"Você demoniza o outro para se autoavaliar positivamente. Logo, se não fossem essas pessoas horríveis, esses monstros morais, se não fossem os judeus, se não fossem os negros, se não fossem os gays, a gente estaria bem no mundo de hoje", comenta o professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Vaz.
"Aqui no Brasil o que incomoda é quando o Estado age em prol de minorias, com ações afirmativas de direito e de respeito a esses grupos", defende ele.
"É a fé do indivíduo que vence por si mesmo com o discurso neoliberal. A fé como forma de ascensão social, graças a Deus — e contra […], portanto, qualquer ação coletiva, [qualquer] auxílio do Estado."
"Sobre o caso da Janja, por exemplo, o Spotify afirmou que 'as regras da plataforma deixam claro que não permitimos conteúdo que promova o extremismo violento ou conteúdo que incite à violência ou ao ódio contra um grupo'. Mas isso não é suficiente, visto que o rapaz citado tinha perfil ativo, no qual publicava conteúdos de ódio contra mulheres e negros, com uma média de 4 mil ouvintes mensais", frisa a especialista.
"Tem o lobby pró-Israel, muito poderoso, por exemplo, nos Estados Unidos. Antes de haver a guerra, não havia preocupação com esses discursos. Então, claramente, é uma preocupação com a imagem. Se não não for prejudicar a imagem deixa o nicho existir, deixa a audiência existir", comenta o professor da UFRJ.
Sem oportunidades e perspectivas, juventude é facilmente cooptada
"Há desde o uso de códigos para abordar temas específicos e espalhar mensagens com conteúdos de ódio até falas mais explícitas. Para a produção de conteúdo e um consequente espelhamento dos atos fora do ambiente virtual, há, para além das músicas, a construção de jogos protagonizados por personagens extremistas e a prática posterior dessas posturas em situações reais de violência contra negros e judeus", exemplifica Pereira.
Como tirar esse ódio do coração e das redes?
"Acreditamos que o canhão que esses criadores de conteúdo possuem é um meio fundamental para alcançarmos pessoas que estão consumindo informações por vias que muitas vezes as escolas, os pais, o governo e a imprensa não conseguem alcançar. Assim, buscamos afastar grupos mais vulneráveis de círculos odiosos, fortalecer a capacidade dessas pessoas de não cair em fake news e promover ambientes virtuais mais seguros e saudáveis para todas as pessoas", explica.
"O Brasil precisa investir em pesquisas sobre esses grupos, quais caminhos levam os jovens ao radicalismo e a grupos de ódio, como são recrutados, como resolver as fragilidades emocionais que são basilares para essa aproximação, entre outros fatores importantes", destaca a especialista.
"Um problema complexo como esse precisa de ações que envolvam a sociedade civil, o governo, as plataformas, os educadores, os pais e responsáveis e, claro, os jovens. Esses grupos que estão mais vulneráveis e expostos a conteúdos de ódio precisam ser ouvidos e fazer parte da construção de soluções", conclui Gabriela Pereira.