Panorama internacional

Participação dos EUA? Especialista discute o que representa o 'quase golpe' no Congo

Bandeira da República Democrática do Congo pintada em muro no vilarejo de Walikale
No último domingo (19), uma tentativa frustrada de golpe de Estado na República Democrática do Congo resultou em três mortes, a partir da ação de dezenas de homens.
Sputnik
José Ricardo Araujo, membro do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), e pesquisador da região da África Subsaariana, falou aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, sobre o "quase golpe" no país africano.

"50 homens marcharam até a casa de Vital Kamerhe, um político congolês [candidato à presidência da Assembleia Nacional], e depois para o Palácio das Nações", narrou Araujo.

Segundo ele, o grupo fez uma live no Facebook (cujas atividades são proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas) dentro do palácio, proclamando a tomada do Estado. "Foram 50 homens armados, cuja origem das armas ainda é incerta, mas que não representaram uma ameaça real […]", comentou o pesquisador.
#365 Mundioka
Mundioka
O que levou à tentativa de golpe no Congo?
Nesse dia, ao menos três pessoas, incluindo policiais, foram mortas e tiros foram disparados perto da residência do candidato à presidência da Assembleia Nacional, Vital Kamerhe.
Imediatamente após a tentativa de golpe, a segurança em Kinshasa foi intensificada. "Desde então existem diversos bloqueios pela cidade, e isso gerou críticas pela forma rigorosa como as revistas estão sendo conduzidas."
Uma investigação foi aberta, e apesar de o presidente atual, Félix Tshisekedi, ainda não ter se pronunciado oficialmente, o episódio gerou alerta internacional.
Em relação às consequências a longo prazo, Araujo destaca que há uma teoria conspiratória de que o golpe pode ter sido arquitetado pelo próprio governo para justificar futuras repressões. Outra hipótese é que o governo sabia da conspiração e permitiu que os homens chegassem ao Palácio das Nações, para reformar as Forças Armadas e a polícia, identificando possíveis detratores internos.
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Araujo também cita a presença de três estadunidenses entre os golpistas, além de Christian Malanga, líder do movimento. "Malanga tem uma história complexa: nasceu no Congo, obteve asilo político nos EUA, voltou ao Congo e se tornou militar. Em 2011, candidatou-se ao Parlamento e foi preso sem justificativa. Posteriormente, ele proclamou um governo próprio na Bélgica, autointitulando-se presidente do Novo Zaire."
Araujo, no entanto, ressalta que entre os 50 homens, apenas três eram dos EUA e que não há evidências concretas, até o momento, de um envolvimento mais amplo do país.

"As riquezas naturais do Congo influenciam diretamente a atenção e as ações do sistema internacional. Acredita-se que Ruanda financia o [grupo rebelde] M23 para obter acesso a esses recursos", afirma.

O pesquisador também criticou a cobertura superficial da imprensa dos eventos no Congo, tanto na mídia brasileira quanto internacional. "As pautas africanas ainda são negligenciadas. O público não tem noção da importância estratégica do Congo para o Brasil e para o sistema internacional."
Por fim, Araujo menciona que a Organização das Nações Unidas (ONU) ainda não se pronunciou oficialmente sobre o golpe, mas que houve respostas de órgãos como o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, que condenou o ataque e expressou apoio ao governo congolês, assim como Bintou Keita, chefe da Missão da ONU para a Estabilização na República Democrática do Congo (Monusco, no acrônimo em francês).

Das instabilidades do Congo à esperança de uma nova vida

Charly Kongo chegou ao Brasil em 2008, após deixar seu país natal, a República Democrática do Congo, devido à instabilidade política. Atualmente ele vive no Rio de Janeiro (RJ), onde atua como professor de francês e participa de projetos de integração para refugiados.

"A situação ficou muito pesada para mim", lembra Charly, em entrevista à Sputnik Brasil, ao explicar sua saída do país africano.

Desde 1994 a região tem tido conflitos, em grande parte devido à interferência externa e à disputa por recursos naturais, como o coltan, essencial para a fabricação de eletrônicos. "A guerra traz tudo de ruim: doença, estupro de mulheres, violações de direitos humanos, morte das pessoas."
Sem muita escolha, ele aproveitou a oportunidade que surgiu de vir para o Brasil, mesmo sem falar a língua ou conhecer a cultura local. "Antes de vir ao Brasil, eu conhecia pouca coisa […]. Não sabia falar português."
O professor fala com carinho sobre a recepção que teve em território brasileiro. "O povo brasileiro é um povo muito acolhedor", diz.
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Ele destaca o apoio dado não só a ele, mas a muitos refugiados que vivem no Rio de Janeiro. "O brasileiro é um povo que sabe respeitar o estrangeiro, sabe se preocupar, [quer saber] se o estrangeiro está à vontade no seu país."
Apesar do acolhimento, ele reconhece que ser identificado como refugiado pode trazer uma mistura de reações, de empatia até preconceitos.
Sobre a situação atual do país congolês, ele descreve a tentativa de golpe recente como "muito ruim, porque é uma democracia nova". Segundo Charly, o atual presidente é apenas o quinto desde a independência do país, e é essencial manter a estabilidade democrática: "Foi uma grande esperança para a gente, congolês, continuar nesse ritmo de ter uma eleição e de ter uma passagem pacífica do poder."
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Ainda assim, ele mantém a esperança de que a juventude congolesa possa aprender com os erros do passado e construir um futuro melhor. "Eu vejo o Congo como um país muito, muito jovem. E eu tenho muita esperança de que as coisas vão mudar."
Mesmo com a possibilidade de uma melhora no país natal, ele vislumbra o Brasil como seu lar atual. "Eu acho que se as coisas melhorarem lá no Congo, eu vou lá de férias, mas o meu local hoje em dia é o Brasil."
Participando de projetos culturais e como voluntário em instituições, ele afirma que tem construído uma nova vida para si, mas também contribui para a integração de outros refugiados, mostrando que, apesar das adversidades, a resiliência e a solidariedade podem abrir caminho para um futuro promissor em terras estrangeiras.
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