A operação russa na Ucrânia colaborou para um regresso a uma era de combates com utilização intensiva de material bélico – e o equipamento mais importante no campo de batalha é o projétil de 155 milímetros. Os projéteis são uma munição padrão entre os países da OTAN. No entanto, eles também estão perigosamente escassos.
A mídia afirma que, desde o fim da Guerra Fria, o Pentágono desinvestiu ou negligenciou instalações outrora utilizadas para fabricar tudo, desde munições a pólvora explosiva, concentrando-se, em vez disso, na transformação da guerra com armamento de alta tecnologia.
"O que resta agora são infraestruturas em ruínas, maquinaria obsoleta e uma pequena força de trabalho que não consegue acompanhar a crescente procura internacional", escreve a agência norte-americana.
Antes do conflito na Ucrânia, a produção dos EUA era em média de 14.400 projéteis por mês. O país estão agora gastando mais de US$ 5 bilhões (R$ 26,7 bilhões) para reformar fábricas antigas em diversos estados.
"Uma nova era de conflitos travados com armas antigas expôs o abandono da produção de munições básicas como um erro estratégico. Isso levou a OTAN a alterar as suas diretrizes de armazenamento, exigindo que os aliados aumentassem significativamente os seus stocks de munições", ressalta a mídia.
Nos últimos meses, os fornecimentos de munições de 155 mm dos EUA foram esgotados pelos envios para a Ucrânia e pelo apoio de a Israel na Faixa de Gaza.
A pólvora negra, o propulsor crítico para os projéteis, também é escassa porque os EUA produzem pouco dela em comparação ao passado. O TNT, outro componente básico das munições, não é fabricado no território desde a década de 1980 – forçando o Pentágono a comprá-lo a países como a Polônia e a Turquia.
Os projéteis de alta tecnologia destinados a substituir as tradicionais munições de 155 mm falharam em um teste inicial na Ucrânia, quando os seus sistemas de mira foram frustrados pela Rússia.
A perspectiva de que futuras guerras possam assemelhar-se aos combates árduos que aí ocorrem suscitou receios de que o arsenal dos EUA possa algum dia ser esticado até ao ponto de ruptura.
"A escrita já está na parede há algum tempo. Foi preciso que a guerra na Ucrânia realmente chocasse os funcionários do Pentágono e os membros do Congresso, tirando-os da sua complacência", afirmou Stacie Pettyjohn, pesquisadora sênior e diretora do programa de defesa do independente e bipartidário Centro para uma Nova Segurança Americana, ouvida pela Bloomberg.
O déficit de material básico e a escassez de capacidade para o produzir refletem um problema mais vasto: os EUA já não se concentram em fabricar coisas cotidianas, mesmo coisas que podem ser críticas numa crise.
Quando o vírus da COVID-19 surgiu, começou a corrida para produzir mais cotonetes e ventiladores, relembra a mídia, assim como a escassez de peças automotivas, medicamentos genéricos, fórmulas infantis e outros bens comuns tornou-se mais frequente.
Para manter os seus esforços de mobilização no bom caminho, o objetivo do Exército norte-americano é produzir 68 mil projéteis por mês até ao início de 2025.
Grande parte do financiamento para aumentar a produção de munições virá da lei de despesas dos EUA recentemente promulgada, que foi aprovada após uma batalha política de seis meses liderada por republicanos que se opunham a mais assistência à Ucrânia.
No entanto, o Pentágono precisará de gastar mais US$ 3,5 bilhões (R$ 18,7 bilhões) por ano para comprar munições – custos que teriam de ser cobertos por despesas futuras. Os EUA também estão a planejando desembolsar mais dinheiro para bombas destruidoras de bunkers e outras armas pesadas, diz a mídia.
Os defensores do envio de mais munições e outros tipos de ajuda à Ucrânia começaram a considerá-lo um impulso à economia doméstica.
Os apoiantes de Kiev, liderados pelo líder republicano no Senado, Mitch McConnell, disseram que a maior parte do dinheiro vai para empreiteiros de defesa dos EUA, proporcionando "muitos e muitos empregos" aos estadunidenses em 38 estados, incluindo alguns onde os titulares estão lutando para manter os seus assentos.
Ainda assim, nos EUA, as autoridades encaram o armamento da Ucrânia como uma forma de aumentar a sua própria preparação para conflitos futuros, sublinha a Bloomberg.
Aumentar a produção de munições é um negócio dispendioso e demorado, e os EUA estão a tentar recuperar o atraso em um momento de tensão crescente na Europa, no Oriente Médio e na região do Pacífico.
"São investimentos de longo prazo, investimentos para décadas", disse Douglas Bush, o comprador de armas do Exército dos Estados Unidos, acrescentando que, apesar do atraso, "essa é uma oportunidade de os acertar durante décadas".