Panorama internacional

Análise: EUA e oposição vão atuar pela instabilidade da Venezuela após urnas darem vitória a Maduro

Em meio a um dos pleitos que mais despertou a atenção do mundo neste ano, o presidente Nicolás Maduro foi reeleito na Venezuela para um mandato de seis anos, até 2031. Especialistas analisam à Sputnik Brasil os impactos do resultado e como ficam as relações venezuelanas no cenário internacional.
Sputnik
Com mais de 51% dos votos no último domingo (28), Maduro venceu a terceira eleição seguida na Venezuela diante de um dos processos eleitorais com maior número de candidatos dos últimos anos.
Já o principal nome da oposição, o ex-diplomata Edmundo González, ficou em segundo lugar, com pouco mais de 44%, e já declarou que não vai aceitar o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Maduro chegou a denunciar uma tentativa de golpe de Estado no país pelo grupo político, que chegou a afirmar ter conquistado mais de 70% dos votos, sem apresentar provas.
O cientista político, pesquisador e assessor venezuelano Luis Javier Ruiz avaliou à Sputnik Brasil que a situação deve gerar "muita tensão política" nos próximos dias, apesar do clima tranquilo registrado durante a votação.

"O não reconhecimento dos resultados pela principal força de oposição abriu uma brecha para um cenário imprevisível, somado às reações adversas que todos os presidentes de direita na América Latina demonstraram. Internacionalmente, há uma agenda importante e de tensão que este novo período de governo deve gerir, evitando o maior dano possível, especialmente do ponto de vista econômico e da legitimidade do processo eleitoral. Isso não significa que a Venezuela deva perder sua soberania e autonomia eleitoral, mas, no contexto de manter a paz, deve existir um ciclo de diálogo e verificação eleitoral", explica.

Enquanto países como Rússia, China e Bolívia reconheceram a vitória de Maduro, outros já aventaram que o resultado do pleito venezuelano foi fraudulento: Estados Unidos, Argentina e Chile, por exemplo. Já o Brasil, por meio do Ministério das Relações Exteriores, destacou o "caráter pacífico da jornada eleitoral na Venezuela" e pontuou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "acompanha com atenção o processo de apuração". O assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, segue em Caracas para conversar com as lideranças das duas principais candidaturas no país.
Panorama internacional
Maduro denuncia nova tentativa de golpe de Estado na Venezuela diante dos resultados eleitorais
Na última semana, após Lula chegar a demonstrar preocupação com as falas de Maduro durante a campanha, o presidente venezuelano chegou a dizer que o sistema eleitoral do Brasil não é "auditável", o que gerou insatisfações no Palácio do Planalto. Apesar disso, o especialista avalia que o maior dano gerado pela situação está ligado à amistosidade das relações entre os dois líderes, mas "nada que não possa ser resolvido".

"Uma das características que o Brasil tem buscado consolidar na região é a de um país influente sobre seus vizinhos; em alguns casos com sucesso e, em outros, não. A relação com Lula vai além do político, há coincidências ideológicas e amistosas, mas também devemos estar com os pés no chão e compreender que do presidente brasileiro também tem pressões políticas internas, de seus aliados, que o obrigam a fixar posições como as conhecidas nas últimas semanas. Acredito que Lula só busca se erguer como um mediador que quer estar bem com todos", diz.

Quem é o presidente da Venezuela?

Maduro venceu a primeira eleição em 2013, em um momento de turbulência no país por conta da morte de Hugo Chávez. Esse foi o pleito mais apertado que o presidente já disputou, quando venceu por uma margem estreita o então candidato da oposição Henrique Capriles: 50,61% a 49,12%.
O cientista político Luis Javier Ruiz acrescentou que o pleito de 2024 foi um dos que registrou mais pressão na mídia internacional, com "tentativas de supostos observadores" entrarem no país para acompanhar o processo.

"Acho que é inédito na história da América Latina: um grupo de políticos influentes se agrupou para tentar sabotar ou interferir na vida política interna de algum país. Nem quando havia ditaduras militares em toda a região houve tal coisa. Estamos diante de uma estratégia internacional de direita, que vai além de reconhecer ou não a legitimidade do processo eleitoral. Estão destinados, por todas as vias, a incluir a Venezuela nos governos influenciados pelos EUA. As ações desses governos e figuras são irrelevantes em termos legais e internos para a Venezuela, mas não podemos menosprezar o dano internacional que causam, sobretudo do ponto de vista midiático, comunicacional e institucional. Mesmo assim, o governo do presidente Maduro enfrentou no passado situações similares ou piores", resume.

