'Não duraria muito': para analistas, sem os EUA Israel não tem capacidade para múltiplos confrontos
10:00, 12 de janeiro 2024
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas destacam que Israel tem um grande poderio militar, mas não seria capaz de travar múltiplas frentes de combate sem a ajuda do seu principal parceiro, os Estados Unidos.
SputnikA ofensiva israelense
lançada na Faixa de Gaza contra o grupo palestino Hamas
extrapolou as fronteiras do enclave e abriu novas frentes de batalha para Israel no sul do Líbano, além de influenciar
ataques houthis contra embarcações no mar Vermelho em represália.
A ampliação do confronto levantou a dúvida sobre se Israel teria poderio militar suficiente para travar conflitos em múltiplos fronts ou sobre se o país, assim como a Ucrânia, aposta suas fichas no apoio incondicional dos EUA e de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
A Sputnik Brasil conversou com especialistas para entender qual a real capacidade militar de Israel e se ela seria suficiente para que o país trave conflitos simultâneos.
Qual é o poder militar de Israel?
Para o coronel da reserva da Força Aérea Brasileira (FAB) Fabio Paggiaro, Israel hoje é muito mais forte militarmente do que os países de seu entorno.
"Israel é muito mais competente para os outros meios. E certamente, pela posição geográfica que ocupa e pelo significado geopolítico disso, vai ter apoio completo dos Estados Unidos. Então se alguém quiser puxar alguma guerra desse tipo, eu não vejo a menor possibilidade de conseguirem, em termos convencionais, derrotar Israel."
Entretanto Paggiaro destaca que seria impossível para Israel manter ofensivas em várias frentes sem o apoio de Washington. Segundo ele, a capacidade militar que o país tem atualmente seria suficiente para começar confrontos em múltiplas frentes, "mas não duraria muito tempo".
"A questão de lutar em várias frentes, Israel já luta desde a criação do Estado. Em 1948, quando foi declarada a independência, todos invadiram ali. Eles sempre foram capazes de lutar. Agora, não dá para sustentar isso. Por mais que tenha capacidade tecnológica e industrial, os aviões, grande parte dos armamentos e coisas vêm dos Estados Unidos. […] Eles têm muitos mísseis, mas também têm mísseis norte-americanos, e aí tem o desgaste disso. Tem o consumo desse equipamento, esse equipamento tem que ser reposto", explica o coronel.
27 de novembro 2023, 11:36
"Então guerra prolongada, sem apoio dos Estados Unidos, é impossível [para Israel]. Agora, eles têm condições de não deixar ter uma guerra prolongada. Eles têm condições de resolver a guerra de forma rápida e bastante agressiva, como eles sempre fizeram", complementa.
Quais são os aliados de Israel?
Paggiaro argumenta que embora o respaldo incondicional da OTAN seja uma dúvida, por conta de outros atores envolvidos, Israel nunca deixará de ter o apoio dos EUA, por ser um parceiro estratégico para Washington na região.
"Os Estados Unidos e o Reino Unido certamente não vão deixar Israel sucumbir naquela região, porque daí a região vai ser dominada pelo Irã. É uma questão geopolítica. Eu não acredito que eles aceitem alguma coisa desse tipo, porque seria uma derrota geopolítica muito grande."
Paggiaro acrescenta que Israel é um enclave ocidental no Oriente Médio, por isso uma derrota de Israel, principalmente para o Irã, seria "uma derrota geopolítica fenomenal para os Estados Unidos e para o Ocidente".
A capacidade militar de Israel é bastante alta, como aponta, em entrevista à Sputnik Brasil, Luciana Garcia, graduada em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e pós-graduada em política e relações internacionais pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
"As Forças de Defesa de Israel [FDI] são uma das mais equipadas e potentes do mundo. Israel detém tecnologia de segurança e de defesa de ponta e de exportação. De acordo com o mais recente levantamento da Global Firepower, instituição que mede as forças militares pelo mundo, o Estado de Israel é o 15º país com os maiores gastos militares no mundo."
