A visita de Xi à Europa, a primeira em cinco anos, foi concebida para aumentar o seu alcance global e dar à Europa uma alternativa a uma política externa liderada pelos EUA, que domina o continente há décadas. De acordo com o dr. George Szamuely, pesquisador sênior do Global Policy Institute, é possível que o presidente chinês esteja tentando afastar a Europa dos Estados Unidos, já que o poder ascendente da China e o poder decrescente dos Estados Unidos parecem destinados a permanecer em rota de colisão.
"[Xi Jinping] não quer realmente enfrentar uma frente unida dos EUA e da União Europeia [UE] da mesma forma que a Rússia enfrentou na Ucrânia. Então, ele está fazendo o possível para afastar os europeus dos americanos", disse Szamuely à Sputnik.
A seleção dos três países que Xi escolheu foi intencional, em parte porque cada um deles assinala datas históricas importantes relacionadas com a China, mas mais importante ainda, Xi vê provavelmente uma oportunidade de aumentar a sua influência em cada um deles.
A Sérvia foi o caso mais fácil. Sérvia e China têm vindo a aumentar os seus laços econômicos recentemente e, quando Xi chegou ao palácio presidencial, foi saudado por uma multidão agitando bandeiras chinesas e gritando "China, China, China".
A viagem de Xi coincidiu com o 25º aniversário do bombardeio pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) da embaixada chinesa na Sérvia, e o presidente chinês visitou o local do bombardeio, que matou três jornalistas chineses.
"A Sérvia ainda está muito ressentida com o bombardeio da OTAN em 1999, e isso formou o vínculo com a China porque, claro, a embaixada chinesa foi destruída durante o bombardeio da OTAN", explicou Szamuely. "Então isso cria um vínculo entre a China e a Sérvia como vítimas da OTAN."
A Hungria, do mesmo modo, tem uma forte relação com a China e está rapidamente se tornando o ponto de entrada da China no mercado da UE. Era o 75º aniversário do estabelecimento das relações entre a Hungria e a China, e ambos os países pareciam ansiosos por continuar desenvolvendo seus laços econômicos.
"[Xi] foi para a Sérvia e a Hungria, dois países relativamente pequenos que não têm tanto peso, mas que, no entanto, representarão uma certa forma independente de pensar na Europa. O tipo de pensamento que Xi Jinping gostaria de encorajar", disse Szamuely.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, distanciou o seu país de outros membros da UE em várias questões nos últimos anos, incluindo na questão da Ucrânia. No ano passado, Orbán atrasou durante meses um pacote de ajuda do bloco europeu à Kiev, irritando outros membros da UE.
A relação da Hungria com a China também pode permitir que Xi contorne as tarifas da UE sobre os veículos elétricos (VEs) chineses, outra questão que certamente vai irritar Bruxelas.
Durante as suas visitas, Xi e os seus homólogos se comprometeram a continuar aumentando os seus laços econômicos e disseram que um projeto ferroviário de alta velocidade de US$ 2,1 bilhões (cerca de R$ 10,8 bilhões) que ligará as capitais da Hungria e da Sérvia avançará, em grande parte financiado com empréstimos chineses. Tanto a Hungria como a Sérvia participam na iniciativa chinesa Cinturão e Rota.
Mas a viagem de Xi à França foi o que pode realmente mudar o cenário geopolítico se os dois países começarem a se aproximar. Os dois países também assinalaram uma data histórica durante a visita de Xi, completando 60 anos desde que ambos estabeleceram relações diplomáticas. Mais importante ainda, a França ainda é um dos países mais poderosos da UE e, junto com a Alemanha, tende a dirigir as políticas da união. Embora, na prática, a França tenha estado virtualmente ligada à política externa dos Estados Unidos, o presidente francês Emmanuel Macron expressou o desejo de sair da sombra de Washington.
"No ano passado, quando Macron visitou a China, no regresso, falou muito sobre a necessidade de a Europa conquistar autonomia estratégica, da necessidade de a Europa prosseguir uma política externa independente e, acima de tudo, disse que não deveríamos seguir cegamente os Estados Unidos. Agora, Macron realmente não buscou isso", afirmou Szamuely. "Mas provavelmente, pensou Xi Jinping, bem, isso é um bom sinal, você sabe, talvez ainda haja alguma esperança na Europa."
Apesar de a Alemanha ser a principal potência econômica da Europa e depender dos mercados chineses, Xi achou que não valeria a pena visitar Berlim, especulou Szamuely. A Alemanha é tão subserviente aos Estados Unidos que "aceitou cegamente a destruição dos seus gasodutos Nord Stream [Corrente do Norte]" por Washington, e a sua ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, é "raivosamente anti-chinesa", tornando inúteis para Xi quaisquer negociações com o atual governo na Alemanha.
"Enquanto existir esta tensão e a Europa não souber realmente qual o caminho a seguir, será que quer realmente prosseguir a prosperidade e as boas relações com a China? Ou quer se manter em sintonia com os Estados Unidos?", perguntou Szamuely.
É claro que Macron tinha os seus próprios objetivos na reunião, na esperança de fazer com que a China cedesse em algumas questões econômicas e pressionasse a Rússia a pôr fim à sua operação militar especial na Ucrânia. Segundo relatos, Macron falhou em ambos os objetivos. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também estava lá, mas a sua presença não pareceu influenciar Xi.
No mês passado, Xi se reuniu com o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, reafirmando o compromisso da China com a sua amizade "sem limites" com a Rússia.
"Acho que isso criará uma grande mudança, pelo menos para França, Hungria e Sérvia, para se aproximarem da China", disse o especialista em assuntos da Ásia-Pacífico, Thomas W. Pauken II, à Sputnik.