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O ringue é o mundo: como grupos neonazistas usam MMA para atrair jovens ao redor do globo?

© AFP 2023 / ROBERT MICHAELManifestantes de esquerda protestam contra marcha de extrema-direita que marca o 67º aniversário dos bombardeios aliados durante a Segunda Guerra Mundial, em Dresden. Alemanha, 13 de fevereiro de 2013
Manifestantes de esquerda protestam contra marcha de extrema-direita que marca o 67º aniversário dos bombardeios aliados durante a Segunda Guerra Mundial, em Dresden. Alemanha, 13 de fevereiro de 2013 - Sputnik Brasil, 1920, 08.11.2023
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Em entrevistas cedidas à Sputnik Brasil, especialistas detalharam como grupos neonazistas utilizam as artes marciais como fluxo de captação de jovens ao redor do mundo, promovendo e difundindo ideologias radicais e formando militantes cada vez mais violentos.
Um dos lutadores mais reconhecidos do Ultimate Fighting Championship (UFC, na sigla em inglês), o franco-americano Sean Strickland, já admitiu publicamente ter vivido uma "fase neonazista", período em que, por influência familiar, divulgava ideologias preconceituosas, racistas e andava até armado, "na esperança de matar alguém", conforme relatou à mídia The Sun.
Campeão atual da modalidade peso médio da competição, Strickland estreou no maior palco da luta no mundo — no caso, um octógono, instalação específica de oito lados para a prática de artes marciais em solo e em pé — em 2014, tornando-se mundialmente reconhecido.
No caso do profissional, as artes marciais mistas ou MMA (Mixed Martial Arts, na sigla em inglês) foram uma fuga, salvando-o da antiga forma de pensar.
"Lembro da primeira vez que entrei na academia, quando era criança, e toda a minha raiva desapareceu", conta o profissional.
Não é assim para todos, contudo.
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O fenômeno de cooptação de jovens em grupos neonazistas, por meio do ambiente do MMA, tem aumentado cada vez mais no contexto internacional.
Para entender esses casos, o podcast Mundioka, produzido pela Sputnik Brasil, que vai ao ar nesta quarta-feira (8), conversou com Alexandre de Almeida, historiador e antropólogo, membro do Observatório da Extrema Direita (OED) e autor da obra "Os mitos políticos do Poder Branco Paulista (1988–1992)".
Para ele, a manifestação desses episódios, que ultimamente ganham força na Alemanha, ultrapassa as barreiras locais do país.

"No caso específico alemão, o livro 'Mein Kampf', escrito por Adolf Hitler nos anos 1920, menciona artes marciais, o jiu-jitsu. Ele explica por que o jiu-jitsu, em sua concepção [nazista], é uma forma de defesa pessoal mais nobre do que a prática de tiro. Para ele, há um contato pessoal, é algo mais viril do que o uso de armas de fogo para se defender, que seria algo ligado a uma pessoa covarde", especifica o historiador.

Em síntese, na percepção fascista, a arte marcial representa "o belo em relação ao corpo, o moralmente correto" e também é "uma arma que pode ser utilizada para defesa", explica Almeida.
Esses aliciamentos acontecem em vários países. A forma de aproximação depende da academia e qual espectro político é adotado internamente.
O perfil procurado é diverso, mas tem como base central jovens "fragilizados, vulneráveis e que sofreram algum tipo de violência".

"É o jovem que se sente fragilizado, ou que busca a sua identidade coletiva, e vai encontrar nesses espaços esse tipo de camaradagem, esse tipo de acolhimento […]. Há outro perfil, que é aquele jovem ou adulto que tem o gosto pela aventura, quer se desafiar, que já tem um histórico de ser uma pessoa violenta […]. Em relação à faixa etária, os jovens são mais suscetíveis a isso. Mas há adultos também que se vinculam a esses grupos buscando justamente a mesma coisa", completa o antropólogo.

Contexto alemão revive tendências do passado

A concentração de atuação profissional dos grupos ocorre principalmente na Alemanha. Como explica à Sputnik Brasil Vinícius Bivar, historiador, mestre e doutorando em história contemporânea na Universidade Livre de Berlim, o ciclo começou "em 2008, através da atuação do grupo supremacista branco russo White Rex". Depois disso, "surgem vários grupos que tentam emular esse modo de operação, organizando eventos de MMA, boxe e kickboxing, incutindo a ideologia nazista aos jovens".

"É uma questão bastante preocupante e está sendo monitorada pelo governo alemão desde a primeira década do século 21. Operações policiais para apreender material e pessoas vinculadas a esses grupos já acontecem […]. O arcabouço legal de proteção da Constituição, que é como chamam a legislação que combate esse tipo de grupo neonazista na Alemanha, é bastante rígida e prevê justamente a proibição não só do uso de símbolos, como também da atuação de organizações que promovam ideologias associadas ao nazismo", completa Bivar.

