Para compreender o impacto dessa libertação, é preciso reconhecer o papel da União Soviética na formação do estado contemporâneo de Belarus, explica João Cláudio Pitillo, historiador e escritor que recentemente visitou o país.
Em entrevista aos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, do podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ele afirma que o maior legado soviético foi a "organização social e a conscientização do povo". Segundo o pesquisador, diferentemente de outras repúblicas pós-soviéticas que tomaram caminhos "suicidas", Belarus conseguiu preservar um estado de bem-estar social. Pitillo observou um país "extremamente limpo, organizado e ordeiro", reflexo dessa herança.
Em sua visita, o historiador percorreu mais de 2,5 mil quilômetros pelo país, visitando marcos históricos, como a fortaleza de Brest, e locais emblemáticos da operação Bagration. Ele relata que a memória da Segunda Guerra Mundial está enraizada na sociedade belarussa.
"A todo momento você tropeça na história", afirmou ele, destacando a praça da Vitória, no centro de Minsk, como um exemplo desse legado.
Como é viver em Belarus?
Pitillo comparou a segurança e a qualidade de vida em Belarus e no Ocidente. Ele disse ter se emocionado ao ver crianças indo sozinhas para a escola e brincando livremente em parques, cena rara em grandes cidades brasileiras. "Como morador do Rio de Janeiro, devido aos problemas sociais que nós temos, que se desdobram em problemas de violência urbana, eu não vou ter esse prazer de ver o meu filho sair da minha casa, pegar um transporte público de qualidade, chegar até o colégio", exemplifica.
"De todas as ex-repúblicas soviéticas, a que mais salvaguardou a Revolução Soviética, que mais salvaguardou os ganhos sociais e políticos da Revolução Soviética, foi Belarus", afirma.
O historiador também notou uma autoestima elevada entre os belarussos, que têm orgulho tanto de seu passado soviético quanto de suas vitórias na Segunda Guerra Mundial. "Um povo com uma alta congregação cultural, que falava com muita desenvoltura sobre a conjuntura internacional, um povo que não tinha vergonha do seu passado soviético."
Pitillo e sua equipe se surpreenderam ao descobrir que os restaurantes mais caros da cidade tinham preços equivalentes aos de um lanche no Rio de Janeiro, permitindo que desfrutassem de pratos sofisticados sem estourar o orçamento.
Pitillo também ficou impressionado com a grandiosidade e a imponência de Minsk, comparando a capital com grandes metrópoles brasileiras, como Rio e São Paulo.
O papel da União Soviética na Segunda Guerra Mundial
Segundo Pitillo, a destruição do Eixo pela União Soviética foi massiva, atingindo mais de 75% do total das forças inimigas. "A União Soviética carregou o maior fardo da guerra", afirmou, destacando que a devastação ocorreu em solo soviético, o que trouxe consequências para sua população.
Ele também corrigiu números frequentemente citados sobre as baixas soviéticas. Ele diz que pesquisas recentes apontam entre 32 milhões e 34 milhões de soviéticos mortos diretamente devido à guerra. Além disso, menciona que outras milhões de pessoas sofreram consequências físicas e mentais, levando a um total de quase 40 milhões de baixas, considerando efeitos indiretos da guerra.
O historiador enfatizou que a herança da guerra impacta a Rússia até os dias de hoje. A guerra não terminou apenas em termos de batalhas: os feridos continuaram a sofrer e muitos morreram posteriormente devido às suas condições. "Ao longo dos anos, a União Soviética vai perder mais quase 10 milhões de pessoas em virtude da guerra."
Ele argumenta que a guerra para os soviéticos era uma questão existencial. "Nós vamos existir com Hitler? Não, não vamos existir. Então a guerra é uma guerra para a defesa da pátria", cita.
A batalha de Minsk
Sobre a importância geoestratégica da batalha de Minsk, Pitillo explicou que a operação era vital para a União Soviética recuperar suas fronteiras de 1939 e montar um cinturão defensivo eficaz. "A batalha, a operação Bagration, tinha que ser rápida, mortal e certeira."
Segundo ele, a geografia favorável de Minsk permitia um acesso rápido e direto à Rússia, sendo crucial para a defesa do território soviético.
A operação Bagration, uma ofensiva soviética lançada em junho de 1944, foi ponto crucial para a libertação de Belarus e de outras regiões do controle nazista. "Os soviéticos destruíram mais de 900 mil alemães em 58 dias", explica.
Belarus no contexto pós-soviético
Segundo Pitillo, quando a União Soviética começou a se fragmentar, Belarus também teve que se movimentar, devido à falta de interesse da Rússia em continuar no socialismo. "Mesmo que vozes dentro de Belarus quisessem manter a União Soviética, seria impossível, porque Moscou já não queria", explica.
Ele ressalta que muitos dirigentes tentaram, de toda maneira, contragolpear o movimento liderado por Boris Yeltsin para evitar a dissolução da URSS.
Ele destaca que ao perceberem que a independência era inevitável, os líderes de Belarus começaram a planejar o futuro do país. Um sinal dessa transição foi a mudança da data de celebração da independência.
Originalmente comemorada em 25 de julho, a data foi alterada para 3 de julho, o dia da libertação de Minsk pelas tropas soviéticas. "Aquela data do 25 de julho, que é a data de quando ela se fragmenta da União Soviética, não foi mais vista como importante."
Segundo ele, passou a existir uma cooperação com países do espaço pós-soviético, como Cazaquistão e Tajiquistão, e a crescente presença na América Latina. Por outro lado, ele critica a animosidade de países bálticos como Lituânia e Polônia, referindo-se a eles como "protetorados neofascistas" que fomentam discordância contra Belarus.
Segundo o historiador, o presidente Aleksandr Lukashenko tem conseguido integrar a economia belarussa com a russa de maneira complementar, formando uma primeira barreira estratégica contra possíveis ataques ocidentais.
Ele destaca ainda que Belarus trabalha ativamente para se juntar ao BRICS, o que pode fortalecer suas relações internacionais e econômicas. "Belarus tem aumentado muito o seu comércio com o Brasil e anseia entrar no BRICS o mais rápido possível", afirma Pitillo.