Panorama internacional

Membros do BRICS têm posições comuns sobre Gaza e Ucrânia, diz chanceler Vieira

Os ministros das Relações Exteriores do BRICS se reúnem na Rússia para consolidar a ampliação do bloco e coordenar posições sobre Gaza e Ucrânia. Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, o chanceler Mauro Vieira explica sua posição sobre a expansão do BRICS e revela quais as prioridades para a presidência brasileira do grupo em 2025.
Sputnik
Nesta segunda-feira (10), os ministros das Relações Exteriores do BRICS celebram um encontro histórico em Nizhny Novgorod: o primeiro a reunir os países do grupo em formato ampliado. O encontro definirá os termos da Declaração de Kazan de 2024 e o rumo das futuras expansões do bloco.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, chegou à cidade russa de Nizhny Novgorod, na beira do rio Volga, durante a madrugada. Já no início da manhã, definiu a agenda para o primeiro dia de reuniões na Rússia, ao lado do embaixador do Brasil em Moscou, Rodrigo Baena Soares. A agenda promete ser frenética, como parece ser a regra do ministro, que já se reuniu com mais de 100 chanceleres estrangeiros em menos de um ano e meio de mandato.

"É uma tarefa desafiadora. Neste ano estamos com a presidência do G20, que realiza uma quantidade gigantesca de reuniões. No ano que vem, teremos a COP 30 [30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas] e a presidência do BRICS. Portanto, dois importantíssimos eventos de repercussão mundial", disse o ministro Mauro Vieira à Sputnik Brasil. "Mas, para nós, o BRICS é um grupo importante de coordenação, de troca de informações e conhecimentos. É um grupo de países em desenvolvimento que querem marcar seu lugar no mundo."

Após o encontro multilateral dos ministros das Relações Exteriores do BRICS, a delegação brasileira se reúne em formato bilateral com os ministros de Índia, China, África do Sul, Egito, Cuba, Venezuela e, claro, a anfitriã Rússia.
Da esquerda para a direita, responsáveis de Relações Exteriores de vários países: Dammu Ravi, da Índia; Sameh Shoukry, do Egito; Naledi Pandor, da África do Sul; Wang Yi, da China; Sergei Lavrov, da Rússia; Mauro Vieira, do Brasil; Abdullah bin Zayed Al Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos; Taye Atskeselassie, da Etiópia; e Ali Bagheri, do Irã, durante foto conjunta para a reunião de ministros das Relações Exteriores do BRICS, em Nizhny Novgorod. Rússia, 10 de junho de 2024
"As relações entre Brasil e Rússia em breve completarão 200 anos, o que já demonstra sua densidade. O nosso comércio é recorde e cada ano tem crescido mais. Bilateralmente, temos muitos interesses e uma agenda muito rica", notou Vieira. "Pessoalmente, conheço o ministro Lavrov há muitos anos. Mantemos um ótimo diálogo, sempre muito estimulante. É um bom amigo pessoal e um grande diplomata."
Os dois chanceleres têm como objetivo definir os termos da declaração anual do BRICS, que será apresentada aos chefes de Estado em outubro na cidade russa de Kazan. A presença no evento do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, já foi confirmada pela Presidência da República. Segundo o chanceler Vieira, a declaração anual do BRICS deve "refletir a fisionomia do grupo", composto por países "que querem promover mudanças" no cenário internacional.

"São países engajados na reforma da governança global e na construção de formas novas e criativas de relacionamento entre os países", considerou o ministro Vieira. "Os países do BRICS […] são favoráveis à reforma das Nações Unidas, das instituições financeiras internacionais […] e da Organização Mundial do Comércio [OMC] — uma organização fundamental, que está paralisada há muitos anos."

No entanto, o ponto central para o Brasil é a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), "sobre a qual os cinco membros iniciais têm uma posição muito clara, muito direta e declarada publicamente", asseverou o ministro. Durante seu discurso de abertura dos trabalhos em Nizhny Novgorod, Vieira lembrou que o apoio à reforma do CSNU foi detalhado na Declaração de Joanesburgo II de 2023 e deve se manter como "a pedra angular do BRICS".
Correspondente da Sputnik Brasil Ana Livia Esteves conduz entrevista com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, acompanhado do embaixador do Brasil em Moscou, Rodrigo Baena Soares, em Nizhny Novgorod. Rússia, 10 de junho de 2024
A declaração de Kazan tampouco se furtará a tocar em temas sensíveis das relações internacionais contemporâneas, como o conflito israelo-palestino e o conflito ucraniano, antecipou o ministro das Relações Exteriores do Brasil.

"Na minha opinião, é normal que no ambiente do BRICS se trate dos conflitos que, no presente, são objeto de preocupação para todos os países-membros. Esses são dois temas sobre os quais todos os membros temos posições muito parecidas", disse Vieira.

