Em primeiro lugar, é preciso dizer que a passagem de Lula pelo Egito foi importante por uma série de razões. Do ponto de vista simbólico, ela marcou o aniversário de 100 anos do estabelecimento de relações diplomáticas entre os dois países. Ora, o convite para visitar o Egito foi feito a Lula pelo presidente Al-Sisi ainda antes da posse do presidente brasileiro.
Em 2022, por exemplo, Lula esteve no país árabe durante a COP27 (conferência do clima organizada pela Organização das Nações Unidas), em Sharm el-Sheikh, onde anunciou "o retorno do Brasil ao mundo", assim como as futuras diretrizes da política externa brasileira, que tem na África um de seus principais vetores.
Do ponto de vista comercial, por sua vez, o Egito é o principal parceiro do Brasil no continente, responsável por 20% das exportações brasileiras para a África. No âmbito dessa relação comercial, o principal produto exportado pelo Brasil para o país árabe é o milho, seguido de minério de ferro, açúcar e carne bovina. Autoridades no Cairo prometeram, no entanto, aprovar uma série de frigoríficos no Brasil para exportação de carne, o que fará com que a pecuária brasileira ocupe um lugar de ainda maior destaque no comércio bilateral.
Lula e Abdel Fattah al-Sisi no Cairo, em 14 de fevereiro de 2024
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0
Para além disso, a reunião de Lula com Al-Sisi não será o único encontro entre os presidentes a ocorrer em 2024. Afinal, o Egito foi um dos países convidados a aderir ao BRICS no ano passado e Al-Sisi deverá estar presente também na próxima reunião do grupo, a ocorrer na Rússia durante o segundo semestre. A aproximação do Egito com o BRICS, por sua vez, data de 2021. Naquele ano o país árabe tornou-se membro do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que passou a incluir Bangladesh, Uruguai e Emirados Árabes Unidos.
Com a expansão, o banco do BRICS ampliou seu alcance global no Norte da África, no Oriente Médio, na Ásia e na própria América do Sul. Como instituição financeira multilateral criada pelo BRICS em 2014 para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em mercados emergentes, o NBD atualmente conta com Dilma Rousseff (antiga aliada de Lula) em sua presidência.
Não há, no momento, projetos aprovados para o Egito por parte do NBD, mas isso não quer dizer que o país árabe não possa fazer uso da instituição como fonte de financiamento alternativa às organizações internacionais dominadas pelo G7, como é o caso do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Falando em FMI, cerca de 40% de todo o débito com a instituição vêm da África. O Egito, por sua vez, detém sozinho cerca de 30% de toda essa dívida. Logo, o Cairo também possui grande interesse em uma reforma dessa organização, o que se coaduna com a posição dos demais membros do BRICS, Brasil incluso.
Assim sendo, com a entrada do Egito no grupo, fortalece-se o discurso em torno da necessidade de conceder maior voz aos países emergentes nos processos de tomada de decisão global.
Ampliar as relações com o Egito, portanto, trata-se de uma das estratégias mais bem-vindas da diplomacia brasileira na atualidade. Afinal, o diálogo entre os dois países foi fundamental para o processo de negociação que resultou na repatriação de milhares de cidadãos brasileiros da Faixa de Gaza, região que faz fronteira com o Egito.
Ainda sobre o conflito em Gaza, durante a fala oficial de Lula no Egito, o mandatário brasileiro lembrou que o Brasil não só condenou os ataques do Hamas a Israel, mas também a retaliação israelense que se seguiu, que já deixou mais de 30 mil mortos palestinos em Gaza.
Para além disso, Lula criticou Israel por, segundo o presidente, deter uma espécie de primazia no descumprimento de decisões emanadas da ONU. A sinalização de Lula é bastante simbólica, pois a diplomacia brasileira foi uma das que mais insistiram na necessidade de implementar um regime de cessar-fogo entre Israel e o Hamas que permitisse a devida prestação de ajuda humanitária à população de Gaza.
Não obstante, o Brasil de Lula também se manifestou em apoio a um processo instaurado pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça que visa julgar as ações de Israel, consideradas atinentes a práticas de genocídio. Em termos de solução política para a situação no Oriente Médio, Lula e a diplomacia brasileira vêm defendendo o estabelecimento de um Estado palestino economicamente viável a coexistir em paz com Israel.
Lula durante sessão extraordinária do Conselho de Representantes da Liga dos Estados Árabes, na sede da Liga dos Estados Árabes, no Cairo. Egito, 14 de fevereiro de 2024
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert
Seja como for, para além da visita ao Egito, Lula agora atende a compromissos na Etiópia, outro país que faz parte do BRICS a partir de 2024. Aqui vale dizer que há um grande potencial a ser explorado no sentido comercial entre os dois países.
Afinal, a Etiópia é o segundo Estado mais populoso da África (perdendo apenas para a Nigéria), com cerca de 117 milhões de habitantes, e seu PIB cresceu 7% ao ano (em média) no último quinquênio. Entretanto, menos de 1% de todas as exportações brasileiras para a África tem como destino a Etiópia, o que demonstra o grau de subaproveitamento das relações comerciais entre Brasília e Adis Abeba.
No aspecto político, contudo, Lula certamente aproveitará sua passagem pela Etiópia para dedicar-se com maior ênfase à sua participação na cúpula da União Africana, que ocorrerá até o dia 18 de fevereiro. A organização africana, aliás, tornou-se há pouco tempo membro oficial do G20, cuja reunião de chefes de Estado terá lugar em novembro deste ano, no Brasil.
Lula durante reunião ampliada com o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali, em 16 de fevereiro de 2024
© Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert
Como o foco tanto do G20 como da União Africana incluem o combate à desigualdade e à fome, a questão da transição energética e a reforma das organizações internacionais, a presença de Lula na Etiópia servirá para tratar de forma mais aprofundada de todos esses assuntos.
Em suma, em seu tour pela África, Lula reforça não somente o universalismo de sua política externa, como também o seu prestígio internacional. Afinal, contar com o reconhecimento de um dos continentes que mais cresce no mundo é, por assim dizer, razão de orgulho e símbolo de novos ares para a diplomacia brasileira.
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