Panorama internacional

'Queimados' no Oriente Médio, EUA são incapazes de mediar conflitos na região, dizem especialistas

Pesquisadores entrevistados pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, afirmam que os Estados Unidos são incapazes de mediar conflitos no Oriente Médio, diferentemente da China e de outros países do BRICS.
Sputnik
Arábia Saudita e Irã, rivais históricos no Oriente Médio, reaproximaram-se nos últimos meses em movimento visto como vitória para a China. A aproximação foi costurada pelo país asiático, com investimento maciço de aproximadamente US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5 trilhões) nos dois países.
Vale ressaltar que ambos, além da Argentina, do Egito, da Etiópia e dos Emirados Árabes Unidos, foram anunciados como novos integrantes do bloco a partir de 2024.
A reaproximação do Irã e da Arábia Saudita mostra a crescente influência chinesa na região — além de uma unidade do BRICS — e só reforça o quão incapazes são os Estados Unidos de mediar conflitos em tais locais, conforme especialistas consultados pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho.
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Em entrevista ao podcast Mundioka, o professor de história contemporânea da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Marcelo Carreiro da Silva, avalia que a China tem protagonismo nas relações internacionais já comprovado na reaproximação da Arábia Saudita e do Irã.
Para ele, os Estados Unidos, sem capacidade de intermediar relações diplomáticas nos dois países, influenciam negativamente questões geopolíticas da região. "Especialmente por conta do Irã — há a participação dos EUA na deposição de [Mohammed] Mossadegh, que nacionalizou o petróleo do Irã."

"[Isso] acabou com qualquer tentativa do governo iraniano de passar o lucro do seu petróleo para a população. Então, reforçou o governo monarquista do xá Reza Pahlavi, que só vai cair em 1979, e o Irã nunca se esqueceu disso."

Ele observa que a revolução iraniana carrega consigo um "sentimento antiamericano" devido a tais questões.
"Se um dos partícipes não tem proximidade, é impossível […] mediar qualquer coisa. Nesse sentido, os EUA não têm moral alguma para mediar essa relação. Coisa que exatamente a China tem."

Guerra de Israel contra o Hamas

Tanto a Arábia Saudita quanto o Irã condenaram os ataques de Israel contra a Faixa de Gaza, que mataram milhares de civis palestinos.
Esse é só mais um dos fatores que limitariam a ação estadunidense em território oriental, segundo o professor do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Brancoli.
"Tanto Riad quanto Teerã têm feito declarações bastante fortes, condenando Israel, aumentando a responsabilidade de Tel Aviv a respeito desse tipo de ação e condenando o ataque civil."
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Brancoli afirma que os iranianos têm certa ligação com o Hamas, o que influenciaria diretamente o conflito. "Gosto de lembrar que o Irã também não é um ator monolítico. A gente não pode afirmar que uma liderança ou um aiatolá, de alguma maneira, assinou um documento para enviar armamentos nesse contexto."

"Tanto o Hamas quanto o Hezbollah são considerados grupos terroristas por parte dos EUA, mas eu gosto de lembrar que, para o Conselho de Segurança [das Nações Unidas], não são. Inclusive, do ponto de vista prático, o Hezbollah é um grupo político na medida em que coordena ministérios no Líbano."

Além disso, a Arábia Saudita poderia estabelecer relações diplomáticas com Israel — o que beneficiaria os israelenses —, mas tal movimento foi impedido devido ao escalonamento do conflito, diz o professor e pesquisador.
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Ele ressalta que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, teve de se aliar a grupos ultraortodoxos e conservadores para se manter no poder, além de ter posições contrárias aos palestinos, o que acirra ainda mais as disputas.
Para Brancoli, o líder israelense tem muita responsabilidade pelos conflitos, que mataram mais de 1,4 mil pessoas em Israel, e boa parte da população é contrária a tais disputas. "As chances de Netanyahu responder juridicamente por isso não são pequenas. [Mas] enquanto ele estiver no cargo, […] não vai ser julgado."
O professor Marcelo Carreiro da Silva aponta que, nas últimas décadas, a Palestina tentou diversas abordagens, incluindo negociações políticas com Israel através da Fatah, mas todas sem sucesso.
Protesto em apoio ao povo palestino no Líbano próximo à Embaixada dos Estados Unidos. Beirute, 18 de outubro de 2023
Carreiro da Silva também destaca a polarização em relação ao conflito. No Brasil, há uma tendência a seguir um modelo americano que une questões religiosas e políticas, já que muitos brasileiros veem o Estado de Israel como um local sagrado.
Ele adverte, no entanto, que a política internacional não deve ser tratada como um jogo de torcida ou uma questão religiosa.
O território israelense seria uma "potência imperialista colonizadora" que continua a expandir seus assentamentos na Cisjordânia, diz Carreiro da Silva.
Além disso, as condições adversas enfrentadas por Gaza se configurariam como um "campo de concentração" devido aos bloqueios terrestre, aéreo e marítimo.
Por fim, o especialista comentou sobre a percepção do Irã na imprensa ocidental, destacando a diferença de abordagem em mídias do Oriente Médio e da China.
Ele enfatizou a posição do Brasil como mediador estratégico entre as partes envolvidas e a importância de manter uma política externa equilibrada, sem inimigos declarados.
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Irã e Arábia Saudita: parceiros, não amigos

O professor Fernando Brancoli explica que o Irã e a Arábia Saudita tinham conflitos econômicos e políticos numa espécie de "guerra fria" no Oriente Médio, sobretudo por conta do petróleo, mas os dois assinaram um acordo de cooperação econômica em Pequim, em setembro de 2023.
O acordo prevê investimentos chineses em infraestrutura, energia e outros setores na Arábia Saudita e no Irã.
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A China é o maior importador de petróleo do mundo, e a reaproximação entre os dois países também foi costurada para que houvesse escoamento do petróleo iraniano para o mercado chinês.
O dinheiro asiático é aplicado em infraestrutura, energia e outros setores. Na Arábia Saudita, investimentos são para estradas, ferrovias e portos. No Irã, o financiamento desenvolve o setor de petróleo e gás.
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"A reaproximação entre a Arábia Saudita e o Irã vem em boa hora, agora que ambos são colegas de BRICS. A inclusão da Arábia Saudita e do Irã no BRICS foi um pedido da China, que buscava aumentar sua influência na região."
Carreiro da Silva acredita que o Irã, que possui divergências em relação a vários países, agora encontra novos parceiros.
"Não amigos, mas parceiros; é evidente que [a reaproximação] está se criando", completa, dizendo que a combinação de interesses pode estabilizar a região.
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Ele compara com a China e a Índia, que têm suas disputas, mas que dentro do BRICS conseguem "sentar e discutir projetos em comum e propostas que ambos possam investir".
O analista opina que, para a própria configuração do bloco, é interessante que haja países com potencial de produção de petróleo e gás, já que os países seriam os "tijolos" para construir uma nova economia do século XXI, em alusão direta à palavra inglesa "bricks".
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