A dura reação do presidente da Argentina, Javier Milei, contra o governo da Espanha após um comentário do ministro dos Transportes espanhol sobre seu alegado consumo de drogas, abriu uma pequena crise diplomática entre os dois países que aumentou a polarização de vida política em ambos os lados do Atlântico.
O comunicado oficial do gabinete presidencial argentino repudiou as "calúnias e difamações" ditas por Puente e provocou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, ao apontar as acusações de corrupção sobre sua esposa, Begoña Gómez.
Para além disso, o texto também se refere a assuntos internos do Estado espanhol, precisamente à Lei de Anistia aprovada no final de março no Congresso em benefício dos independentistas catalães.
"Colocou as mulheres espanholas em risco ao permitir a imigração ilegal daqueles que ameaçam a sua integridade física; e colocou a classe média em perigo com as suas políticas socialistas que só trazem pobreza e morte", diz o comunicado.
A resposta evasiva do porta-voz do presidente argentino, Manuel Adorni, sobre onde estariam as bases para as alegações de Milei repercutiram ainda pior para o país da América do Sul que, mais tarde, recebeu uma nota do Ministério das Relações Exteriores da Espanha que "rejeitou categoricamente os termos infundados" da declaração emitida pela Presidência da República argentina, que não correspondem "às relações de dois países e povos irmãos".
A tensão surgiu em plena campanha eleitoral para as eleições regionais na Catalunha, onde os socialistas lideram as pesquisas, embora tenham de negociar com outros partidos caso queiram governar.
A partir de então, a oposição espanhola tem acusado o governo de provocar "uma crise política com um país irmão" com fins eleitorais.
A presidente regional de Madri, Isabel Díaz Ayuso, defendeu Javier Milei, atacou duramente o Executivo espanhol e criticou "a derivação peronista" do governo de Pedro Sánchez, a quem definiu como "autoritário" e "autocrático", "capaz de insultar um presidente".
Da Argentina, o ex-presidente Alberto Fernández lamentou "profundamente" a reação do governo argentino em sua conta no X (anteriormente Twitter) dizendo que "nada justifica que na sua denúncia o governo argentino se junte a uma vergonhosa campanha de difamação contra Sánchez e a sua família".
"Em um momento delicado para a Argentina, estamos em uma mentalidade de soma zero", explica Sergio Cesarin, professor do Instituto do Serviço Exterior Nacional e da Universidade Nacional de Tres de Febrero (UNTREF), à Sputnik. Cesarin lamenta o atual "estilo de condução e liderança" do seu país e indica que o "apoio político cruzado" durante as últimas eleições na Espanha e Argentina também foi decisivo.
Para o especialista, seria necessário "deixar de lado" as arestas. "Grandes investimentos espanhóis estão aqui e é necessário manter o clima de concórdia e o diálogo bilateral fluido."
Considerado uma figura controversa por analistas de política internacional, o presidente argentino viajou aos EUA para participar de um fórum conservador e se reunir novamente com o empresário Elon Musk em busca de investimentos. Apesar de ser a quarta visita ao país norte-americano nos últimos cinco meses na condição de chefe de Estado, Milei não foi recebido por Biden em nenhuma das ocasiões — demonstrando um total alinhamento com Washington mesmo diante de fatores geopolíticos adversos.
Nos dias 18 e 19 de maio, Milei deve visitar Madri para acompanhar o líder da formação de extrema direita Vox, Santiago Abascal, no evento Europa Viva 24, mesmo com o clima estremecido entre os governos.
Na opinião de Cesarin, a agenda de Milei vai ignorar a do governo da Espanha.
"Simplesmente, ele vai se encontrar com os líderes da oposição. Será mais um marco nessas diatribes cruzadas, porque Milei, insatisfeito com o presidente espanhol, vai visitar um dos líderes da oposição espanhola. Isso não faz nada, a não ser agravar ainda mais a tensão", diz ele.
Na opinião do professor, a atual negligência diplomática em Buenos Aires ocorre ao mesmo tempo que a contínua deterioração da situação socioeconômica e em um contexto de "mobilização social muito forte" em todo o país devido à reforma do setor público. "Agora estamos em um processo de redução da inflação, mas a nossa esperança é ter uma inflação de 9%, ficaríamos felizes com 9% mensais", explica.