Panorama internacional

OTAN mira a China após tentar enfraquecer a Rússia; 'falha permitiu união entre o urso e o dragão'

Após a derrota da ofensiva ucraniana por não alcançar objetivos estratégicos no que diz respeito ao conflito com a Rússia, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) pode concentrar seus esforços em um novo alvo, sendo a China a "bola da vez".
Sputnik
No início de julho, os 32 Estados-membros da OTAN assinaram uma declaração conjunta acusando a China de abastecer a Rússia para ataques realizados contra a Ucrânia. O gigante asiático foi chamado de "facilitador decisivo" dos russos pelo bloco.
Recentemente, a Aliança Atlântica também teve ações criticadas pelo ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. Na oportunidade, o chanceler criticou a formação de blocos exclusivos, como o AUKUS, na região da Ásia-Pacífico.
Criado em 2021, o AUKUS é composto por EUA, Reino Unido e Austrália, mas tem reforçado contatos com a Nova Zelândia e outros países da Ásia-Pacífico.
O bloco, segundo Cassiano Schwantes, pesquisador associado do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina) e mestrando em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), visa expandir a presença dos atores na região, que é estratégica também pela questão de Taiwan.

"Taiwan nos últimos anos tem se voltado como um player estratégico, não somente pela questão territorial, que a China reivindica, mas acima de tudo pela questão dos semicondutores. Os Estados Unidos têm interesse estratégico e geopolítico nessa região, e acho que não vai largar essa região tão fácil", afirma.

A aproximação do território chinês é parte de uma política muito executada pelos EUA e por outros países-membros da OTAN, avalia Daniel Ferreira, cofundador do canal Geopolítica Hoje e doutorando em China.
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Segundo o especialista, a estratégia consiste em gerar situações que aumentem o custo e o gasto energético do país que está sendo alvo disso; neste caso, a China.

"Ao criar o AUKUS, uma aliança militar, uma pressão bélica, uma pressão política, uma pressão econômica próxima à China, você força a China a gastar energia e a se defender dessa questão. É muito mais barato para os Estados Unidos e para a OTAN, ou os parceiros dos Estados Unidos gerarem essa pressão na China do que a China reequilibrar essa ação do AUKUS", explica.

China na mira: alçada do Ocidente pode render sanções?

De acordo com Schwantes, desde 2022 o gigante asiático sofre com sanções há alguns anos e, em 2022 o governo de Joe Biden lançou o maior pacote de restrições da última década contra os chineses.

"Essas sanções se baseiam em proibir a exportação de insumos estadunidenses que pudessem servir, por exemplo, para a fabricação de semicondutores na China", exemplifica.

O pesquisador relata ainda que os EUA até tentam que outros países adiram ao pacote de bloqueio, mas fato é que a toada se torna difícil, uma vez que países menores dependem economicamente mais da China do que dos norte-americanos.
"Desde 2008, a gente pode citar uma inflexão aí no desenvolvimento econômico da China, quando ela percebe que não pode mais depender exclusivamente do modelo de exportações ou depender exclusivamente das instabilidades do sistema internacional. E aí ela foca muito mais no seu consumo doméstico, ela começa a focar em desenvolvimento tecnológico nacional", conta o pesquisador sobre a China se preparar para responder essas sanções que, atualmente, não têm impacto catastrófico no país.
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Já em relação a Taiwan ser um ponto de instabilidade para o governo chinês, pelo histórico recente atribuído na região e, consequentemente, ser visto como um território onde um conflito bélico pode avançar, Schwantes considera que as eleições nos EUA podem influenciar nisso.
Caso Donald Trump vença, por exemplo, o especialista considera muito difícil que ele se preocupe em agir na região de forma mais contundente, sobretudo pelos gastos astronômicos com a Ucrânia.

"Ele [Trump] mencionou em algumas entrevistas que se Taiwan quer a nossa proteção [dos EUA], terá que pagar por isso", relata o pesquisador.

