A presença de Zelensky em Buenos Aires na posse do governo de Javier Milei é aparentemente vista por Kiev como um golpe de relações públicas que visa restaurar a imagem manchada do presidente ucraniano à medida que o apoio ocidental à Ucrânia diminui, de acordo com a Página 12.
"Neste momento, e devido à diminuição do apoio dos governos da Aliança Atlântica, o interesse prioritário da Ucrânia é conseguir o apoio dos países do Sul Global", disse o autor da matéria do Página 12, Daniel Kersffeld.
Segundo Kersffeld, a maior esperança de Zelensky é fazer de Milei um aliado estratégico no conflito contra a Rússia, e que ele aceite a irrealista "fórmula de paz" de Kiev durante uma cúpula na Ucrânia proposta por Milei. O estudioso observa que Kiev também espera que Buenos Aires imponha sanções à Rússia.
Anteriormente, o presidente argentino eleito sinalizou o seu total apoio a Zelensky, em uma clara ruptura com a política do seu antecessor, Alberto Fernández. No final de novembro, o novo líder argentino propôs ao presidente ucraniano a realização de uma conferência sobre a Ucrânia no país sul-americano.
"Eles estão organizando uma conferência de paz na América Latina e na Ucrânia, e nós nos oferecemos como local, se for apropriado", disse a futura ministra das Relações Exteriores de Milei, Diana Mondino, aos repórteres no mês de novembro.
Ainda assim, a maior aposta de Zelensky é que o novo governo argentino — com o apoio de Washington — reúna os governos da região e os persuada a apoiar Zelensky e a virar as costas ao presidente russo, Vladimir Putin, acrescentou Kersffeld.
Infelizmente, "a pregação do governo ucraniano contra Moscou nunca conseguiu ganhar terreno no contexto latino-americano, apesar de vários mecanismos de aliciamento e pressão política e econômica impostos por Washington que, entre outros aspectos, procurou fornecer armas à Ucrânia ou, diretamente, o rompimento das relações com a Rússia", destacou o estudioso.
Apesar das diferenças ideológicas entre os governos latino-americanos, há um consenso no continente de que esta deve ser uma "região de paz" e não interferir em conflitos ultramarinos, sublinhou Kersffeld. "Seria muito arriscado para a Argentina se envolver em um conflito estrangeiro, não tanto em busca de paz, mas para obter a aprovação da administração de Joe Biden", alertou o autor do artigo.
Entretanto, o maior problema de Zelensky é que a contraofensiva de verão (Hemisfério Norte) de Kiev não produziu nenhum resultado no campo de batalha e não conseguiu atingir nenhum dos objetivos do regime de Zelensky, tornando o Ocidente cada vez mais cético quanto a injetar dinheiro na Ucrânia e apoiar o seu presidente em exercício, segundo Kersffeld.
Na verdade, a imprensa ocidental mudou recentemente o seu tom ao descrever os assuntos ucranianos, citando alegadas conspirações de líderes norte-americanos e europeus para forçar Zelensky a conversações com a Rússia. Além disso, o jornalista vencedor do Prêmio Pulitzer, Seymour Hersh, sugeriu que algumas destas conversações já estão em curso, lideradas pelo comandante em chefe das Forças Armadas ucranianas, Valery Zaluzhny.
Para piorar a situação, o índice de aprovação de Zelensky na Ucrânia está em queda livre na sequência do fiasco da contraofensiva. Nestas circunstâncias, parece improvável que o golpe de relações públicas de Kiev na Argentina reverta a derrota iminente ou melhore a imagem de Zelensky a nível interno e externo.