Ora, a verdadeira história por trás do conflito na Ucrânia começa com o fim da União Soviética. Afinal, quando o Muro de Berlim veio abaixo, Mikhail Gorbachev fez algo que parecia impensável: a saber, retirou mais de 400 mil soldados da Alemanha Oriental, permitindo assim a reunificação do país.
Entretanto, esse gesto de boa vontade por parte do líder soviético veio acompanhado de uma condição: de que o Ocidente não moveria a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) uma polegada que fosse para o leste. Pouco tempo depois, entretanto, Zbigniew Brzezinski, geoestrategista americano que trabalhou com o presidente Jimmy Carter na década de 1970, escreveu um artigo para a prestigiosa revista Foreign Affairs, em 1997, propondo expandir a OTAN até as fronteiras russas.
Na época, o próprio George Kennan, um dos diplomatas mais importantes da história americana e arquiteto da política de contenção à União Soviética durante a Guerra Fria, se opôs à ideia, entendendo que a expansão da OTAN alienaria em definitivo a Rússia.
Durante a década de 1990, vale lembrar, a Rússia se encontrava enfraquecida política e economicamente, necessitando da ajuda ocidental para a transição de sua economia. Não era conveniente, portanto, tratar a Rússia como se ela ainda fosse um adversário do Ocidente. Seja como for, apesar dos apelos contrários, Washington decidiu dar sinal verde à expansão da OTAN, incorporando Polônia, Hungria e República Tcheca em 1999.
O incremento da Aliança Atlântica, portanto, passou a ser movido não pelo bom senso, mas sim pelos interesses econômicos e geopolíticos estadunidenses. Junta-se a isso o fato de os Estados Unidos terem deixado em 2002 o Tratado de Limitação de Mísseis Antibalísticos, que tinha o intuito de proibir seu uso e sua implantação em território europeu.
Moscou queria renovar esse tratado, ao passo que os americanos optaram por deixá-lo unilateralmente, aumentando assim o clima de instabilidade na Europa. Logo, pouco após a segunda expansão da OTAN, em 2004, os Estados Unidos implantaram sistemas de mísseis antibalísticos em países como Romênia e Polônia numa clara provocação à Rússia.
O principal golpe nas relações entre Moscou e o Ocidente, porém, veio em 2014. Naquele ano, na esteira dos protestos em Kiev, as potências ocidentais (Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos) fizeram vista grossa ao golpe de Estado na Ucrânia, que derrubou o então presidente eleito Viktor Yanukovich. Washington, que havia gasto cerca de 5 bilhões de dólares de ajuda à Ucrânia, usou parte desse dinheiro para alimentar operações secretas da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) naquele país.
O presidente russo, Vladimir Putin, à direita, e seu homólogo ucraniano, Viktor Yanukovich, retratados durante a cerimônia de assinatura após a 6ª reunião da Comissão Interestadual Russo-Ucraniana no Kremlin (foto de arquivo)
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Por meio de infiltração em organizações locais, os Estados Unidos conseguiram incitar e incendiar ainda mais o ânimo popular, terminando justamente com a derrubada de um líder considerado pró-russo em Kiev. Na época, tudo o que Yanukovich queria era uma "Ucrânia neutra", mantendo relações balanceadas tanto com a Rússia quanto com a União Europeia. Washington, por sua vez, queria instalar um governo pró-Estados Unidos em Kiev, um governo que pudesse manipular como uma marionete a fim de atender aos seus interesses econômicos e geopolíticos.
E foi exatamente isso o que aconteceu. Victoria Nuland, que em 2014 era secretária assistente de Estado, trocou mensagens — posteriormente vazadas — com o então embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia, sugerindo nomes para o próximo gabinete ucraniano a ser formado no pós-golpe.
Nuland sabia com semanas de antecedência sobre a derrubada de Yanukovich, o que demonstra o grau de penetração americana na Ucrânia. Seja como for, Washington foi bem-sucedido em sua missão de promover o golpe de Estado no país em 2014.
Logo, encorajados pelo apoio estrangeiro, Kiev decidiu retomar à força o controle dos territórios em Donbass que se recusaram a reconhecer as novas autoridades centrais. Ataques sucessivos foram dirigidos às regiões de Donetsk e Lugansk, predominantemente povoadas por russos étnicos.
Kiev começou também a aprovar leis que restringiam o uso da língua russa em todo o país, especialmente em esferas governamentais. A violência que irrompe a partir de então culminou em 2022 na morte de mais de 14 mil pessoas, fato ignorado pelas lideranças ocidentais.
Em todos esses anos, Vladimir Putin conclamava a comunidade internacional a olhar para o sofrimento dos russos étnicos de Donbass desde 2014.
Não obstante, nos meses que se seguiram ao golpe de Estado em Kiev, o líder russo tentou chegar a um modus vivendi com as autoridades ucranianas por meio dos Acordos de Minsk, que visavam federalizar a Ucrânia, mantendo assim sua integridade territorial. Potências europeias como Alemanha e França também participaram das negociações e concordaram com suas cláusulas, mas nunca incentivaram Kiev a cumprir com os acordos.
A partir da esquerda, o presidente russo, Vladimir Putin, o então presidente francês, François Hollande, a então chanceler alemã, Angela Merkel, e o então presidente ucraniano, Pyotr Poroshenko, conversam em Minsk. Belarus, 11 de fevereiro de 2015
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Então chegamos ao ano de 2019, com a eleição do ex-comediante Vladimir Zelensky para o cargo de presidente. Zelensky fez uma campanha eleitoral com promessas de alcançar a paz com a Rússia e de cumprimento dos Acordos de Minsk, o que nunca chegou a pôr em prática depois de eleito. Por pressão das forças ultranacionalistas dentro do país e sob a influência estadunidense, Zelensky transformou-se então em mais uma marionete a mando da Casa Branca, não mais do que um instrumento para enfraquecer a posição da Rússia no espaço pós-soviético.
Na prática, o governo dos Estados Unidos passou a dirigir os rumos da Ucrânia, preparando Kiev militarmente para uma investida ainda mais violenta contra a região de Donbass e seduzindo sua elite com promessas de adesão à OTAN.
Ao final de 2021 e no início de 2022, a Rússia tenta novamente evitar uma tragédia, negociando com lideranças ocidentais e exigindo garantias de segurança a Moscou. Os esforços de Putin, no entanto, foram mais uma vez ignorados. Com isso, não restou alternativa à Rússia senão iniciar a sua operação militar especial em fevereiro de 2022.
Tudo o que Moscou propunha era resolver suas diferenças com o Ocidente e com Kiev pela via diplomática. Entretanto, os Estados Unidos e o Reino Unido impediram Zelensky de negociar a paz com a Rússia, optando pelo prolongamento do conflito e do derramamento de sangue.
A história mostra, portanto, que o custo de toda esta tragédia humanitária que vemos hoje recai justamente sobre os ombros da marionete e de seu mestre, a controlar as cordas desde o outro lado do oceano.
As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.