Nesta semana, o engajamento do governo do Brasil em defesa do jogador de futebol, Vinícius Júnior, alvo de ataques racistas durante partida entre os times Real Madrid e Valencia, na Espanha, gerou intensa atuação diplomática entre os dois países.
Após o presidente Lula manifestar apoio ao jogador, as engrenagens dos ministérios das Relações Exteriores, do Esporte, da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos foram mobilizadas para reivindicar respostas das autoridades espanholas.
“Ao emitir uma nota de repúdio, convocar embaixadores espanhóis e pressionar autoridades governamentais e esportivas da Espanha, o Itamaraty demonstra a preocupação do governo brasileiro e de sua política externa em lidar de forma concreta com questões sensíveis e urgentes”, disse Jéser Alíbio, doutorando em Relações Internacionais pela PUC-RIO, à Sputnik Brasil.
A pesquisadora em relações internacionais e especialista em Segurança, Paz e Meio Ambiente na América Latina, Daisy Bispo Teles, também corrobora a resposta enérgica do Palácio do Planalto em defesa do brasileiro.
Manifestante protesta contra o racismo no campeonato espanhol de futebol, em apoio ao jogador Vinícius Júnior, na frente do consulado espanhol em São Paulo, Brasil, 23 de maio de 2023
© AFP 2023 / Nelson Almeida
“Creio que a resposta do governo brasileiro foi correta. Houve rápida mobilização e contatos de alto nível. As notas emitidas pelo Itamaraty e demais ministérios sobre o assunto frisaram o inconformismo das autoridades nacionais com o caso, além de evidenciarem uma ação conjunta interministerial, indicando que o combate ao racismo tem ganhado relevância na ação interna e externa do país”, disse Teles à Sputnik Brasil. “Vale frisar que tomando essa postura, o Brasil não se opôs ao governo espanhol e que a relação institucional dos dois países será mantida frisando o diálogo."
A especialista lembra que, apesar da prontidão do Itamaraty no caso Vinícius Júnior, o ministério ainda precisa fazer a sua lição de casa e ampliar a representatividade feminina e racial dentre seus quadros.
Vinicius Junior
© Foto / Foto: Gilvan de Souza/Flamengo/Fotos Públicas
“Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em 2020, o Itamaraty contava com 11,7% de diplomatas negros, perante um grupo de 58,2% de diplomatas brancos”, apontou Teles. “Em contrapartida, a Associação das Mulheres Diplomatas do Brasil (AMDB), criada no início desse ano, visa criar um ministério mais representativo, promovendo o acesso de mulheres a diplomacia e com respeito a suas origens étnicas.”
Lei brasileira aplicada na Espanha?
O engajamento governamental no caso Vinícius Júnior levou o ministro da Justiça, Flávio Dino, a considerar a aplicação da lei penal brasileira de maneira extraterritorial, isto é, responsabilizar os torcedores espanhóis criminalmente, de acordo com a lei brasileira, ainda que o crime tenha sido cometido fora do território nacional.
“Estamos, no âmbito do Ministério da Justiça, estudando a possibilidade de aplicação de um princípio chamado da ‘extraterritorialidade’. O Código Penal prevê que, em algumas situações excepcionais, é possível que, nos casos de crimes contra brasileiros, mesmo no exterior, haja aplicação da lei brasileira”, disse o ministro Flávio Dino, nesta segunda-feira (22) .
A aplicação de leis nacionais de forma extraterritorial é considerada um instrumento excepcionalíssimo, utilizado somente caso as autoridades do país no qual o crime foi cometido sejam omissas. Após a prisão para interrogatório de torcedores envolvidos em crime de ódio contra o jogador realizada pelas autoridades espanholas, Dino voltou atrás, considerando a aplicação da extraterritorialidade desnecessária.
Manifestantes protestam contra o racismo, em apoio ao jogador Vinícius Júnior, na frente do Consulado da Espanha, em São Paulo, 23 de maio de 2023
© AFP 2023 / Nelson Almeida
A fala do ministro Dino, no entanto, levantou o debate sobre a eventual formulação de políticas de proteção a brasileiros vivendo no exterior. Políticas de proteção às diásporas vivendo no exterior são comuns em países da União Europeia, Israel e Rússia.
Para Alíbio, a resposta do governo brasileiro ao caso Vinícius Júnior “representa um avanço significativo no processo de democratização e maturidade do governo em relação a temas que precisam não apenas ser discutidos, mas efetivamente enfrentados; e ainda sinaliza o empenho do Brasil em combater o racismo não apenas em seu território, mas também em outros países”.
Anielle Franco, irmã de Marielle Franco, discursa durante ato de lançamento da pré-candidatura de Lula da Silva à presidência da República, em 7 de julho, no Rio de Janeiro
© Sputnik / Solon Neto
Para Daisy Bispo Teles, o caso Vinícius Júnior vai além da discussão de políticas de auxílio para os brasileiros que vivem no exterior, revelando “disposição do governo em chamar atenção ao caso e exigir das autoridades gerou repercussão”.
“O que vemos agora é uma posição mais assertiva, de que evidenciar o racismo e suas consequências na sociedade é o primeiro passo para mudanças efetivas”, concluiu Teles.
Neste domingo (21), o jogador brasileiro Vinícius Júnior foi vítima de ataques racistas em seu ambiente de trabalho na Espanha, durante jogo entre os times locais Real Madrid e Valencia. O jogador, que acabou expulso da partida, reagiu nas redes sociais, denunciando a naturalização do racismo por parte de instituições públicas e privadas na Espanha.