Notícias do Brasil
Governo brasileiro saúda 'caráter pacífico' de eleições na Venezuela e acompanha apuração

Em que a Venezuela se destaca?

O principal motor da economia venezuelana é a extração de petróleo e gás, que nos últimos anos sofreu severas sanções encabeçadas pelos Estados Unidos. Entre as consequências da medida intervencionista norte-americana estava o processo de hiperinflação iniciado em 2017, quando índices mensais eram superiores a 50% e levaram à redução do poder aquisitivo da população. Após cinco anos, no fim de 2022, os números voltaram a cair em meio ao Programa de Recuperação Econômica, Crescimento e Prosperidade do governo Maduro.
O presidente venezuelano prometeu seguir no próximo mandato com foco na retomada econômica do país e em reconstituir a estabilidade social. Eden Pereira Lopes da Silva, professor de história e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a África, Ásia e as Relações Sul-Sul (NIEAAS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou à Sputnik Brasil que o governo Maduro também deve aprofundar os "laços de integração regional" com outros países da América Latina. "O governo venezuelano hoje se encontra numa posição muito estratégica, no sentido de favorecer o diálogo e a cooperação entre os países do Sul Global", afirma.
Entre os principais objetivos do país para os próximos anos no cenário internacional, segundo o especialista, está a tentativa de retorno do país ao Mercosul, suspenso do bloco desde 2016 e, também, a conquista de espaço no BRICS, que este ano ganhou um número recorde de novos membros.

"A Venezuela, por exemplo, expandiu em alguma medida muito a sua presença dentro da América Central, no Caribe. Isso para eles acabou sendo muito importante, embora hoje tenham uma relação muito difícil porque esperavam uma integração com o Mercosul, e isso acabou não acontecendo […]. Caracas já indicou sua disponibilidade, inclusive para poder participar do BRICS. E se depender dos demais grandes países do grupo, como África do Sul, Índia, China e Rússia, é um país com grandes chances de se tornar membro. Porém, eu vejo ainda uma posição brasileira muito lenta com relação a esse processo", argumenta.

Além disso, o professor lembra que no Brasil há diversas pressões internas que defendem um afastamento do país com Caracas, o que acaba refletindo nas relações entre os dois governos. "Mas, em alguma medida, as relações entre o Brasil e a Venezuela estão em um nível muito melhor do que estavam, por exemplo, após 2016, quando os anteriores presidentes brasileiros, o Michel Temer e o Jair Bolsonaro, trabalharam ativamente com a diplomacia e com a política externa dos Estados Unidos, no sentido não só de sabotar, mas também de derrubar o governo Maduro. O governo brasileiro atua para fortalecer a estabilidade da Venezuela", enfatiza.
Panorama internacional
Venezuela denuncia intervenção de governos estrangeiros no processo eleitoral

Qual é a relação da Venezuela com os Estados Unidos?

Desde o governo de Barack Obama ainda em 2016, os EUA passaram a sancionar a Venezuela diante de divergências com o governo Maduro e, apesar da tentativa de reaproximação no ano passado — inclusive com a suspensão das medidas por um curto período de tempo —, Washington voltou a realizar ataques públicos contra o país. No último, pediu a recontagem dos votos do último pleito e até ameaçou intensificar as restrições que afetam principalmente o setor de petróleo e gás do país.
O professor Eden Pereira enfatiza que as tensões cresceram ainda mais durante a gestão de Donald Trump, que chegou a reconhecer o governo do autoproclamado presidente Juan Guaidó. Além disso, as tentativas de intervenção norte-americanas contra Caracas são históricas e, ainda no início do século XX, o país sofreu um bloqueio econômico.

"A Venezuela conseguiu caminhar muito na direção do estabelecimento de sua soberania desde o início do processo da Revolução Bolivariana. Porém, esse processo evidentemente vai se dar em choques, não só internacionais, mas também choques internos, com alguns dos setores que se beneficiavam desse sistema no qual as potências estrangeiras estabeleciam os rumos internos. O país ainda consegue mobilizar a sua própria população no sentido de resguardar e de defender a sua soberania", finaliza.

Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!

Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a cnteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.

Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).

Comentar