Ela acrescenta que "Israel é a única potência nuclear do Oriente Médio".
Quais são os inimigos de Israel?
Luciana afirma que
a principal preocupação do governo de Israel hoje não é o Hamas, mas sim a possibilidade de
confronto com o grupo libanês Hezbollah.
"Apesar de ambos [Hamas e Hezbollah] deterem apoio iraniano, o Hezbollah é considerado muito mais forte do que o Hamas, sendo temido inclusive pela opinião pública israelense. O Hezbollah é uma organização política e paramilitar xiita que atua no Líbano, com cerca de 100 mil combatentes e dezenas de milhares de mísseis de longo alcance, com capacidade real de atingir todo o território de Israel. Além de o Hezbollah manter parte de seu arsenal usado na longa guerra civil libanesa (1975–1990), o seu poderio militar se fortaleceu consideravelmente desde 2012, quando apoiou o regime da Síria contra as forças rebeldes e os grupos fundamentalistas sunitas, durante a guerra civil da Síria (2012–2019)."
A especialista diz não acreditar que Tel Aviv, neste momento, tenha capacidade de enfrentar várias frentes de batalha, "sobretudo após passar pelo pior ataque terrorista de sua história, no dia 7 de outubro de 2023".
Ela acrescenta que "os massacres em Gaza, que refletem o objetivo do governo israelense de exterminar o Hamas, em primeiro lugar, para, em seguida, libertar os reféns israelenses, vêm tornando o governo de Tel Aviv cada vez mais impopular dentro e fora de Israel".
"A ameaça do Hezbollah ao norte de Israel preocupa tanto o governo como a sociedade israelense, por se tratar de uma ameaça muito mais letal. Entretanto, apesar dos ataques esporádicos com mísseis entre Israel e o Hezbollah, é pouco provável que o Hezbollah entre em uma guerra contra Israel, sobretudo no atual momento de crise econômica e política no Líbano."
Luciana diz considerar improvável uma aliança entre países árabes contra Israel neste momento. Ela aponta como motivo o cenário interno caótico vivenciado por vários países do Oriente Médio.
"O Líbano, a Síria e o Egito têm inúmeros problemas internos de ordem política, econômica e social, e uma guerra contra Israel deterioraria realidades já muito precárias. A Síria, por exemplo, ainda tenta se reconstruir após a longa guerra civil, com muitas dificuldades."
"Ademais, antes dos ataques do dia 7 de outubro, Israel firmou uma série de acordos e tratados visando à normalização de suas relações internacionais com alguns países árabes, como os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita, o Marrocos e o Bahrein. Tal processo, realizado em pleno governo [Donald] Trump, conhecido como Acordos de Abraão, ajuda a inviabilizar uma eventual coalizão armada contra Israel, mesmo diante de manifestações populares internas pelo cessar-fogo e em apoio à causa palestina", acrescenta a especialista.
Há possibilidade de um conflito de larga escala no Oriente Médio?
Luciana argumenta que um conflito de larga escala no Oriente Médio afetaria diretamente os Estados Unidos, o que justamente levou o país a tomar medidas de prevenção.
"No dia 7 de outubro, o governo dos Estados Unidos condenou com firmeza o ataque do Hamas. Após, o governo americano enviou armas e munições adicionais para Israel, além de reposicionar alguns navios de guerra em pontos estratégicos do Oriente Médio, próximo ao sul do Líbano e do Irã. Ainda realizaram uma intensa turnê pelos países da região, a fim de angariar apoio de alguns árabes para evitar o alastramento dos conflitos."
Ela acrescenta que os Estados Unidos também buscam evitar o alastramento do confronto porque o presidente americano, Joe Biden, vem sofrendo pressão interna e perda de popularidade por sua insistência em manter o apoio à Ucrânia no conflito com a Rússia.
"O governo Biden vem sofrendo fortes pressões internas, diante dos custos de uma nova intervenção militar. É importante ressaltar que os Estados Unidos dispensaram uma alta quantia em apoio à Ucrânia, contra a Rússia", conclui a especialista.