Segundo ele, o grupo é unânime quanto ao conflito israelo-palestino, já que "todos pedem pela cessação das hostilidades, pela negociação da paz e, sobretudo, para que o auxílio humanitário e a libertação dos reféns sejam realizados o mais rápido possível". Para o chanceler brasileiro, esses passos são fundamentais para que "se criem as condições para dois estados autônomos, independentes e vivendo lado a lado, de acordo com as fronteiras de 1967".
Uma menina palestina escala escombros um dia após uma operação das Forças Especiais Israelenses no campo de Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, em 9 de junho de 2024
"Com relação à questão da Ucrânia, acredito que todos os países [do BRICS] querem o início de conversas completas, que envolvam os dois lados. O Brasil está mais do que disposto a defender, promover ou participar de todas as iniciativas que sejam realmente efetivas. Iniciativas que contem com os dois lados, nas quais se possa conversar séria e abertamente sobre essa questão", declarou Vieira.

Expansão ritmada

Conforme o BRICS abarca novos membros, encontrar consenso na agenda de paz e segurança internacionais pode se tornar uma tarefa mais complexa. A busca pelo ritmo ideal de expansão do BRICS e a possível criação de uma categoria de Estado-sócio do grupo são tópicos que estão no topo da agenda dos diplomatas reunidos em Nizhny Novgorod.

"Neste momento estamos justamente nessa discussão, e hoje será um dia importante para isso. Na minha opinião, a expansão acrescentou valor e deu destaque ao grupo", disse o ministro. "Acho que a importância é discutir como e de que forma se dará a próxima expansão: se serão países parceiros, como uma categoria intermediária até chegar a membros plenos. Mas isso deve ser feito, sem dúvida, com vagar e com tempo para analisar e considerar quais posições tomar."

A posição de Vieira encontra respaldo entre autoridades russas. Em declaração durante o Fórum Internacional Econômico de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês), o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reconheceu que o número de países candidatos a entrar no BRICS supera a capacidade do grupo para integrá-los.
Lula, Xi Jinping, Cyril Ramaphosa, Narendra Modi e Sergei Lavrov posam para uma foto do grupo BRICS durante a Cúpula do BRICS de 2023, no Centro de Convenções de Sandton, em Joanesburgo. África do Sul, 23 de agosto de 2023
"A cúpula de Kazan será muito importante. Os chefes de Estado terão que dar uma orientação sobre como proceder no próximo ano e nos anos seguintes, considerando o número de países que manifestaram interesse, […] quase 30", disse Vieira. "E, neste momento, teremos que discutir os critérios."

Rumo a 2025

Temas afeitos aos rumos do BRICS no curto prazo são de especial interesse do Brasil, que assumirá a presidência do grupo em 2025. O Itamaraty ainda delibera acerca da mensagem central e do logotipo de sua presidência, mas já sabe quais temas dominarão a agenda.

"Além da concertação política, que já está sendo feita, daremos importância para mais dois outros temas: aprofundar os estudos com vistas ao pagamento de comércio entre o bloco em moedas locais […] e dar um impulso cada vez maior ao Banco do BRICS", revelou o chanceler.

Durante a reunião de ministros, Mauro Vieira lembrou da decisão do BRICS de reunir os ministros das Finanças e diretores dos bancos centrais, a fim de desenvolver sistemas de pagamentos em moedas locais, pedindo total engajamento dos novos membros na iniciativa.
Em seu discurso, Vieira pediu compasso entre a expansão do BRICS e das demais instituições do bloco, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Apesar da autonomia formal, o banco segue a tendência de expansão do BRICS e integrou países como Bangladesh, Egito, Uruguai e Emirados Árabes Unidos à sua estrutura institucional.
"O resultado mais palpável do trabalho do BRICS é o Novo Banco de Desenvolvimento, que é uma instituição importantíssima, com uma trajetória de sucessos e projetos aprovados. Esperamos a participação ativa dos novos membros do banco", disse Vieira. "Contamos agora com a ex-presidenta Dilma Rousseff na presidência do banco, que tem dado uma feição nova e muito ativa à instituição."
Presidente russo, Vladimir Putin, se reúne com a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, Dilma Rousseff, em 6 de junho de 2024
O Brasil vai embarcar na liderança do BRICS praticamente sem escala após concluir sua presidência do G20, órgão que concentra a maior parte da população e do produto interno bruto (PIB) global. Além das afinidades de agenda e membresia coincidentes, o G20 também se encontra em processo de expansão, com a recente adesão da União Africana ao grupo.

"Estamos preparando a nossa presidência do BRICS em um ano que será denso e desafiador, com muitas iniciativas no campo diplomático multilateral. […] Mas eu estou muito otimista. Acredito que da reunião de hoje sairão resultados, iniciativas e sugestões fundamentais para enfrentarmos as dificuldades do mundo moderno, que não são poucas", concluiu o chanceler brasileiro.

Entre os dias 10 e 11 de junho, Mauro Vieira cumpre agenda na cidade de Nizhny Novgorod, no âmbito da reunião anual de ministros das Relações Exteriores dos países do BRICS. As reuniões desta segunda-feira (10) contaram com representantes de alto nível de Brasil, Rússia, Índia, África do Sul, China, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia e Irã. Aos encontros de terça-feira (11) se somarão representantes de Arábia Saudita, Bahrein, Bangladesh, Belarus, Cuba, Cazaquistão, Laos, Mauritânia, Sri Lanka, Tailândia, Turquia, Venezuela e Iêmen.
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