruns multilaterais como o BRICS e o G20, também será muito bem-vindo no âmbito desse reencontro de Lula com a China.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação
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