De acordo com Alexandre de Almeida, "a forma de cooptação é um processo", com um "contato pessoal para conhecer a pessoa".
A partir disso, os caminhos são diversos, com grupos que, por exemplo, realizam uma espécie de "batismo", com um "espancamento coletivo do neófito, para saber até que ponto ele se sustenta em pé, ou se ele consegue se defender, porque no momento de um confronto na rua isso fará diferença", explica o historiador.
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A fiscalização e a aplicação da lei alemã é delicada, como explica Bivar, visto que "não existe necessariamente uma pena de prisão associada à prática de nazismo", mas "é necessário que esse crime esteja associado".
Portanto, em alguns casos, os grupos "se declaram abertamente de outras formas, como em eventos políticos, porque isso dificulta o processo de proibição, "visto que isso poderia ser interpretado como um cerceamento ilegal da liberdade de expressão e de associação política desses indivíduos", reflete o especialista.
A preocupação e xenofobia com imigrantes também é um dos fatores que expandem a atuação dos grupos. Com um alto fluxo de estrangeiros que entraram no país em 2015, devido às políticas "bastante progressistas em relação à recepção de imigrantes" da ex-chanceler da Alemanha Angela Merkel, grande parte da população se sentiu "desprestigiada", afiliando-se a partidos contrários a essas ideias. Sendo a Alemanha um país que visa o incentivo a atividades culturais e físicas, tudo se aglutinou.

"A principal novidade desse fenômeno é a instrumentalização dos esportes de combate, a popularização global do MMA. É bastante importante a gente estabelecer essa distinção. A expansão dos grupos não é um produto necessariamente da existência do MMA enquanto esporte, mas da instrumentalização do uso do esporte como uma forma de difundir uma ideologia extremista em meio aos jovens", diz Bivar.

O fenômeno se estende por toda a Europa. "A gente tem notícia de grupos semelhantes a esse na Polônia, na Ucrânia e, também, na Holanda […]. Ele não necessariamente se restringe ao contexto alemão. Inclusive, [esse movimento na Europa] também deu origem a organizações similares nos Estados Unidos. É um fenômeno que vem ganhando, cada vez mais, uma escala global", reflete Bivar.

No Brasil, ideologia esbarra em particularidades regionais e materiais

Por se tratar de uma ideologia racista, as particularidades regionais importam, principalmente no que tange o conceito de "pureza racial" pregada pelo nazismo. "Os primeiros neonazistas brasileiros, no passado, fizeram contato com os europeus e houve repulsa. Afinal de contas, o brasileiro é miscigenado", relata Alexandre de Almeida.
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O problema maior e estrutural, no entanto, parece ser a falta de investimento público e de acesso a alternativas culturais na cidade, o que leva a maioria dos jovens à descrença de alguma esperança política de um futuro melhor, assim como a lacuna existente de acolhimento e integração social.

"As artes marciais no Brasil, para o nosso imaginário brasileiro, por muito tempo estiveram ligadas àquela ideia de cultura autoritária. É um processo das próprias academias construírem um espaço mais adequado […]. E que ali é o espaço de convivência, de tolerância", ressalta Almeida.

Para Bivar, é notável como a crise política afeta a percepção de mundo de populações marginalizadas, ressaltando que "o simples convencimento racional ou a disponibilização de contranarrativas" não são "suficientes para promover o processo de redução da radicalização dos jovens".
"Quando [o jovem] percebe que está em um mundo instável, há recorrência a esses grupos que prometem uma estabilidade, um mundo com um norte, com começo, meio e fim", complementa Almeida.
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As soluções são complexas e levam tempo, sendo necessário discutir "o papel das próprias associações e federações de artes marciais na criação de alternativas a esses grupos, na integração de indivíduos que têm interesse em deixar essas organizações extremistas, mas que buscam uma maneira de continuar praticando o esporte, de utilizar o esporte de maneira mais construtiva", diz Bivar.

"Existe uma série de políticas públicas que podem ser tomadas, como montar uma academia que preze pela tolerância, pela empatia, para que as pessoas se sintam mais seguras, não vejam o outro como inimigo, porque é o elemento central de todo esse processo", complementa Almeida.

A esquematização de respostas ao problema, portanto, passa por uma análise profunda do perfil social que compõe os grupos, compreendendo "quais são os elementos que promovem a radicalização, justamente para a gente tentar criar alternativas a esses elementos", associando a arte marcial ao papel saudável que ela mesma desempenha.
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