Ineficiência da OTAN na Ucrânia fez surgir casamento entre 'urso e dragão'

Por um lado, conforme analisa Ferreira, o conflito na Ucrânia permitiu que, de certa forma, a OTAN conseguisse novamente unir a Europa contra a Rússia. O momento representa também o renascimento da Aliança Atlântica, segundo o especialista.

"A frase mais marcante desse período anterior ao conflito é a frase do [Emmanuel] Macron dizendo que a OTAN estava com um enorme problema, que ela estava morrendo por morte cerebral, uma vez que a OTAN tinha perdido a sua razão de existir já há muito tempo", diz.

Por outro lado, o insucesso em atingir objetivos estratégicos e a derrota da ofensiva ucraniana "influenciam a mudança de foco da OTAN", conta o pesquisador.

"A prioridade da OTAN, especialmente dos Estados Unidos, de Washington, era compor uma ação conjunta de enfraquecer a Rússia por causa da Rússia, mas também para enfraquecer o principal aliado da China", avalia.

Apesar do reavivamento da OTAN e dos fracassos no campo de batalha, o Ocidente assistiu ao firmamento de uma parceria sólida, comparada a um casamento pelo analista. "O casamento entre o urso e o dragão", cita, fazendo analogia entre Rússia e China.
Segundo Ferreira, Rússia e a China têm um histórico extremamente conturbado. Entretanto, "para além dessas questões que elevam e colocam um afastamento, existem outras que aproximam muito mais China e Rússia do que afastam".
Além da máxima de que nada une mais duas partes do que um inimigo em comum, Moscou e Pequim entendem que "a união entre as duas potências permite a maior sobrevivência dos dois".
"É muito fácil olhar pra frente protegidas pela segunda maior potência do mundo. Seja no quesito bélico, seja no quesito econômico, seja no quesito de diplomacia. E aqui não vou nem dizer quem é a segunda maior potência do mundo", ressalta.
O analista destaca ainda que se trata de uma aliança tão bem-feita que os laços criados são interdependentes.

"Rússia e China foram muito inteligentes e muito eficientes na produção de vários acordos que fazem com que a Rússia seja dependente da China e a China seja dependente da Rússia. E a China é muito sutil em trabalhar na zona de influência russa", conta.

Nas atuações envolvendo os dois países, "raramente a gente vê falta de sintonia, uma desarticulação desses dois atores. Poucas alianças hoje em dia são tão equilibradas do que de respeito à ação e reação, a parceria e acordos. […] Onde um tem vantagem, o outro se equilibra com outro aspecto desse Estado, dessa potência", completa.
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China prefere diplomacia a espada

"A China entendeu, por ser um império milenar, que ações agressivas são muito eficientes no curto espaço de tempo", resume Ferreira sobre o agir do gigante asiático.
Isso não significa, no entanto, que estamos falando de um país bonzinho, salienta. "Isso significa que a China prefere escolher primeiro a diplomacia do que a espada."
Ao contrário disso, o Ocidente "tem um histórico inegável, que muitas vezes a primeira escolha é a espada, ou um míssil Tomahawk, ou um míssil de cruzeiro jogado no palácio de algum presidente, ou um golpe militar".
A política chinesa para o mundo é estabelecer relações de ganha-ganha, que tragam benefícios mútuos para as partes. Países do chamado Sul Global tem se beneficiado inteiramente nessa política pacífica e econômica da diplomacia chinesa.

"Um exemplo que a gente pode trazer é a Iniciativa Cinturão e Rota, a chamada Rota da Seda, lançada em 2013, que tem demonstrado ser um projeto gigantesco a níveis internacionais de infraestrutura", ressalta Schwantes.

"A China não esqueceu como se usa uma espada. A China não esqueceu como é importante ter uma capacidade de soberania", diz Ferreira, mas é um país que entendeu que seu modo de fazer política é mais eficiente, o que o torna um país que "consegue oferecer vantagens tão valiosas, tão sedutoras" que nenhum outro país consegue, ou seja, ela consegue "redesenhar a cadeia global de valor atraindo poder e influência em volta de si".

"O bom estrategista sabe que dinheiro não é igual a poder. Porque dinheiro pode comprar poder, mas o poder consegue destruir o dinheiro", finaliza o doutorando em China.

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