Longe da Faixa de Gaza, onde a resposta de Israel aos ataques de 7 de outubro se mostrou — pelo menos numericamente — desproporcional, estudantes norte-americanos e europeus ocuparam as universidades pedindo o fim do apoio de seus governos à administração de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelense.
Nos Estados Unidos, mais de mil universitários em dez estados foram presos pelo simples ato de protestar contra a guerra em Gaza. Para Eurico de Lima Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Estratégicos (Inest), da Universidade Federal Fluminense (UFF), esses atos têm potencial para redesenhar a política norte-americana.
Neste momento, próximo às eleições presidenciais dos EUA, o normal seria que essa faixa da população votasse no candidato do Partido Democrata e atual presidente, Joe Biden. No entanto "uma hipótese é que eles se isentem do voto nas eleições deste ano".
"E, portanto, fortaleceriam a votação em [Donald] Trump [ex-presidente e candidato republicano], que, se supõe, será contrário também à posição dos Estados Unidos em Gaza."
As manifestações contra as ações estadunidenses, contudo, não se dão somente dentro dos campi universitários dos Estados Unidos. Ao redor do mundo, a juventude se movimenta contra os mandos e desmandos dos Estados Unidos e sua ordem "baseada em regras".
Em diversos países africanos, como Níger, Chade, Mali e Burkina Faso, a população, em sua maioria jovem, exige a saída das tropas norte-americanas e francesas do país. Estas, por sua vez, estão sendo substituídas por soldados russos.
Por que são sempre os jovens que protestam?
O momento de eclosão desses protestos de juventudes ao redor do mundo não é uma novidade. Pelo contrário, ocorre ocasionalmente pela história moderna, como em 1968, quando manifestações contraculturais de grande porte e insurreições aconteceram ao redor do mundo.
"O maio francês veio junto com Woodstock, com guerrilhas de libertação colonial e a ascensão do poder gay", explica o psiquiatra Ricardo Krause. Nada nos modelos políticos, econômicos e ideológicos dava conta de responder às movimentações que se formavam, e os fenômenos, a princípio localizados, ganharam dimensão mundial, sublinhou.
A "rebeldia" contracultural da juventude é uma fase normal do desenvolvimento do cérebro, diz o psiquiatra. É no início da puberdade que o cérebro se reorganiza e começa a alcançar a "plena capacidade do pensamento abstrato". Em termos sociais, isso se traduz na busca de novas informações e sensações. "Começa a formação do cérebro social", sintetiza Krause.
"Os adolescentes se opõem ativamente e sistematicamente a tudo e a todos, principalmente às figuras de autoridade do pai e da mãe."
O que acontecerá com a ordem norte-americana?
Da mesma forma, os governos da época passam a ser contestados em massa pela população mais jovem. Em 1968 não só eclodiram o maio francês e os protestos contra a guerra norte-americana ao Vietnã, como também manifestações em países comunistas, como Tchecoslováquia e Polônia, e contra a ditadura militar brasileira.
Na época, aponta Figueiredo, o mote das manifestações eram os "ideais democráticos", até mesmo naquelas que ocorriam dentro dos Estados Unidos, uma vez que os estudantes da época viam nas intervenções estadunidenses uma afronta à democracia dos países afetados.
"Em nome da democracia, aqueles jovens daquela época protestaram contra a intervenção norte-americana e dos países ocidentais."
Desde então, essa ordem criada pelos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial só se intensificou e tem fortes repercussões até hoje, destaca o professor da UFF, como o desgosto que grande parte da população sente pelos EUA e pela Europa, "caudatária dos Estados Unidos".
Um dos principais slogans de Donald Trump é o famoso "American First" (América em primeiro lugar), lembra Figueiredo, ou seja, que "não é de interesse dos Estados Unidos intervir em situações como a que está acontecendo em Gaza e a que está acontecendo na Ucrânia".
Ou seja, ao possivelmente se recusarem a participar das eleições, esses jovens poderiam acelerar a consolidação de uma ordem mundial multipolar, na qual o presidente dos Estados Unidos não mais poderá ditar a política mundial de seu trono na Casa Branca, devendo esta ser debatida através de instrumentos verdadeiramente multilaterais, como fóruns e organizações supracionais.